Acórdão nº 01652/08.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Novembro de 2017

Data17 Novembro 2017
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Norte: S. CCA, L.da veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do acórdão, de 03.07.2015, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial intentada Pela recorrente contra o Município de Gondomar, com vista a impugnar o despacho de 02.06.2008 da Vereadora Adjunta da Câmara Municipal de Gondomar, que determinou o embargo dos trabalhos de remodelação e edificação no terreno onde a Autora possui as suas instalações de comércio automóvel, por entender que as obras estavam a ser executadas em área afecta à Reserva Agrícola Nacional, considerada também como área verde e espaço não urbanizável pelo respectivo Regulamento do Plano de Urbanização, absolvendo o Réu Município de Gondomar do pedido de nulidade, anulabilidade ou ineficácia – conforme venha a entender-se, de forma sucessivamente subsidiária -, e de acordo com os factos aduzidos a respeito de cada um dos vícios imputados ao acto em questão, e do pedido de nulidade do respectivo procedimento administrativo.

No despacho saneador foi julgada improcedente a matéria de excepção deduzida pela entidade demandada, de inimpugnabilidade do acto, na parte em que o mesmo configura uma ordem de embargo, e procedente na parte em que o mesmo determina a audiência da autora nos termos do nº 3 do artigo 106º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, sobre o projecto de decisão de demolição das obras realizadas e reposição do terreno nas condições em que o mesmo se encontrava antes da realização daquelas e, em consequência, foi a entidade demandada absolvida da instância.

A Recorrente invocou, para tanto, em síntese, que foi preterido o direito de audiência prévia, que o não licenciamento das obras levadas a cabo pelo próprio município constitui um manifesto abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium, que se verifica a violação do princípio da boa-fé, da cooperação, da segurança jurídica, da justiça material, que a inclusão do terreno em Reserva Agrícola Nacional não pode ser valorado (e destinado) como tornando-o inapto para construção, que há muito que o referido terreno não estava afecto à prática agrícola, pelo que não tem fundamento o indeferimento liminar da hipotética tentativa de licenciamento dos terrenos em questão, cfr. ofício datado de 28 de Novembro da mesma edilidade, que é possível a legalização, com ou sem trabalhos de correcção ou alterações, pelo que a demolição de obras ilegais tem de ser considerada como um último recurso para a reposição da legalidade, só devendo ser ordenada quando não subsistam dúvidas razoáveis sobre a possibilidade de legalização, como decorre do princípio da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), princípio este reafirmado, a nível da actividade administrativa nos artigos 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e artigo 5º do Código de Procedimento Administrativo que impõe que não sejam infligidos sacrifícios aos cidadãos quando não existam razões de interesse público que os possam justificar; que os instrumentos de planeamento territorial não são definitivos nem inalteráveis, prevendo-se expressamente na lei a possibilidade de ele serem alterados ou revistos e permitirem a desanexação de alguns terrenos e a inclusão de outros revistos (cfr. artigos 93º e seguintes do Decreto-Lei nº 380/99, de 22.09); prova disso é que na actual revisão do Plano Director Municipal de Gondomar que se previa viesse a entrar em vigor no mês de Outubro de 2016 o terreno em causa está classificado como terreno para construção (cfr. documentos 1 e 2 juntos com as alegações de recurso), que acto administrativo padece de vício de forma – falta de fundamentação, porque não são esclarecidos, fundamentados, apontados factos nem disposições legais ou regulamentares que “expliquem” a actuação do Réu; que se verifica a caducidade dos embargos, de conhecimento oficioso e a todo o tempo, por não ter havido decisão definitiva dentro dos prazos referenciados no nº 2 do artigo 104º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação. Tudo isto ao contrário do decidido.

O Recorrido Município de Gondomar não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer em que pugna pela manutenção da decisão recorrida.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto deste recurso jurisdicional: 1º - Vem o presente recurso interposto da sentença de 03.07.2015 que julgou a acção improcedente e não provada, a qual tinha por escopo a impugnação do despacho de 02.06.2008 que determinara o embargo dos trabalhos de remodelação e edificação no terreno onde a ora recorrente possuía as suas instalações de comércio automóvel (melhor supra identificado).

