Acórdão nº 02739/15.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução15 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*PACSC veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença de 22.05.2017 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa especial que intentou contra o Município do Porto para anulação do acto do Réu que lhe aplicou a pena de demissão, bem como para que este seja condenado no pagamento da quantia de 400,15 euros a título de remuneração devida à Autora e que esta deixou de auferir por força do acto impugnado e de 500 euros a título de danos não patrimoniais; se assim não se entender, pediu que lhe seja aplicada pena menos grave do que a de demissão, por força da verificação de circunstâncias atenuantes e da sua culpa reduzida.

*Invocou para tanto e em síntese que: decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto, por deficiência e por ter dado como não provado factos que deveria ser dado como provado; errou igualmente, defende, no enquadramento jurídico artigos 3.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, 18.º e 22.º, al. a), do Estatuto Disciplinar, bem como o artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que devem baixar os autos para apuramento de matéria de facto relevante invocada no articulado inicial ou a sentença ser a sentença revogada quanto a parte da matéria de facto dada como não provada e ser substituída por outra que declare ilícita a pena demissão que lhe foi aplicada, sendo o Município demandado condenado no que é peticionado no articulado inicial.

*O Município recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da sentença recorrida.

*O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer, também no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1) A decisão ora impugnada foi tomada com preterição da produção da prova testemunhal, ao abrigo do artigo 91.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (na redacção anterior ao Decreto-Lei 214-G/2015 (aplicável aos presentes autos).

2) Deste modo, a motivação quanto à matéria de facto baseou-se apenas nos processos disciplinares movidos pelo Apelado contra a Apelante (processos D/03/14 e D/12/14, mais tarde apensados num único processo), na prova documental junta aos autos, e dos autos de procedimento cautelar 2031/15.7 PRT, instaurado como preliminar à presente acção.

3) O mecanismo da preterição da produção de prova, fundado nos princípios da economia e celeridade processual, não pode contudo de forma alguma colidir com os princípios fundamentais do contraditório e do direito ao processo justo e equitativo, nos termos do artigo 3.º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e doravante referido como Código de Processo Civil), e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

4) Muito menos pode redundar numa sentença com parca ou insuficiente fundamentação, em violação do disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e 607.º do Código de Processo Civil, ex vi art. 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; tal falta de fundamentação torna a referida sentença sindicável em sede de recurso, podendo o Tribunal ad quem mesmo oficiosamente ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo com a finalidade de proceder à ampliação dessa mesma matéria, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º Código de Processo nos Tribunais Administrativos – cf. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03.02.2009, citado nas alegações supra.

5) Pois que uma sentença que afaste a possibilidade de produzir prova por entender que não existem factos controvertidos, carecerá de especial atenção e cuidado no atinente à respectiva fundamentação.

6) Se é certo que não aos presentes autos não se aplica o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, uma vez que tem sido entendimento pacífico da doutrina que só a ausência total de fundamentação gera aquela nulidade, a verdade é que a sentença insuficientemente fundada vê o seu valor doutrinal afectado e pode ser revogada ou alterada em recurso – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06.11.2012, citado nas alegações supra.

7) O facto é que a matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal, assente meramente na prova documental junta aos autos e nos elementos do processo disciplinar previamente instaurado, se revela insuficiente e incompleta, devendo assim o Tribunal ad quem ordenar a descida dos presentes autos ao Tribunal a quo a fim de esclarecer e completar a matéria de facto, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, ex vi art. 1.º Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

8) Isto porque sustenta a sentença recorrida, assente em jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, que não cabe ao Tribunal voltar a apreciar a prova e substituir-se à decisão factual da Administração Pública, uma vez que o poder disciplinar a esta pertence e não poderá o Tribunal invadir tal poder; à entidade judicial caberia assim apenas verificar se existiu erro grosseiro na aplicação do direito ou da avaliação da prova, ou violação de normas de competência, ou casos de abuso e desvio de poder.

9) Contudo, tal interpretação não pode de forma alguma afastar o estabelecimento e consideração dos factos atinentes ao ilícito disciplinar imputado ao trabalhador, nem aqueles que este apresente para sua defesa.

