Acórdão nº 00011-A/97 de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução15 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrentes: VMSC e outros; Município de Oliveira de Azeméis.

Recorridos: JJM e outros; Município de Oliveira de Azeméis.

Vêm interpostos recursos das decisões do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 11-02-2013, proferida ao abrigo do disposto no artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, e de 25-03-2013, proferida ao abrigo do disposto no artigo 9º, nº 2, do mesmo diploma legal, pela primeira das quais foi decidido que o acórdão do STA anulatório de acto de licenciamento de construção de obra particular não se encontra executado e que não existe causa legítima de inexecução, e pela segunda das quais foi decidido declarar nulo o acto pelo qual foi concedida licença de utilização ao prédio em causa nos autos e a deliberação da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, de 11 de Julho de 2000 (que deliberou que o projecto em causa não excede a área de construção, de pisos, nem de apartamentos, nem o uso habitacional constantes e deferiu o pedido de licenciamento), e julgar procedente o pedido executivo e, transcreve-se, “devendo a entidade executada, no prazo de 36 meses a contar da notificação da presente decisão, com vista à integral execução da sentença proferida nos autos de recurso contencioso de anulação nº 11/97, proceder à integral demolição do prédio em causa nos autos”.

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigo 690º do CPC/1961, aqui aplicável), nos seguintes termos: A — Recursos interpostos da decisão de 11-02-2013: A1 — Por VMSC e outros: “

  1. O Tribunal “a quo” decidiu mal quando julgou não ter havido falta de citação dos ora Recorrentes para a ação declarativa; B) Os Contra-Interessados nunca foram citados para litigar e participar no processo declarativo, isto é, no processo de recurso contencioso.

  2. Os Contra-Interessados habitam as fracções do prédio cujo eventual prosseguimento da execução poderá implicar a sua demolição, sendo que o edifício é constituído por um bloco destinado a habitação colectiva com cave para aparcamento, rés-do-chão e 1º e 2º andares e em cada piso existem três fracções autónomas destinadas a habitação, num total de 9 fracções.

  3. Todas as fracções estão ocupadas pelos ora Recorrentes (Contra-Interessados).

  4. Pelo que, os Contra-Interessados deveriam ter sido citados para participar num processo que estavam directamente ligados e em que a decisão os afectava num direito fundamental e constitucional – Direito à propriedade e à habitação.

  5. No actual Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é estabelecido no artigo 57º que “Para além da entidade autora do acto impugnado, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legitimo interesse na manutenção do acto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”.

  6. Ora, resultavam do Código de Procedimento Administrativo (DL n.º 442/91 de 15 de Novembro) vários princípios que tinham que ser salvaguardados e que não foram, designadamente o Princípio da Prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (art. 4º), o Princípio da Igualdade e da Proporcionalidade (art. 5º), o Princípio da Justiça e da Imparcialidade (art. 6º), o Principio da Boa-Fé (art.6º-A), o Princípio da Colaboração da Administração com os particulares (art. 7º), o Princípio da Participação (art. 8º) e o Princípio do Acesso à Justiça (art. 12º).

  7. E, ainda o Princípio Constitucionalmente consagrado que refere que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos...” (art. 20º da Constituição da República Portuguesa.) I) Assim, ao não se chamar os proprietários das fracções do edifício, ao processo de anulação do acto administrativo, em que aqueles eram os principais lesados, violaram-se direitos e garantias daqueles cidadãos.

  8. Estes Contra-Interessados encontravam-se numa posição processual similar à Administração, pois com a eventual anulação da licença, seriam directamente afectados, pelo que deveriam ter sido chamados a defender os seus interesses perante um terceiro.

  9. Aliás, como resulta do art. 3º do Código de Processo Civil, “O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório...”.

  10. Pelo que, houve falta de citação, o que vicia todo o processado, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância.

  11. O Direito de defesa dos Contra-Interessados deve estar sempre assegurado em qualquer fase do processo, e no caso em concreto, por os Contra-Interessados não terem sido chamados ao processo principal (recurso contencioso) não ficou o mesmo assegurado.

  12. E, ao contrário do decidido na douta sentença de que se recorre, o desajustamento processual que existir deve ser suprido oficiosamente, pelo juiz nos termos do disposto no art. 265º-A do CPC – princípio da adequação formal.

  13. Assim, competia ao titular do processo de recurso contencioso que procedesse ao chamamento necessário dos contra-interessados (directamente afectados com a decisão a tomar).

  14. Também andou mal o Tribunal “a quo” quando considerou não existir causa legítima de inexecução de sentença.

  15. Os Recorrentes adquiriram e fizeram das fracções que compõem o edifício a demolir, as suas habitações, as suas moradas de família.

