Acórdão nº 01291/14.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 27 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO 1.1.
A.
, com os demais sinais nos autos, propôs a presente ação administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra a A., S.A.
, pedindo a condenação desta Ré no pagamento, a título de danos patrimoniais, da quantia de € 9.397,62 em virtude da reparação da viatura, da quantia de €1.050,00 em virtude do parqueamento do veículo e da quantia de € 1.890,00 em virtude da privação do uso do veículo, num total de € 12.337,62 EUR, acrescida de juros à taxa legal, a partir da citação e até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, em síntese, que em 01.06.2014 na autoestrada A29 concessionada à Ré, ocorreu um acidente de viação que envolvia um veículo da sua propriedade, do qual resultaram os danos peticionados, pelos quais a Ré deve ser responsabilizada, atentos os deveres que sob si impendem enquanto concessionária da A29, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, acidente que se ficou a dever ao súbito aparecimento de uma raposa.
*1.2.
Citada, a Ré contestou e requereu a intervenção principal provocada da sociedade seguradora Companhia de Seguros (...), S.A.
Em sede de defesa por impugnação invocou, em síntese, que na A29 existem vários nós de entrada e saída que não são fechados, não lhe sendo exigível a respetiva vigilância.
Alegou que as vedações cumpriam integralmente os requisitos exigidos pelo concedente e que enquanto concessionária cumpriu todas as suas obrigações de vigilância e conservação da estrada, não lhe podendo ser assacada nenhuma responsabilidade na ocorrência do acidente, pelo que deve a ação ser julgada improcedente.
*1.3.
Por despacho de fls. 51 do processo (suporte físico) a intervenção principal provocada foi admitida, tendo a Interveniente apresentado a contestação a fls. 58 e ss.
*1.4.
Realizou-se a audiência prévia, em que se proferiu despacho saneador e fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova.
*1.5.
Realizou-se a audiência de julgamento.
*1.6.
Determinou-se o prosseguimento da instância contra a sociedade “Seguradoras (...), S.A.”, em consequência de operação de fusão que envolveu a sociedade originariamente Autora.
*1.7.
O TAF de Aveiro proferiu sentença que julgou a ação parcialmente procedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório: «Em face do exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação, em que é Autora A., Ré a A., S.A., e Interveniente Principal a Seguradoras (...), S.A.
, e consequentemente: a) Condeno a Ré e a Interveniente Principal, deduzida a competente franquia, a pagar à Autora a quantia de 5.922,59 EUR (cinco mil novecentos e vinte e dois euros e cinquenta e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora devidos à taxa legal desde a citação até integral pagamento; b) Absolvo a Ré e a Interveniente Principal do demais peticionado.
Custas pela Ré e pela Interveniente, por um lado, solidariamente, e pela Autora, por outro, na proporção dos respetivos decaimentos, que desde já se fixam em 48% e 52%.
Registe e notifique.» 1.8.
Inconformada com o assim decidido, a Interveniente Principal interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida, apresentando as seguintes conclusões: «I.
Entende a recorrente que o Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida (particularmente aquela produzida pela A.), incorrendo em claro erro de apreciação da prova no que se refere aos números 3, 4 e 13 dos factos provados; II.
Com efeito, e em primeiro lugar quanto aos nºs. 3 e 4 dos factos provados, são perfeitamente visíveis (e ademais inconciliáveis) as contradições entre as testemunhas M. (condutor e filho da A.) e A. (supostamente um utilizador da AE que — disse — assistiu a tudo), quer quanto ao movimento feito pelo animal que a A. diz ter sido a causa do sinistro (um — M. — diz que da esquerda para a direita, o outro — A. — da direita para a esquerda), quer quanto à circunstância de ter ocorrido ou não colisão com esse animal (um — M. — diz que sim, o outro — A. — que não), quer ainda quanto ao momento em que a testemunha A. abandonou o local (um — M. — refere que a testemunha A. só abandonou o local quando chegou a assistência da R., cerca de 10 minutos depois do sucedido, o outro — A. — assegura que abandonou o local antes de chegar quem quer que fosse, i. e., e na sua versão, deixando sozinho, em local não iluminado, o condutor por quem tinha parado para alegadamente lhe prestar auxílio); III.
Além disso, a normalidade do acontecer e a experiência comum, permitiam/permitem recusar a bondade/validade da “razão de ciência” atrapalhadamente invocada pela testemunha A. para “justificar” o seu rápido (apenas cerca de 10 minutos depois de ali ter alegadamente chegado) desaparecimento do local, tanto no que concerne ao abandono propriamente dito e ao timing em que este ocorreu, como no que diz respeito à “desistência” do alegado (e pouco claro, diga-se também) “plano” que disse ter e que, supostamente, o colocava naquela estrada, naquele dia (1 de Junho de 2014, um domingo), àquela hora (23 horas); IV.
