Acórdão nº 01543/16.0BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução15 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*I – RELATÓRIO NACF interpôs recurso da decisão do TAF de Penafiel que julgou improcedente a acção administrativa especial proposta contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (FGS), visando a anulação do despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do FGS que indeferiu o pedido da A. para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho apresentado em 19.06.15, por não ter sido apresentado no prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, e a condenação do FGS a proferir um novo acto, deferindo o pedido.

*Em alegações, a Recorrente concluiu: “48.

A Autora, ora recorrente, apresentou nos presentes autos os pedidos de declaração de nulidade ou a anulação do acto administrativo proferido pelo Presidente do Conselho de gestão do Fundo de Garantia Salarial em 16 de Agosto de 2016, que indeferiu o pedido de pagamento apresentado pela Autora ao Fundo de Garantia Salarial, e a condenação da Ré ao pagamento das quantias peticionadas no Requerimento apresentado ao Fundo de Garantia Salarial; 49.

O Tribunal a quo entendeu que eram relevantes para a prolação da decisão considerarem-se como provados os factos constantes das Alíneas A a G da douta sentença.

  1. Ficou totalmente demonstrado por documentos, através de carta de resolução do contrato de trabalho, comprovativo da entrada em juízo da Ação Laboral e comprovativo de sentença homologatória proferida naqueles autos que, ao abrigo da Lei 35/2014, de 29 de Julho, a recorrente dispunha até ao dia 10 de Agosto de 2015 para apresentar, tempestivamente, o requerimento ao Fundo de Garantia Salarial para pagamento de créditos resultantes pela cessação do contrato de trabalho.

  2. Devendo o Tribunal a quem considerar provado que ao abrigo do artigo 319.º n.º 3 do Código do Trabalho a Autora dispunha até ao dia 10 de Agosto de 2015, para apresentar o Requerimento ao FGS.

  3. A sentença proferida pelo Tribunal a quo começou, por considerar que "no artigo 2º n.º 8 do NRFGS não se prevê um prazo de prescrição ou de caducidade mas sim um novo pressuposto legal a cuja observância ficam sujeitos todos os créditos reclamados ao FGS através de requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho apresentados após a entrada do NRFGS, sob pena de, caso tal pressuposto não se verifique, os créditos reclamados ao FGS não podem ser considerados como créditos abrangidos pelo NRFGS e, dessa forma, não podem ser assegurados pelo mesmo.

    Refere ainda o mesmo aresto que: "Note-se que contrapondo o referido art. 2º n.º 8 do NRFGS ao art 337.º do CT verifica-se que enquanto aquele preceito legal prevê um novo pressuposto legal este último preceito prevê um prazo prescricional e não um pressuposto legal, pelo que no nosso entender por não se tratar de um prazo de prescrição (ou de caducidade) mas sim de novo pressuposto legal de cujo preenchimento depende o reconhecimento dos créditos requeridos pelos trabalhadores ao FGS como estando abrangidos ou não ao caso não é aplicável o disposto no artigo 297.º ou 323.º do Código Civil.".

  4. Seguidamente considerou ainda a sentença proferida pelo tribunal a quo que: relativamente à alegada violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica, diga-se que não se acompanha a alegação da Autora... " 54.

    Determinando a improcedência, por não provada, da ação administrativa, absolvendo a ED do pedido.

  5. A recorrente entendeu que o acto administrativo estava ferido de ilegalidade, no essencial, por atentar contra as normas que regem a alteração de Leis sobre prazos, bem como os princípios estruturantes da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança.

  6. Alegou a recorrente que ao abrigo da Lei em vigor à data em que se constitui a sua possibilidade de recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, dispunha até ao dia 10 de Agosto de 2015 para proceder à apresentação do requerimento ao FGS.

  7. Que, a 04 de Maio de 2015, entrou em vigor uma nova "lei" que alterou aquele prazo e a impediu imediata e totalmente de recorrer ao FGS.

  8. Que a aplicação do NRFGS ao caso concreto da recorrente deve respeitar as regras que regem a sucessão de lei sobre prazos no tempo.

  9. O tribunal a quo entendeu que a regra prevista na nova Lei (DL. 59/2015), mais concretamente no art. 2º n.º 8, não constitui um prazo, mas sim um pressuposto legal e que, por isso, não há que aplicar ao caso concreto o artigo 297.º do Código Civil.

  10. Entende o Tribunal a quo que o artigo 2º n.º 8 do NRFGS prevê um novo pressuposto legal para o acesso ao FGS, ao passo que o artigo 337.º do CT (tratando-se claramente de um erro de escrita, pois certamente pretendia referir 319.º do CT), prevê um prazo prescricional, utilizando para o efeito o argumento de que a epígrafe do art. 2.º n.º 8 do NRFGS é a de "Créditos Abrangidos" 61.

