Acórdão nº 00901/19.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução07 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:*I – RELATÓRIO: 1.1.

J.

, residente na Rua (…), instaurou a presente ação administrativa contra o Município (...), com sede na Praça (…), com vista a impugnar o ato de 17/03/2018 do Vereador da Câmara Municipal (...) com os Pelouros da Habitação, Coesão Social e Educação, que determinou a resolução do arrendamento apoiado de que a mesma beneficiava numa habitação municipal sita na cidade do Porto, bem como, o ato de execução que se lhe seguiu, a consequente ordem de despejo, proferida pelo mesmo Vereador em 04/11/2018, pedindo que se declare a nulidade de ambos os atos, com a declaração de não resolução do arrendamento e inerentes efeitos retroativos e demais consequências legais.

Para tanto alega, em síntese, que os atos impugnados padecem dos vícios de violação de lei por ofensa ao conteúdo dos seus direitos fundamentais e constitucionalmente protegidos à habitação, à família e à dignidade enquanto pessoa humana, porquanto o contrato de arrendamento a que se reportam os atos impugnados tem por objeto a casa de habitação permanente daquela, que conta 55 anos de idade, é viúva, doente do foro psíquico e que tem como únicos rendimentos 169,75 euros de pensão de sobrevivência e, bem assim 66,01 de RSI, não dispondo de outra habitação, sequer de familiares ou amigos que a possam recolher, mais aos seus dos filhos, e apesar de já ter solicitado à Segurança Social que lhe faculte uma habitação alternativa, compatível com a sua situação económica social, esse pedido não foi satisfeito; a filha encontra-se, em fase experimento e aufere o OMN, enquanto o filho é estudante; Invoca o vício da violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, alegando que os atos impugnados estão apoiados em factualidade patente em sentença criminal, ao qual a Autora é alheia, uma vez que não foi parte nesse processo criminal e cujos factos aí julgados como provados não lhe são oponíveis; o condenado naquele processo criminal é estranho ao seu agregado familiar; os factos que são imputados à Autora nos atos impugnados são falsos e não se encontram sustentados em qualquer prova, sequer na aludida sentença criminal; o arrendado nunca foi utilizado pelo condenado para pernoita por período superior a 30 dias e jamais a Autora teve conhecimento dos atos ilícitos perpetrados pelo condenado naquela sentença criminal, sequer neles consentiu; Invoca o vicio da violação de lei, por usurpações de funções e violação das suas competências, sustentando que com os atos impugnados, o Réu visa prosseguir questões de segurança e de erradicação de focos de criminalidade em áreas geográficas sob a sua alçada, quando essas funções não cabem nas suas competências.

Finalmente, invoca o instituto do abuso de direito, sustentando que apesar de saber, ou não poder ignorar, que os fundamentos da primeira decisão impugnada são insuficientes para a sustentar, a Ré teimou em utilizá-los contra pessoa de condição económica e social e de instrução muitíssimo frágeis, o que também se afirma, por maioria de razão, em relação à segunda decisão impugnada.

1.2.O Réu contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invoca a exceção da caducidade do direito de ação da Autora, sustentando que o ato administrativo impugnado foi notificado àquela em 22/03/2018 e que os vícios que esta imputa a esse ato conduzem à sua eventualidade anulabilidade, pelo que esse ato teria de ser impugnado no prazo de três meses a contar da notificação do mesmo à Autora, prazo esse que se mostrava já decorrida à data da propositura da presente ação; Invoca a exceção da inimpugnabilidade do ato notificado à Autora em 17/01/2019, sustentando que esse é o ato de execução do ato administrativo de declaração e que, por isso, apenas seria impugnável caso enfermasse de vício próprio e autónomo, quando a Autora não imputa a esse ato de execução qualquer vício autónomo, e que o único que está conexo com ele, não deriva dele, mas da lei, que permite a execução do despejo diretamente pela entidade administrativa; Mais invoca a exceção da aceitação dos atos de resolução, alegando que em maio de 2018, a Autora solicitou ao contestante a prorrogação de prazo para entrega da chave do arrendado, uma vez que estava a tentar encontrar habitação alternativa, o que lhe foi deferido até agosto desse ano; o mesmo fez em 21 de janeiro de 2019, quando voltou a pedir nova prorrogação, que então lhe foi negada, concluindo que essas condutas da Autora configuram a aceitação tácita pela mesma da decisão de resolução e da ordem de despejo e dos fundamentos que sustentam esses atos; Impugnou parte dos factos alegados pela Autora, sustentando que no ato administrativo que esta impugna, o contestante não visa a punição pelo tráfico de estupefaciente, mas a defesa do interesse público e no exercício de uma causa de resolução legalmente prevista do contrato alicerçada no uso que é dado à fração pelo ocupante ou que da mesma é permitida pelo ocupante e na circunstância de no interior daquela habitação terem sido encontrados 2.400,00 euros, que a Autora conhecia provir do tráfico de estupefacientes; A Autora permitiu o uso da fração para habitação de uma pessoa não autorizada a ali viver, e que essa pessoa (o B.), mas também a companheiro e os filhos destes, residissem naquela habitação.

