Acórdão nº 02259/06.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A E., S.A., pessoa colectiva n.º (...), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 16/06/2017, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2002, no montante de €193.858,52, na sequência de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a mesma liquidação.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: 1ª A Sentença ora Recorrida julgou improcedente a Impugnação deduzida e ora em crise enferma de erro de julgamento, quer de facto, quer de direito.

  1. Como é consabido, o Tribunal não se encontra vinculado ao alegado pelas partes no que tange à aplicação do Direito, sendo pacífico ser esse o sentido e alcance do artigo 5.º do Código de Processo Civil (“CPC”) – que se encontrava previsto no artigo 664.º do anterior código -, também aplicável no processo tributário em virtude do disposto no artigo 2.º do CPPT. Com efeito, a apreciação do Tribunal não se cinge à sumária e por vezes errónea qualificação (seja na apreciação de factos, seja no direito aplicável) dada pelas partes. Devendo, sempre, dentro dos seus poderes de cognição em matéria de facto suprir as faltas cometidas pelas partes quanto à qualificação jurídica e à solução de direito, como manifestação dos princípios da realização da justiça e da verdade material.

  2. Atentos os factos – mesmo apenas os dados como provados, constantes da fundamentação da Sentença -, e dos documentos juntos pelas partes, resulta evidente que o Tribunal deveria ter indagado se, no caso sub judice se verificava efectivamente um verdadeiro por parte da Administração Tributária de recurso à aplicação de métodos indirectos – o que não fez e, no entender da ora Recorrente, deveria ter feito.

  3. Isto porque, no caso ora em Recurso, a Administração Tributária, por meio de procedimento de inspecção externa realizada, conseguiu, com toda a certeza e objectividade reconhecer determinadas diferenças em matéria de consumos de mercadorias, tendo com recurso aos elementos ao seu dispor (principalmente os contabilísticos), e sem recurso a uma verdadeira presunção, discricionária, mas tão somente técnica, determinado o montante da matéria colectável alegadamente em falta. Daí que, entende a ora Recorrente que deveria ter o Tribunal a quo igualmente equacionado a hipótese – que de resto não deixou de ser posta à consideração do Tribunal pela então Impugnante – de se estar perante uma correcção técnica e não indirecta da matéria tributável, o que determinaria que as questões a apreciar pelo Tribunal não seriam aquelas a que se propôs e veio a responder, mas desde logo se no caso se estaria perante uma situação de fixação da matéria tributável por métodos indirectos.

  4. E nesse caso, entende a ora Recorrente que o Tribunal não deixaria de considerar que no caso em apreço a fixação da matéria tributável teria sido efectuada por método directo, teria incontornavelmente a Impugnação de proceder, (i) anulando-se o acto de liquidação adicional objecto da mesma e (ii) determinando-se a dedutibilidade dos prejuízos fiscais em causa.

    Mas mesmo que assim não se entendesse, 6ª A Sentença recorrida sempre incorreria em erro de julgamento, uma vez que – tal como o considerou o Ministério Público no seu Douto Parecer, os pressupostos de aplicação de métodos indirectos no caso nunca estariam preenchidos – e consequentemente a Administração Tributária não estaria habilitada a socorrer-se deles. Desde logo porque – tal como veio a proceder -, poderia a Administração Tributária ter utilizado a avaliação directa. E, ao contrário do que vem vertido da Sentença em crise, a limitação constante do artigo 86.º, n.º 5 da LGT apenas se verifica quanto às questões de facto e valores (quantificação) resultantes da aplicação dos referidos métodos indirectos, mas não já quanto às questões puramente jurídico-formais.

  5. A exigência do procedimento de revisão prévio à impugnação judicial justifica-se somente quanto às questões factuais (à existência ou suficiência da contabilidade, aos indícios que se teria baseado a Administração Tributária, aos valores por ela determinados, etc.), mas não já quanto a questões exclusivamente de Direito relacionadas com a possibilidade de recurso a este método de avaliação da matéria tributável. Tanto mais que os intervenientes do referido procedimento de revisão são em geral pessoas habilitadas apenas nas questões técnicas, contabilísticas e outras, que de resto não têm sequer de ter formação jurídica. Por essa razão, entende a ora Recorrente que o disposto no artigo 85.º da LGT não veda a possibilidade de, mesmo sem ter sido iniciado procedimento de revisão, as questões puramente jurídicas não possam ser objecto de análise judicial no âmbito de Impugnação Judicial.