10) In casu, não resulta da matéria de facto provada mais do que uma explicitação do modo de serviço de facturação da Águas do Porto, da carreira da Apelante no seio daquela empresa municipal, uma narração das várias diligências efectuadas por aquela entidade em sede de procedimento disciplinar, e um sumário das medidas aplicadas à Apelante.

11) Não explicita o Tribunal recorrido, afinal, quais foram os factos imputados à Apelante (transcrevendo apenas a decisão final e a sua proposta de condenação constante do procedimento disciplinar) que fundamentam a decisão de direito que vem depois a tomar, para além de umas vagas referências nos factos provados 19) e 29) a umas quantias de que a Apelante se terá apropriado e de os valores da caixa da Apelante em determinadas datas serem de zero.

12) É certo que a sentença impugnada refere, na fundamentação jurídica, as razões pelas quais foi aplicada a pena de demissão à Apelante, afirmando que tais razões consubstanciam violação do dever de isenção previsto no artigo 3.º, n.º 2, al. b) do ED e que tal arrazoado se extrai “da factualidade provada”.

13) Não se vê como tais postulados se possam extrair da factualidade provada, que mais não é que um resumo histórico das várias fases processuais do litígio trazido a juízo.

14) Para efeitos de demonstração da violação do dever de isenção da parte da Apelante, seria necessário que estivesse dada como provada a apropriação de quantias da parte da Apelante, de forma indevida, assim se preenchendo o requisito da al. b) do n.º 2 do art. 3.º do ED; 15) E como provados também deveriam estar os factos que consubstanciassem o nexo de causalidade entre as condutas da Apelante, ao recorrer a créditos pré-existentes para lançar contra débitos de outros clientes, e a apropriação das referidas quantias, o que não consta também da factualidade dada como provada pela sentença recorrida.

16) Por outro lado, nos artigos 33.º a 57.º da petição inicial identificam-se e alegam-se factos relativos à actuação da Apelante, nomeadamente explicando-se como esta e outros colegas recorriam a créditos existentes e não reclamados de determinados clientes para compensar dívidas, principalmente a nível de juros de mora e outras penalizações, a clientes não relacionados com os referidos créditos.

17) Também se refere como era frequente existirem erros no sistema informático, relativamente à facturação, sendo que por vezes não se indicava determinada factura por liquidar a um cliente, e este se via repentinamente confrontado com penalizações devido ao desconhecimento da dívida, o que justificava o recurso ao expediente supra indicado.

18) Assim se argumentando e explicando a existência de “zeros” em caixa da parte da Apelante, e o facto de os clientes inquiridos em sede de processo disciplinar não terem recebido qualquer quantia nem preenchido a denominada “confirmação de recebimento”, sendo que porém também a Apelante não se apoderou dos mesmos.

19) Assim, entende a Apelante que na fundamentação de facto postulada pelo Tribunal recorrido deveriam constar todos os factos atinentes à sua conduta alegadamente culposa e violadora do seu dever de isenção, bem como todos aqueles que deduz agora na sua defesa, tendentes a demonstrar a inexistência de violação daquele dever, inexistência essa que tornaria necessariamente inválida a decisão de despedimento do Apelado.

20) Por outro lado, considerou o Tribunal recorrido que era insuficiente a ausência de anteriores sanções disciplinares e as classificações de serviço da Apelante para justificar a existência da circunstância atenuante prevista no artigo 22.º, al. a) do Estatuto Disciplinar, citando jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul no sentido de exigir que o funcionário alvo de procedimento disciplinar possa ser considerado um modelo para os restantes funcionários, pressupondo uma qualidade superior aos restantes colegas.

21) Também aqui a Apelante alegou factos (artigos 61.º a 64.º, 68.º a 70.º, e 102.º da petição inicial) tendentes a demonstrar que, para além da ausência de anteriores sanções disciplinares e boas avaliações de serviço (que vieram a ser dadas como provadas nos factos 30) e 31)), era uma funcionária exemplar, à qual as colegas pediam frequentemente ajuda pela sua experiência na área da facturação e disponibilidade, capaz de atender o dobrou ou...

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