Acórdão nº 00201/17.2BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução17 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: CTV Recorrido: Município de Bragança Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou improcedente a supra identificada acção de contencioso pré-contratual, na qual era pedido, designadamente, a declaração de nulidade ou anulação dos despachos do Presidente da Câmara Municipal de Bragança, de 11-05-2017 e de 02-06-2017, pelos quais decidiu não haver lugar a adjudicação e decidiu revogar a decisão de contratar no âmbito do procedimento concursal de “Aquisição de serviços para a organização e realização da Festa da História 2017 ‘O Reinado de D. Afonso IV’”.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação [ Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.]: “1 – Em causa está um concurso público relativo à prestação de serviços de recriação histórica, sendo este o segundo ano em que a Recorrente se vê compelida a vir a juízo pedir justiça.

2 - O Tribunal a quo decide, sem grandes considerações e conclusivamente - ou seja, não se referindo aos concretos segmentos da factologia que deu como provada no referido ponto “3)” - que “(…) em bom rigor (…) ” não foram pedidos esclarecimentos, tendentes “(…) à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento.” 3 - Quanto a esta questão só isso decidiu.

4 - Olvidando-se que a Recorrente havia pedido, como se lê expressa, inequívoca e literalmente do seu requerimento, a retificação, que ademais qualificou e epigrafou como destinando-se à aferição de “erros e omissões detectados no Caderno de Encargos” e, sobretudo, não enfrentando a interpretação fáctico-jurídica constante dos números 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º 37.º e 38.º que a Recorrente levou a efeito no sentido de sustentar a sua posição.

5 - É inadmissível, o que se alega com o devido respeito e consideração, derrotar uma legítima interpretação jurídica dizendo-se - em nulidade no que à devida fundamentação das decisões jurisdicionais se refere como tal prevista no art. 615.º n.º 1 al. b) do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA - singelamente que “(…) em bom rigor (…) ” o cidadão não pediu aquilo que profusamente (do ponto de vista fáctico e dogmático) sustenta ter pedido na sua petição inicial! 6 - Não podendo, o que se alega desde já, o Tribunal Superior ser convocado a decidir complementarmente ele próprio aquilo que em primeira instância não foi decidido em sede própria (duplo grau de apreciação), extirpando-se assim um grau de jurisdição, em dois possíveis, à Recorrente, em agravadamente ilícita interpretação jurídica do art. 617.º do CPC que assim o possibilitaria, em violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no art. 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República (sopesando-se aqui também o teor do art. 205.º, n.º 1, desta lei fundamental) e no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

7 - Seja como for, reitera-se que o requerimento dado como provado no ponto “3)” da sentença, devia ter sido interpretado como requerimento tendente a pedir a retificação das peças do procedimento a que se refere o art. 64.º/2 do CCP, na medida em que: (a) a Recorrente epigrafou o seu requerimento como sendo relativo a “erros e omissões detectados no Caderno de Encargos” e os denominados erros no caderno de encargos estão previstos naquele normativo, sendo que, nos termos gerais de direito que nos escusam citação, essa qualificação (essa sua vontade real, ademais de convocar um determinado instituto jurídico como fundamento da sua pretensão), salvo situações excepcionais e que, como tal, devem ser manifestas ou devidamente justificadas (que não são e não foram), deve ter como consequência a prorrogação do prazo procedimental, que é o regime normal desses erros; (b) a Recorrente, com este sentido e efeitos, pediu ainda, inclusiva e expressamente, a rectificação das peças procedimentais, também prevista naquele art. 64.º do CCP (c) sobretudo, dando sempre como assente o que se alegou nos números 35.º e 37.º da pi. (que aliás constam do ponto “3)” da matéria factual), temos que, dirigindo-se os erros e omissões aos factores de adjudicação e modelos (escalas) de avaliação, os mesmos mais não são do que aqueles erros e omissões que a doutrina expressamente denomina como rectificações gerais ou propriamente ditas, reguladas que são pelos arts. 50º e 64º do CCP - esses são justamente aquelas que “têm por função corrigir os erros (alterando ou eliminando algo) ou suprir as omissões de que elas (as peças do procedimento) padeçam (inserindo aí algo de novo, portanto)” – cfr. Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Coimbra, Almedina, 2011, p. 315.

