Acórdão nº 00014/16.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução17 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO SD interpôs recurso jurisdicional da sentença que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção proposta contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), visando a declaração de nulidade do acto praticado pela Directora Regional do SEF, de 13 de Agosto de 2015 – que indeferiu a pretensão do ora Recorrente de obtenção do cartão de residência familiar de cidadão da UE – bem como a condenação do SEF na prática de acto considerado devido de emissão do referido cartão de residência.

*Nas alegações de recurso, o Recorrente apresenta as seguintes conclusões: “A - O Recorrido alegou na sua petição inicial diversos factos pessoais, concretamente, os respaldados no seu artº 38º.

B – O SEF reconheceu na sua douta contestação que o Recorrente vive com a cidadã portuguesa CSSL, pelo menos desde Setembro de 2010 – “(… facto dado como provado no processo administrativo)”.

C – O Tribunal “a quo” excluiu grosseiramente da matéria dada como assente o facto primordial subjacente ao pedido que o Recorrente peticionou junto do SEF (vida em família com cidadã nacional há mais de dois anos), bem como à nulidade e inconstitucionalidade arguidas relativamente ao direito de viver em família, considerando não ser relevante para a apreciação e decisão da questão prévia.

D – A douta sentença de aqui se recorre padece de grosseiro erro de julgamento, ao não relevar os factos supra referidos e, mormente, o assinalado em destaque.

E – A douta sentença deverá ser revogada e substituída por outra que atente aos mencionados factos e, em especialmente, ao alegado e reconhecido, e tido por não assente. Acresce: F – A douta sentença assentou, em suma, a sua douta decisão nos seguintes factos: · Pedidos de autorização de residência que o Recorrente formulou junto do SEF em momento anterior àquele que foi objecto do indeferimento que aqui se impugna, bem como ao desfecho desses mesmos pedidos; · Não reacção graciosa ou contenciosa por parte do Recorrente relativamente a actos de indeferimento que recaíram sobre pedidos de autorização de residência requeridos junto do SEF anteriores ao pedido que foi igualmente alvo de indeferimento e que aqui se impugna; · Ilegalidade/irregularidade da situação documental do Recorrente em território nacional desde determinada data e, bem assim, menção do tempo dessa mesma irregularidade antes da formulação dos diversos pedidos de autorização de residência anteriores àquele que foi objecto do acto de indeferimento que aqui é visado.

G – Tais referidos factos são absolutamente irrelevantes / estranhos à douta decisão, porquanto não respeitam, nem sequer possuem qualquer ligação / conexão, quer com o acto impugnado, quer com a impugnação propriamente dita.

H – Note-se ainda que todos os pedidos efectuados pelo Recorrente em momento anterior ao que aqui se discute foram efectuados ao abrigo da “Lei Geral dos Estrangeiros” (Lei 23/07 de 04/07), ao invés deste formulado nos termos da “Lei dos Comunitários” (Lei 37/06 de 09/08) na qualidade de familiar de cidadão nacional.

I – Qualidade que o Recorrente fez prova no processo administrativo, reconhecendo o SEF que o mesmo vive em união de facto com cidadã nacional pelo menos desse Setembro de 2010.

J - Os factos que o Tribunal “a quo” deu por provados e assentou a sua decisão, nada têm a ver com a conclusão, unicamente de direito, quanto à caducidade do direito de acção.

L – Não existe qualquer relação entre os factos dados como provados e constantes da motivação e a fundamentação da decisão jurídica.

M – A douta sentença padece de vício de insuficiência de factos para a tomada de decisão, verificando-se uma contradição insanável de fundamentação.

N – A douta sentença enferma assim de nulidade. Mais acresce: O – O Recorrente suscitou a inconstitucionalidade do artº 22º, nº 3 da Lei 37/06 de 09/08, porquanto a interpretação que o SEF fez da mesma viola o disposto no artº 266º, nº 2 da CRP e, designadamente, o princípio da proporcionalidade e da justiça, bem como o direito fundamental plasmado no artº 36º da CRP – o direito de viver em família.

P – As questões que versam sobre inconstitucionalidades são de conhecimento oficioso.

Q – O SEF indeferiu o pedido do Recorrente, decidindo pela restrição do seu direito de livre circulação e residência por razões de ordem pública e de segurança pública, alicerçada unicamente na condenação daquele pela prática de um crime em co-autoria material de tráfico de estupefacientes.

R – A referida restrição do direito de livre circulação e residência por razões de ordem pública e de segurança pública por parte do SEF bastou-se com a prática do referido crime em si, sustentada em motivos de carácter/prevenção geral, de forma genérica e abstrata, não atendendo a quaisquer factos pessoais do Recorrente.