  16. Construíram os seus núcleos familiares nas ditas fracções, e aí desenvolveram as suas relações sociais, económicas e culturais, o centro das suas vidas era e é as suas habitações, sendo ali que dormem, convivem e que fazem as suas refeições.

  17. Foi ali que durante mais de dez anos viveram e criaram os seus filhos, aliás alguns destes Contra-interessados vivem naquele prédio há 16 anos, tendo criado ali as suas raízes familiares e sócio-culturais.

  18. Assim, o prosseguimento da presente execução e consequente demolição provocará em 9 (nove) famílias, um rasto de dor, sofrimento, angústia e desespero.

  19. Os Contra-Interessados criaram uma ligação “familiar e afectiva” com as suas propriedades, que jamais imaginaram perderem.

  20. Os Contra-Interessados estão em crer que isto é apenas um “pesadelo”, do qual querem rapidamente “acordar”, para poder voltar a adormecer no sossego dos seus lares.

  21. Ora, a sociedade e o estado têm o dever constitucional de zelar por estas famílias, e garantir pela permanência daquelas nas suas habitações, de forma que possam alcançar ou manter a realização pessoal dos seus membros.

    A

  22. Consequentemente, devem obstar a que o prédio em causa nos autos seja demolido, e os nove agregados familiares permaneçam e continuem a habitar as fracções que compõem o prédio.

    AB) A execução de sentença acarretará mais prejuízos do que benefícios, provocando mais desespero, sofrimento e dor do que a sua não execução.

    AC) Nos termos do n.º 2 do artigo 6º do L n.º 276-A/77 de 17 de Junho, é causa legítima de inexecução de sentença o grave prejuízo que a sua execução acarretará.

    AD) Os ora Recorrentes juntaram aos autos o doc. 1 – Relação dos locais das profissões e ocupações dos Contra-Interessados (e respectivos agregados familiares (filhos), onde se demonstra a proximidade dos locais de trabalho e das ocupações dos Recorrentes e agregados familiares – pelo que, a mudança de residência irá provocar uma série de rupturas profissionais, sociais e culturais e até desportivas.

    AE) Os Contra-interessados, nesta fase não sabem quantificar o prejuízo patrimonial e não patrimonial de uma mudança radical (se fosse o caso), mas sabem que seria uma deslocação penosa e dolorosa – como seria para um homem médio colocado naquela posição.

    AF) Importa agora considerar e ponderar se o interesse público no cumprimento da sentença e da realização da justiça, é maior do que o interesse público-privado em salvaguardar e preservar nove agregados familiares.

    AG) Com a execução de sentença pretende-se realizar a justiça e reparar o que estava mal, “sancionando” os Executados, no entanto e por outro lado, ao realizar essa JUSTIÇA está-se a cometer UMA ENORME INJUSTIÇA E ATROCIDADE para com aquelas famílias, que não têm, nem nunca tiveram qualquer responsabilidade pelo sucedido.

    AH) Vejamos, o que acontecerá aos Contra-Interessados se a execução prosseguir para a demolição do prédio: ■ Aquelas nove famílias irão ver os seus lares destruídos, reduzidos a pó e entulho.

    ■ Terão que ser realojados, tendo que ir para outro local, com certeza longe daquele em que agora habitam.

    ■ Mudança de local, implicará mudança de hábitos e costumes, sendo certo que tamanhas mudanças causarão profundo desgosto e dor.

    ■ Os vizinhos do costume irão desaparecer, assim como o convívio e amizade de vários anos.

    ■ Aquele dono da “mercearia que ficava ali ao pé”, com quem já existia uma ligação mais do que apenas comercial, deixará de existir.

    ■ Os filhos dos Contra-interessados, poderão ser forçados a mudar de escola, perdendo hábitos e estabilidade educacional e social sempre importantes em idades mais pequenas; ■ Também já não poderão jogar a “bola” com os vizinhos e amigos habituais – imaginemos o desgosto que essas crianças passarão.

    ■ E, imaginando que, os Contra-Interessados não iriam em conjunto para outro prédio, esse desmembramento seria também bastante penoso, pois entre estes condóminos existe uma relação de grande amizade e de excelente entendimento, em que todos se dão bem e todos zelam pela boa conservação do dito prédio.

    ■ A dita mudança provocará ainda incómodos e transtornos no que refere ao Emprego dos Contra-Interessados que, há largos anos têm uma rotina definida e estável, e que será claramente abalada com essa mudança.

    ■ A aquisição de uma casa é feita tendo em conta vários factores, entre eles o local de emprego, a escola dos...

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