(d) interpretação material essa que a administração inclusivamente já havia levado a efeito quanto ao requerimento do dia 10, decidido que foi no mesmo dia deste que aqui nos ocupa, o que faz com que o comportamento censurado, sobretudo porque levou à rejeição, à extinção do concurso e à adjudicação directa, seja um comportamento sob suspeita aparente (dimensão perigo) no que à imparcialidade diz respeito – cfr., respectivamente, docs. n.ºs 8 e 2, constantes do pa. a fls.… (e) aliás, aquele mesmo autor na p. 317 da obra que se vem de citar recomenda mesmo à administração, neste tipo de pedidos relativos a situações de alterações fundamentais das peças processuais, a prorrogação do prazo concursal.

8 - É assim, passado o momento de nulidade, evidente o erro cometido na sentença, uma vez que o requerimento em causa, visando alterações fundamentais ao programa e ao caderno concursais, devia ter beneficiado do regime constante do art. 64.º/2 do CCP, tendo tal como efeito a ilegalidade das decisões impugnadas.

9 - De acordo com a leitura que fizemos da situação de facto, desdobramos a petição inicial sob duas autónomas causas de pedir – uma, de natureza material, sustentando assim que estávamos perante a denúncia de erros que implicavam alterações essências ao programa e ao caderno concursais, e outra, de natureza formal, em que sustentávamos que estava vedado à administração qualificar os requerimentos feitos pelos particulares de forma distinta daquela pela qual eles pelejaram, ademais com consequências capitais para os mesmos.

10 - Ora, mais uma vez, sobre esta questão não se lê nada na sentença, nem mesmo a simples e singela referência a que esta matéria constante da petição inicial se deveria ter, por alguma forma, como prejudicada, sendo assim que outra hipótese não vemos senão a de sustentar, uma vez mais, a nulidade a que se refere o art. 615.º, n.º 1, ali. d) do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA.

11 - O que se entende assim é que a sentença sempre teria errado de fundo, porquanto, por força do princípio da concorrência, por força do princípio do interesse público e da vontade real declarada, logo que um concorrente faça, em tempo, uma acertada ou desacertada denúncia de erros e omissões, a administração tem o dever de prorrogar, salvo situações limite de abuso de direito, o prazo de apresentação da proposta, sob pena da violação dos sobreditos princípios a que se juntam os princípios da autonomia da vontade e da prevalência da vontade real do declarante, este ínsito no número 237.º do CC.

12 - Aliás, qualquer entendimento que fosse de molde a defender interpretação diversa, mormente o estatuído nos arts. 50.º, 61.º e 64.º do CCP, sempre violaria o princípio da liberdade e da iniciativa privada, consagrados nos números 26.º n.º 1 e 61.º da Constituição, bem como o princípio da proporcionalidade consagrado no art. 266.º, n.º 2 desta lei fundamental.

13 - Quanto às restantes razões que ditaram o improvimento da acção, supra elencadas, ou as mesmas são irrelevantes ou espúrias pelas razões referidas no texto ou (referindo-nos à única que poderia ter algum sentido, precisamente a circunstância de a ora recorrente nunca ter pedido a prorrogação) são, até sopesando que não é normal o pedido de prorrogação, manifestamente erradas, por violação do estatuído nos arts. 50.º, 61.º e 64.º do CCP, posto que a prorrogação dos prazos procedimentais é, como é regra, oficiosa, como é perfeitamente pacífico, não se tendo mesmo conhecimento de que alguém tenha sustentado o contrário – cfr. Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Coimbra, Almedina, 2011, p. 317.

14 – Razões pelas quais o presente recurso deve ser provido.

Termos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida, com todas as consequências legais.”.

*O Recorrido não contra-alegou.

*O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA.

*De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas [ Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, nas quais deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.] e a decidir [ Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.], se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece das arguidas nulidades e de erro...

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