Acórdão nº 00955/19.1BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução15 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: 4., Lda.

(Zona Industrial, (…), em (…)) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Aveiro, que julgou improcedente acção de contencioso pré-contratual por si intentada contra A. – Águas da Região de (...), SA (Travessa (…), (…) – (…)), indicando como contra-interessadas H., SA (Zona Industrial (…), (…)) e L., Lda. (Praça (…), (…)).

A recorrente conclui: A. No procedimento Concurso Limitado Por Prévia Qualificação, destinado à escolha de entidade para a celebração de um contrato de “aquisição de serviços de manutenção corretiva e preventiva das infraestruturas de águas e águas residuais”, recorrida, adjudicou, à recorrente a sua proposta, seguindo-se os ulteriores trâmites procedimentais, tendo a recorrente apresentado os documentos de habilitação exigidos e prestado a caução. Essa decisão de adjudicação não foi objecto de qualquer impugnação, dentro do prazo previsto no artigo 270.º do CCP.

B. Porém, após a apresentação dos documentos da habilitação por parte da recorrente, a Contra-interessada H. apresentou uma “impugnação administrativa” a que chamou também de “Recurso para Superior Hierárquico da decisão de Habilitação”.

C. A contra-intereressada H. não reagiu contra qualquer decisão, ou acto equiparado, nem contra as peças do procedimento. Denotando, aliás, grande dificuldade na identificação no quid a impugnar, a H. grafou no seu “documento impugnatório” uma reacção contra a “decisão de habilitação / aceitação dos documentos de habilitação do adjudicatário “4.Lda.”.

D. Salvo o devido respeito, e ao contrário do que é defendido na douta Sentença a quo, não existe qualquer “decisão de habilitação” ou “decisão de aceitação de documentos de habilitação”, que possa ser considerada acto administrativo impugnável, pois a habilitação não está sujeita a decisão, nem os documentos de habilitação pressupõem, para a sua aceitação, um acto administrativo formal para o efeito.

E. Na fase procedimental em apreço, após a adjudicação, o que pode existir, com o valor de decisão, é a caducidade da mesma, o que, manifestamente não está aqui em causa. O quid impugnatório que a recorrida vislumbrou na sua “impugnação administrativa”, não existe, pelo menos com a autonomia jurídica que permita considerá-lo uma decisão administrativa ou decisão a ela equiparada.

F. No caso em análise a H. “impugnou” algo que não existia, um nada jurídico, pelo que a Ré, ao invés de se ter precipitado na análise da referida “impugnação”, deveria tê-la rejeitado liminarmente, por inamissibilidade legal.

G. Acresce que, caso a H. tivesse querido impugnar a decisão de adjudicação (essa sim, consubstanciando um acto administrativo impugnável), já o prazo para tal se encontrava esgotado na data em que apresentou a sua “impugnação”, ou seja, no dia 14/10/2019.

H. Ao ter aceitado a impugnação da H. e, mais grave ainda, ao ter considerado a sua “impugnação” procedente, praticando o acto impugnado nos presentes autos, a recorrida cometeu grave ilegalidade, por violação dos artigos 267.º e ss. do CCP.

I. Os actos da recorrida, aqui impugnados, são assim ilegais e anuláveis (cfr. artigo 163.º do CPA), devendo ser revogada a douta Sentença a quo, que decidiu em sentido contrário, considerando a existência de um presumido acto de aceitação de documentos de habilitação, impugnável nos termos do artigo 51º n.º 2 alínea a) do CPTA, o que, salvo o devido respeito, não tem qualquer fundamento legal.

J. Acresce que os actos aqui impugnados padecem, ainda, de um outro vício, que resulta da preterição de formalidade essencial, por não ter sido respeitado o direito de audiência prévia da recorrente.

K. Apesar de inexistir o meio impugnatório utilizado pela H., como se disse, a recorrida aceitou a “impugnação administrativa” em causa e deu-lhe provimento e decidiu-se pela “anulação da adjudicação da proposta ordenada em primeiro lugar e aprovada a adjudicação da proposta ordenada subsequentemente”.

L. Ou seja, dando razão à H. (sem se saber porquê, repete-se) a recorrida alterou a ordenação constante do segundo Relatório Final, e precipitou-se para uma inovatória ordenação das propostas (sem apresentação de novas classificações) e sem dar a oportunidade de audiência prévia dos interessados.