    Sucede que, esse argumento não pode ser atendido pois a epígrafe daquele artigo 319.º do CT é precisamente igual "Créditos Abrangidos".

  11. Pelo que, ao tentar qualificar a natureza do art. 2.º n.º 8 do NRFGS pela epígrafe do artigo, deveria o tribunal a quo concluir que se trata de um prazo, pois a epígrafe do art do CT é exatamente igual àquela.

  12. De acordo com o dicionário da Língua Portuguesa "Prazo" consiste em "tempo determinado para a realização de alguma coisa”.

  13. Assim, ao referir que "O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho” significa que o art. 2.º n.º 8 do NRFGS prevê um tempo determinado (um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho), para a realização de alguma coisa (apresentação do requerimento ao FGS), constituindo um verdadeiro prazo.

  14. E uma vez que o artigo art. 2.º n.º 8 do NFGS revogou um prazo anteriormente em vigor e aplicável ao caso concreto dos autos, deveria o Fundo de Garantia Salarial, na emissão do acto administrativo em crise, ter em conta as normas que regem a sucessão de leis sobre prazos no tempo.

  15. E ao aplicar ao caso concreto o artigo 297.º do Código Civil, deverá considerar-se que a recorrente poderia apresentar o requerimento até 10 de Agosto de 2015.

  16. E, consequentemente, tendo apresentado o requerimento em 19 de Junho de 2015, deve considerar-se que o mesmo foi apresentado dentro do prazo legalmente fixado. Isto posto, 68.

    Entende o Tribunal a quo que o acto administrativo em crise, pela forma como se manifesta na esfera jurídica da recorrente, não viola os princípios da Segurança Jurídica e da Proteção da confiança.

  17. Pois bem, a Autora quando se constitui na possibilidade e criou a expetativa de recorrer ao FGS, aplicava-se a Lei 35/2004 (Código Trabalho).

  18. Nos termos do artigo 319.º do CT, e tendo a interrupção da prescrição dos créditos salariais com a citação da entidade patronal para a ação laboral e a sentença homologatória proferida naquela ação, o prazo para a recorrente apresentar requerimento ao FGS terminava em 10 de Agosto de 2015.

  19. Assim, a recorrente criou a legítima expetativa de que poderia até ao dia 10 de Agosto de 2015 proceder à entrega do requerimento ao FGS.

  20. A recorrente orientou todos os actos a levar a cabo para a entrega do requerimento ao FGS tendo como referência o dia 10 de Agosto de 2015 como limite.

  21. A recorrente procedeu à entrega do requerimento a 19 de Junho de 2015, quase dois meses antes do término do prazo para a entrega do requerimento.

  22. Porém, a 04 de Maio de 2015, entrou em vigor o NRFGS que, segundo as suas novas regras, impediu totalmente a recorrente de aceder ao pagamento por parte do FGS.

  23. O que consubstanciou uma alteração absolutamente imprevisível e altamente prejudicial para a recorrente.

  24. Com a entrada em vigor do novo NRFGS, a recorrente viu a legítima expetativa, que criou de receber os seus créditos salariais do FGS, totalmente frustrada.

  25. Ou seja, em 3 de Maio de 2015 a Recorrente dispunha até ao dia 10 de Agosto de 2015 para apresentar o requerimento ao FGS e no dia 4 de Maio do mesmo ano com a entrada em vigor do NRFGS, a recorrente perdeu totalmente essa possibilidade.

  26. Isto porque, a entrada em vigor do NRFGS constituiu uma alteração substancial no ordenamento jurídico e consequentemente defraudou totalmente a expetativa criada pela recorrente ao abrigo do regime jurídico anterior.

  27. Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança são elementos constitutivos do Estado de direito.

  28. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar que aos- seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico, designadamente, quando estejam em causa a calculabilidade e previsibilidade da situação jurídica do indivíduo perante modificações do ordenamento jurídico.

    São apontadas como refracções mais importantes deste princípio as seguintes: a) relativamente aos actos normativos, a proibição de normas retroactivas restritivas de direitos e interesses juridicamente protegidos; b) relativamente a actos jurisdicionais, a inalterabilidade do caso julgado; c) em relação a actos da administração, a tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos.

  29. O princípio da confiança na previsibilidade das soluções visa a protecção da confiança, dos cidadãos e da comunidade, na ordem jurídica de tal forma que alterações na lei hão-de ter em conta direitos adquiridos, expectativas criadas, situações jurídicas estabilizadas que justifiquem o sacrifício da aplicação imediata da nova lei. Mas isso não pode colidir, ou seja, inviabilizar alterações na ordem jurídica impostas pelas novas condições de vida em...

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