Aliás, e ainda a propósito da credibilidade (melhor: da falta dela) desse depoimento, se importa fazer a justiça de reconhecer que a sentença andou bem quando rotulou de “facto altamente improvável” a circunstância de a referida testemunha ter afirmado “(...) que ouviu a raposa a estrebuchar nos arbustos (...)”, também deve ficar, do mesmo passo (e com a mesma legitimidade), a interrogação por que não o fez identicamente quanto ao restante depoimento desta testemunha (i. e., por que não se interrogou que mais partes — ou todas - desse depoimento teriam sido “romanceadas”, considerando, p. ex., a “razão de ciência” invocada para se encontrar naquele lugar, naquele dia e àquela hora); V.
De modo que a única resposta possível e consentânea com a prova produzida pela A. (não esquecer também que a total falta de credibilidade deste depoimento de A. também contribuiu muito decisivamente — mas não só ele — para abalar a credibilidade do depoimento do filho da A. e condutor, natural e nitidamente interessado num desfecho favorável da acção) ao nº 3 dos factos provados é a negativa (não provado) e quanto ao nº 4 dos factos provados a única resposta também consentânea com a prova produzida pela A. é, na opinião da R., a seguinte: - O veículo FO circulava na auto-estrada A29, no sentido Sul — Norte, quando ao Km 18,175 o condutor perdeu o controlo do veículo que se despistou e foi embater no rail de protecção da via existente do lado direito; VI.
No que tange ao nº 13 dos factos provados, é também evidente que andou mal o Tribunal a quo quando decidiu dar como provada tal matéria, pois que é evidente (até das declarações do condutor/filho da A. que, evidentemente, sendo desfavoráveis aos seus, também de certo modo, próprios interesses, devem — diz-nos também a experiência comum — ser mais valorizadas) que o valor da factura e dos danos, coincidente, aliás, com o valor da condenação da R., contempla danos que nada têm que ver com o acidente (e que nada têm que ver com o ponto nº 12 dos factos provados); VII.
Assim, aquele ponto nº 13 dos factos provados, de harmonia com a prova produzida (e não produzida) pela A., deve merecer a seguinte resposta: - A reparação dos danos referidos em 12 foi suportada pela Autora e teve um custo não concretamente apurado (ou que não foi possível apurar).
Posto isto, VIII.
Decorrendo da primeira parte deste recurso que logo a razão inicial de discordância da R. com a sentença é a circunstância de se ter entendido que o sinistro se fica a dever à presença de um animal (raposa) na via, não é menos verdade que a R. continua a discordar da decisão, ainda que se tenha como bom e certo esse facto/entendimento; IX.
Na verdade, a sentença tratou este acidente tal como outro qualquer em que tenha sido avistado e sobretudo verificado um animal, o que, na opinião da R. e de acordo com a prova produzida, não aconteceu e tanto antes como depois do acidente; X.
Acresce dizer que nem a R. nem especialmente a autoridade policial avistaram e/ou verificaram/confirmaram que a causa deste acidente foi o atravessamento de animal, sendo certo que essa verificação, contrariamente ao que resulta da sentença, tem de ser positiva e segura, com o natural e expectável objectivo de permitir credibilizar a versão apresentada pelos sinistrados perante todos (Tribunal, autoridade policial e R. incluídos); XI.
Embora a A. não esteja impedida de fazer essa prova com recurso a outros meios, tal não é suficiente (nem pode, sob pena de se alinhar num facilitismo que, muito naturalmente, pode potenciar o surgimento de fraudes) para que a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho seja aplicável a estes autos (cfr. o ac. da RP de 15.12.2010 e o ac. da RC de 09.03.2010 e leia-se — como deve acontecer - o nº 2 da citada Lei em conjunto com o nº 1); XII.
Nessa medida, e porque — é manifesto — não estavam (e não estão) reunidos os necessários requisitos para que se pudesse aplicar a este sinistro a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, restava à A., de harmonia com o disposto nos artigos 342º nº 1 e 483º do Cód. Civil, provar todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e especialmente a culpa da R., o que, como visto, não sucedeu; XIII.
De resto, mesmo que as respostas aos pontos 3 e 4 dos factos provados não devessem ser aquelas propostas pela R. ao abrigo do disposto no artigo 640º nº 1 do C. P. C., nem assim a acção podia/devia proceder, porquanto não prova a A.
(vide nomeadamente a resposta ao número 8 dos factos provados) que foi por causa de uma concreta anomalia da vedação que o animal acedeu à via (dito de outro modo: no mínimo, e até por uma questão de igualdade de armas processuais, a mesma exigência probatória deve valer para a A., até porque é a ela que incumbe provar a culpa do alegado autor da lesão).
Sem prescindir, XIV.
É...
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