Conclui pedindo que seja absolvido da instância ou, subsidiariamente, do pedido.

1.3.A Autora replicou, concluindo pela improcedência das exceções invocadas pelo Réu e como na petição inicial.

1.4.Proferiu-se despacho em que se dispensou a realização de audiência final, indeferiu-se a produção de prova testemunhal ou de qualquer outro meio de prova, por se considerar “desnecessária a sua produção, atendendo à suficiência da prova documental inserta nos autos físicos e no processo administrativo apenso (PA), conforme o previsto no art. 90º, n.º 3 do CPTA”.

1.5. Proferiu-se saneador-sentença, em que se julgou improcedente a exceção da caducidade do direito de ação da Autora invocada pelo Réu, fixou-se o valor da presente causa em 30.000,01 euros, e julgou-se a presente ação totalmente improcedente, constando esse saneador-sentença da seguinte parte dispositiva: “Ante o exposto, porque não provada, julgo a presente ação improcedente, mantendo na ordem jurídica os atos impugnados.

Custas a cargo da Autora – cfr. artigos 527º, n.º 1 do CPC, 1º do CPTA, 6º, n.º 1 e 14º-A, alínea e) do RCP, sem prejuízo, todavia, do apoio judiciário”.

1.6. Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: “I. Os pontos de facto 2º e 3º da douta matéria de facto julgada provada devem ser eliminados do respetivo elenco porquanto correspondem a matéria de facto não alegada pelas partes e que não é de conhecimento oficioso, tendo assim sido erradamente interpretado e aplicado o disposto no artigo 5º, do Código de Processo Civil, para além de que carecem totalmente de qualquer suporte probatório, o que neste particular constitui errada interpretação e aplicação dos artigos 342º e 343º, 1, do Código Civil.

  1. Ainda que assim não se entenda, o certo é que não basta a indicação genérica e conclusiva, como consta do ponto de facto 3.º, de que “O B. utilizava a habitação atribuída à A. para a atividade do tráfico de estupefacientes” para se concluir que o locado servia de local à prática desse crime.

  2. Na verdade, para se chegar a essa conclusão era necessário que estivessem provados os concretos atos integradores de tal tipo legal de crime, o que não se verifica.

  3. Acresce que, o crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21º, e seguintes, do D.L. 15/93, de 22 de janeiro, não tem na sua tipificação nem o produto do ilícito e muito menos a respetiva guarda, pelo que não pode fundar-se aí a resolução do arrendamento em análise.

  4. Desta forma, foi erradamente interpretado e aplicado o artigo 21º, e seguintes, do D.L. 15/93, de 22 de janeiro.

  5. Assim, não se encontram reunidos os pressupostos de facto para a aplicação do artigo 25º, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, bem como do artigo 1083º, 2, b), do Código Civil, os quais foram erradamente interpretados e aplicados.

  6. Foram ainda incorretamente interpretados e aplicados os artigos 4º, 8º e 163º, do Código de Procedimento e Processo Administrativo.

Nestes termos, com o Douto suprimento de V. Ex.ªs, deverá a Douta sentença ser revogada, e julgada procedente a presente ação.” 1.7. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.8. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.

1.9. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

*II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas pela apelante à apreciação deste TCAN resumem-se ao seguinte: a- se no saneador-sentença sob sindicância a 1ª Instância incorreu em erro de direito e de julgamento da matéria de facto quando à facticidade nele julgada provada nos pontos 2º e 3º, porquanto, respetivamente, essa facticidade...

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