  6. Principalmente considerando que de acordo com o artigo 104.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o rendimento das pessoas colectivas e respectiva tributação terá de ser efectuada por referência ao lucro real, mesmo quando a matéria seja apurada com métodos indirectos, e muito menos pela ausência de um procedimento prévio pode obstar ao conhecimento pelo Tribunal Recorrido de uma prática administrativa contrária à constituição – por violação do disposto nos artigos 87.º e seguintes da LGT e, consequentemente do referido artigo 104.º da Constituição.

  7. Finalmente, e independentemente de tudo quanto se disse, sempre se diga que não poderá colher a tese sufragada pelo ilustre Tribunal recorrido de que “nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis”, não se restringe o alcance deste normativo a determinadas circunstâncias, abarcando, outrossim, todos os casos em que o lucro tributável fixado se encontra influenciado por apuramento efectuado com recurso à aplicação de métodos indirectos”.

  8. Ora, é manifesto, com efeito, que o referido preceito não pode ser interpretado de forma literal, no sentido de excluir a dedução de prejuízos com referência à totalidade da matéria colectável corrigida, quando, como no caso vertente, concorram correcções por recurso a métodos directos e indirectos. Isto porque, tal como entendeu o Tribunal Recorrido, quanto muito, a matéria tributável da recorrente apenas em parte (menos de 17%) teria sido determinada com recurso a tal método de fixação da matéria colectável. Razão pela qual, bem entendida a norma, considerando a sua ratio e dentro do sistema em que se insere, obriga a uma leitura conjugada do artigo 15.º n.ºs 1 e 2 do Código do IRC, com o aludido artigo 52.º (então 47.º) do mesmo código.

  9. Resultando desse exercício que, em nenhum caso, mesmo verificando-se a aplicação de métodos indirectos, a dedutibilidade de prejuízos fiscais (que de resto é, em princípio imposta aos sujeitos passivos) se encontra absolutamente vedada. E não se encontrando absolutamente vedada a dedutibilidade de prejuízos fiscais em função do método da determinação da matéria tributável, a mesma sempre teria de se admitir, in casu, até ao limite da parte da matéria tributável que foi – até no entendimento do Tribunal Recorrido – objecto de determinação pelo método directo.

    NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR ACÓRDÃO QUE JULGUE A IMPUGNAÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE.

    ****A Recorrida não contra-alegou.

    ****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

    ****Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.

    ***II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, ao decidir não ser admissível a dedutibilidade de prejuízos fiscais de anos anteriores ao lucro tributável, com referência ao exercício de 2002, na medida em que a matéria tributável nesse ano foi fixada por recurso a métodos indirectos, por aplicabilidade do disposto no artigo 47.º, n.º 2 do Código de IRC.

    1. Fundamentação 1. Matéria de facto Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Com relevância para a decisão a proferir resultam, provados os seguintes factos: 1.

      A Impugnante, entre 11.02.2005 e 18.03.2005, foi sujeita a uma acção inspectiva, credenciada pela OI 200501603, de onde resultaram propostas correcções à matéria tributável, para efeitos de IRC, de 87.671,24 euros, com base no relatório inspectivo que apresenta o seguinte teor [cfr. relatório de fls. 21-27 do processo administrativo apenso aos autos]: “IV MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS 1. A actividade exercida pela empresa reporta-se à produção de artigos cerâmicos de utilização na construção civil, designadamente, tijolos refractários, tijoleiras rústicas, etc.

      1. No exercício em análise a actividade de produção já estava praticamente paralisada tendo-se verificado aquisições de matéria prima de apenas € 3 827,49. Deste modo, verificou-se que as vendas efectuadas, no montante de € 227 798,42, foram desenvolvidas à custa da variação de stocks, seja de produtos acabados e em curso (€ 156 356,43), seja de mercadorias (€ 91 055,27) ou matérias primas (2 172,58). Registe-se que, relativamente às mercadorias, foi contabilizada uma regularização de existências a dar origem a uma...

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