S – Não se compreende que, até porque durante a marcha do processo administrativo solicitou ao Recorrente prova dos seus meios de subsistência, o SEF não fez, como lhe era exigível, um juízo ponderativo e valorativo da situação em concreto do mesmo, limitando-se, para efeitos decisórios, com a invocação da referida norma em abstrato.

T – Na douta sentença, o Tribunal considerou não estar em causa nulidades, nem a ilegalidade /inconstitucionalidade da norma invocada pelo Recorrente (Artº 22º, 3, Lei 37/06 de 09/08), nem a violação de direitos fundamentais, mas, outrossim, apenas perante o direito (ou não) à emissão do cartão de residência.

U – É, pois, aqui que o Tribunal incorre em flagrante lapso.

V – O pedido formulado pelo Recorrente junto do SEF não se reduz à simples emissão do cartão de residência, mas sim ao direito de viver em território nacional, em família, com a sua companheira, com quem vive há mais de 6 anos, sendo aquele apenas e tão só um meio instrumental para o exercício deste direito.

X – O direito de viver em família encontra consagração constitucional no artº 36º da C.R.P.

Z – Nos termos do artº 18º, nº 2 da C.R.P., a restrição de direitos deve limitar-se ao necessário para salvaguardar os outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

AA – Pelo que, em caso de eventual contenda de dois direitos constitucionais, a restrição de um deles em prol de outro tem que ser devidamente fundamentada e a inerente ponderação resultar de uma interpretação “ad casum”, o que o Tribunal “a quo” não fez.

AB – O SEF valeu-se de uma remissão geral e abstrata para um normativo de dignidade inferior para restringir ao Recorrente o direito de livre circulação e residência em território nacional.

AC – E, a douta sentença acolheu a mesma interpretação, ao invés de reconhecer, e como tal julgar, estar em causa uma interpretação restritiva de um direito constitucionalmente protegido.

AD – A douta sentença ao sufragar não estar em causa o tal “núcleo duro” do direito constitucional de viver em família, violou este e, nomeadamente, a Lei fundamental.

AE – A douta sentença incorre em manifesto lapso de qualificação jurídica, não se tendo verificado caducidade do direito de acção do Recorrente, porquanto a inconstitucionalidade invocada equivale a acto nulo (Artº 133, nº 2, al. d), CPA).

AF – A douta sentença, incorre ainda, e ao não conhecer da referida interpretação restritiva, em omissão de pronúncia.

AG – A douta sentença é, pois, nula.”.

*O Recorrido contra-alegou, concluindo: “1ª - O ora recorrente intentou acção administrativa da decisão de indeferimento do seu pedido de concessão de cartão de residência de familiar de cidadão da UE, proferida aos 13/08/2015 pela Directora Regional do Norte, com fundamento no disposto no artº 22º do citado diploma; 2ª - Por sentença datada de 27/10/2016, o Tribunal a quo decidiu que ocorria “(…) a caducidade do direito de acção, excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, e consequentemente, determinou a absolvição do R. da instância”; 3ª - Não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, o ora recorrente veio da mesma interpor recurso, com os fundamentos infra resumidos: - “ A prova da existência da união de facto com cidadão nacional há mais de dois anos confere (…) o estatuto de familiar de cidadão da União e, consequentemente, de imediato e automaticamente, o direito de residir em território nacional por mais de três meses (…); - (…) o SEF considerou existir restrição do direito de residência por razões de ordem pública e de segurança pública, nos termos do artº 22º (…) designada e unicamente pelo facto do Recorrente ter cometido um crime (…) de tráfico de estupefacientes e (…) ter sido condenado a uma pena de 05 (cinco) anos suspensa na sua execução (…); - (…) bastou-se com a prática do referido crime em si, de forma genérica e abstracta, não atendendo a quaisquer factos pessoais do Recorrente (…) bastando-se para efeitos decisórios com a invocação da referida norma em abstracto (…)”; - (…) o tribunal a quo apenas se limitou a considerar que os vícios imputados ao acto administrativo não são nulidades e que também não está em causa a ilegalidade/inconstitucionalidade da norma invocada (…) nem a violação dos direitos fundamentais invocados (…)”.

5ª - Os argumentos esgrimidos não merecem a nossa concordância, uma vez que a sentença interpretou correctamente os factos carreados para os autos, subsumindo-os nas normas legalmente aplicáveis; subscrevendo-se o respectivo teor, desde logo, os factos assentes, incluindo os agora sindicados no Recurso, resultando incompreensível o teor do nº 9 deste; 6ª - Afigura-se-nos curial que “o direito a viver em família”, a entender-se ser esse o facto primordial litigado, bem como as nulidades e inconstitucionalidades arguidas não podem integrar a matéria dada por assente, uma vez que não comportam juízos de natureza cognoscitiva, formulados sobre a ocorrência ou não de determinado acontecimento histórico ou sobre a identificação de uma concreta ocorrência da vida, prefigurando...

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