M. Isto é, materialmente, a decisão da recorrida, aqui colocada em crise, consubstancia uma decisão de exclusão da recorrente, e de adjudicação à H., sem qualquer audiência prévia! N. O que se impunha, ainda que a H. tivesse razão na sua “impugnação” (o que por mero exercício de raciocínio se coloca) era que, considerando-a procedente, determinasse ao Júri nova ordenação das propostas (ou no limite elaborando ela própria, por intermédio do Presidente do Conselho de Administração, que decidiu a “impugnação”, essa nova ordenação), e se notificassem os concorrentes da nova intenção da adjudicação! Veja-se: a intenção de adjudicação à recorrente esteve sujeita à audiência prévia por duas vezes (e a segunda nem era obrigatória), já a intenção/decisão de adjudicação à H. foi objecto de ZERO audiências prévias! O. É, salvo o devido respeito, gritante a conclusão de que o Presidente do Conselho de Administração da recorrida não poderia sem mais anular a primeira adjudicação e adjudicar a proposta subsequente, sem que fosse determinada a reformulação do relatório do Júri e a audiência prévia dos concorrentes. Dito isto, não parecem restar muitas dúvidas de que a 4.Lda. devia ter sido ouvida no procedimento em momento anterior à decisão final de anulação da adjudicação da sua proposta e de adjudicação da proposta ordenada subsequentemente (cfr. art. 121.º, n.º 1 do CPA e art. 148.º, n.º 2 do CCP).

  1. In casu, em momento algum a recorrente teve oportunidade de se pronunciar, em sede de audiência prévia, sobre o sentido provável da decisão que acabou por ser tomada no âmbito do acto aqui em crise. Já a intenção da decisão de adjudicação da sua proposta foi objecto de duas rondas de audiência prévia! Q. Ora, sendo patente que tal formalidade foi preterida, é manifesta a ocorrência de um vício de forma por preterição do direito de audiência prévia, nos termos dos arts. 148.º, n.º 2, .º do CCP e 121.º do CPA, gerador de anulabilidade do acto em causa (art. 163.º do CPA).

  2. É certo que a douta Sentença reconheceu estarem os actos administrativos inquinados pelo vício acabado de referir. Porém, aplicando o princípio do aproveitamento do acto, entendeu degradar-se a invocada formalidade em não essencial. Tal decisão, porém, deve considerar-se errada, salvo o devido respeito, desde logo, e designadamente, em face do manifesto vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, de que enferma a decisão de caducidade da adjudicação a favor da recorrente.

  3. Por outro lado, desconhece a recorrente em absoluto, as razões que levaram a Ré a aceitar uma impugnação que não tinha qualquer fundamento legal, e a dar provimento a uma impugnação que, na sua óptica, só poderia improceder, à luz da lei aplicável.

  4. Pelo que antecede, impõe-se a óbvia conclusão de que o acto aqui impugnado é totalmente infundamentado, o que traduz uma violação flagrante do disposto no art. 268.º, n.º 3 da CRP, no art. 152.º, n.º 1, alínea a) do CPA, bem como no art. 124.º, n.º 1 do CCP. Por conseguinte, tal deliberação deve ser anulada atenta a circunstância de estar inquinada por um vício de forma, por falta de fundamentação (cfr. art. 163º, n.º 1 do CPA).

  5. Acresce que, ao julgar procedente a “impugnação” apresentada pela H. (embora se desconheçam quais os fundamentos de tal decisão, como se disse), o Presidente do Conselho de Administração da recorrida decidiu contra legem, praticando, também por isso, um acto ilegal.

    V. O procedimento aqui em análise destina-se à celebração de um contrato de aquisição “de serviços de manutenção corretiva e preventiva das infraestruturas de águas e águas residuais”.

  6. Como é sabido, apesar de, no Direito Civil, o contrato de empreitada ser uma modalidade de prestação de serviços, na legislação especial da contração pública estas duas modalidades contratuais estão totalmente autonomizadas, tanto no que respeita ao respectivo regime substantivo (cfr. parte III do CCP), como no que respeita à regulamentação dos procedimentos pré-contratuais (veja-se, apenas a título de exemplo, o regime do ajuste directo simplificado, regulado no artigo 128.º do CCP).

    X. Nessa lógica, a Portaria n.º 372/2017, de 14 de dezembro, que define as regras e os termos de apresentação dos documentos de habilitação do adjudicatário no âmbito de procedimentos de formação de contratos públicos, estabelece regras distintas para: a) contratos de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços; e b) contratos de empreitada ou de concessão de obras públicas.

  7. Relativamente aos contratos de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços, estabelece, no artigo 2.º, n.º 1, que “para além dos documentos de habilitação previstos no n.º 1 do artigo 81.º do CCP, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços, o adjudicatário deve ainda apresentar os documentos de habilitação que o convite ou o programa do procedimento exija, nomeadamente, no caso de se tratar de um contrato de aquisição de serviços, quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa.” (sublinhado nosso).

  8. Já relativamente ao contratos de empreitada ou de concessão de obras públicas, estabelece, no artigo 3.º, n.º 1, que, “nos termos previstos no n.º 2 artigo 81.º do CCP, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, o adjudicatário deve apresentar documento comprovativo da titularidade de alvará ou certificado de empreiteiro de obras públicas, emitido pelo...

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