  1. - Para decidir no sentido antes exposto, fundamentou-se a mesma nos seguintes argumentos: I – não obstante a maior parte dos trabalhos levados então a cabo tivessem sido realizados pela própria Câmara Municipal de Gondomar, o facto é que os mesmos se encontravam a ser executados "em violação das normais legais e regulamentares aplicáveis - cfr. Artº 102 nº 1 al. c/ do RJUE)"; II – o terreno encontra-se em área da Reserva Agrícola Nacional, pelo que qualquer licenciamento seria nulo, não se tendo provado nem a sua desafectação de tal área nem pedido nesse sentido (cfr. artigos 9º e 11º do regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional – Decreto-Lei 196/89 de 14.6).

  2. - Face à matéria dada como provada (pontos 1 a 23 inclusive da sentença recorrida) e ao despacho em causa, verifica-se a violação do direito da autora ao exercício do contraditório", consagrado no instituto da audiência prévia à prática do mesmo.

  3. - Pois que o Município de Gondomar nenhuma resposta deu à Autora na sequência do pedido de esclarecimentos por aquela formulado em sede de “audiência prévia”.

  4. - Circunstância que sempre impediria - como impediu - a autora de exercer cabalmente o seu direito de audição, nos termos do n.º 3 do artigo 106.º do Decreto-Lei 555/99, de 16.12; cfr. artigos 207° nº 5, 267º nº 5, da Constituição da República Portuguesa; artigos 100º, 135º, 136º nº 2, do Código do Procedimento Administrativo.

  5. - Encontra-se, também por isso, todo o procedimento administrativo que precedeu o acto ora impugnado – e, por consequência, também este – eivado de nulidade por, inter alia, manifesto vício de violação de lei, por absoluta falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto, que deveriam ter conduzido à respectiva declaração de invalidade, que para os devidos efeitos novamente se requer. Acresce que, 7º- As obras de execução de plataforma em argamassa, colocação de contentores e outras, a que se reporta o auto de embargo, foram, levadas a cabo pelos serviços da própria Câmara Municipal, além do mais sob a supervisão de alguns dos seus mais destacados representantes.

  6. - A tal consideração não obsta o facto de a autora ora recorrente ter procedido à respectiva pintura, ter colocado telheiros laterais e ter procedido à substituição da rede de vedação (meros pormenores se comparados com o conjunto da construção levada a cabo pela recorrida).

  7. - Tal embargo constitui, pois, um manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

  8. - E não se diga que, apesar desta caracterização do instituto do abuso de direito, a prolação do despacho impugnado foi proferido no uso de poderes vinculados e que, em consequência, a Administração Pública não podia nem devia ter agido doutro modo, uma vez que aquela decisão constituiria, antes, um imperativo legal, decorrente das razões jurídicas que lhe estão subjacentes, e isto independentemente das suas consequências jurídicas e materiais (raciocínio implicitamente adoptado pela douta sentença recorrida).

    Na verdade, 11º- O princípio da boa-fé encontra consagração legal no disposto, além do mais, nos seguintes preceitos legais: artigo 6º-A do Código de Procedimento Administrativo (entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015 de 07.01 - cfr. seus actuais artigos 10º e 60º) e artigo 266º da Constituição da República Portuguesa.

  9. - À Administração restavam muitas outras alternativas de actuação, que não a adoptada (rigoroso cumprimento dos formalismos procedimentais antes analisados; alternativas de solução infra analisadas), 13º- Com a adopção de tal procedimento, verifica-se (como aliás a douta sentença recorrida reconhece) a ocorrência de um comportamento desleal ou incorrecto, por parte da Administração (à data), bem como a violação por parte desta do dever de cooperação.

  10. -O princípio da boa-fé deve ser atendido também pela administração pública, e até com mais razão por ela, e o seu comportamento nas relações com os cidadãos pode ser controlado pela teoria dos actos próprios, que não lhe permite voltar sobre os próprios passos depois de estabelecer relações em cuja seriedade os cidadãos confiaram.

  11. - Se há ilegalidade nas construções levadas a cabo ela foi causada pelo próprio poder público, o qual não pode invocar, depois, aquele vício para prejudicar uma entidade (a ora recorrente) que legitimamente se encontra a ocupar aquelas.

  12. - Se a suposta ilegalidade da construção foi causada pela própria Administração, não há que se alegar tal vício, mas, pelo contrário, promover os trâmites necessários à sua legalização.

  13. - As pretensões da recorrente nada mais representam do que a derivação de máximas como a certeza e a estabilidade mínima que se esperam da administração pública.

  14. - Nas circunstâncias dos presentes autos, no cotejo dos dois princípios do Estado de Direito, o da legalidade e o da segurança jurídica, este último deverá prevalecer sobre o outro, como imposição da justiça...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT