Acórdão nº 00422/19.3BEMDL-R1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução28 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte:*S., LDA, vem reclamar para a conferência de despacho do relator, de 26/06/2020, que indeferiu reclamação apresentada contra “despacho com a referência 004350204, através do qual foi proferida a decisão de não admissão do recurso por si interposto no passado dia 03.04.2020”.

Após resenha sobre os trâmites envoltos, sustenta-se: 23. O despacho cuja reapreciação pela conferência ora se requer começa por adotar, de forma liminar, a perspetiva adotada pelo Tribunal de 1.ª instância segundo a qual a alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC tem a sua aplicabilidade circunscrita às situações em que ocorre uma mera decisão de natureza formal.

24. Ancorada em tal posição de princípio, a decisão singular prossegue afirmando que a Reclamante não levantou, em sede de interposição de recurso, qualquer questão formal que impedisse a admissão do requerimento de ampliação da instância apresentado pela Reclamada.

25. E que a referência que ora se faz à “resposta à resposta” tem como único intuito desviar a discussão no sentido de afirmar a existência de uma decisão formal que permitisse a aplicação, in casu, da alínea b) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC.

26. No que diz respeito a esta questão, não pode deixar de se fazer notar que, muito embora não o tenha feito no capítulo do erro no julgamento, a Reclamante fez notar, desde bem cedo, nomeadamente através do artigo 9.º e da Conclusão V das suas alegações de recurso, a existência, nos autos, de um requerimento inominado sobre o qual o douto Tribunal a quo proferiu uma decisão implícita de admissão, ao aderir aos fundamentos nele invocados! 27. Neste sentido, não obstante ter atacado principalmente os fundamentos de Direito que conduziram à decisão de deferimento da ampliação da instância nos termos pretendidos pela Autora, o Requerente não deixou de pôr em crise a admissibilidade formal do segundo requerimento por aquela apresentado no sentido ampliativo.

28. A este respeito, convém não olvidar o disposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27/10/2016, prolatado no âmbito do processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, segundo o qual as “(...) conclusões não [são] apenas a súmula do fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal”.

29.

Assim sendo, tendo a Reclamante feito incluir nas alegações do recurso por si interposto e, bem assim, nas conclusões das referidas alegações, uma referência expressa à inadmissibilidade formal do segundo requerimento de ampliação da instância apresentado pela Autora, 30.

Não pode, de todo em todo, afirmar-se que o objeto do recurso não abrange a inadmissibilidade formal do referido requerimento, sacrificando-se tal argumentação a favor do argumentário de natureza material que a Requerente (também, mas não só) fez verter nas suas alegações.

31. Numa palavra, não obstante a Requerente ter feito incidir grande parte das suas alegações de recurso em questões de natureza material, tal não significa, como nunca poderia significar, que, nas referidas alegações, não seja já percetível a insurreição da Requerente face à admissão de um requerimento processualmente inadmissível que, para cúmulo, constitui o fundamento principal da decisão recorrida.

32. Como tal, salvo o devido respeito, que é muito, pela opinião contrária, não corresponde à realidade dos factos que a Requerente não tenha colocado em causa, em sede de recurso da decisão de deferimento da ampliação da instância, a admissão de um dos requerimentos apresentados pela Autora e que esteve na origem de tal decisão.

33. Nessa medida, não pode a Requerente se não demonstrar a sua veemente discordância face ao conteúdo da decisão singular no que diz respeito ao excerto em que se afirma que a questão da (in)admissibilidade da “resposta à resposta” não foi abordada em sede de recurso, de forma relevante.

34. Sem prejuízo do alegado supra, não pode deixar de se fazer notar a absoluta contradição em que a decisão singular acaba por incorrer ao adotar, acriticamente, a posição de princípio sufragada pelo tribunal de 1.ª instância, segundo a qual apenas as decisões de caráter formal são de molde a fazer operar a regra prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC.

35. Naturalmente que, confrontada com tal entendimento, e uma vez que, recorde-se, a reclamação incidia sobre a decisão de não admissão autónoma do recurso e não sobre a decisão de ampliação da instância (como é o caso das alegações de recurso), 36. A Requerente se viu obrigada a adequar as suas alegações ao conteúdo da decisão de que efetivamente reclamava! 37. É, assim, perante tal circunstancialismo que a Requerente, sem nunca deixar de invocar a dupla natureza, formal e material, dos vícios de que enfermava a decisão de não admissão do recurso, acabou por apresentar uma reclamação através da qual reafirmava a existência de uma decisão formal de aceitação do segundo requerimento de ampliação da instância que, perfilhando o entendimento que havia sido adotado pelo Tribunal de 1.ª Instância, deveria ter permitido a apelação autónoma dessa decisão.

38. Numa palavra, a reclamação apresentada pela Requerente tinha como intuito demonstrar a absoluta contradição do Tribunal de 1.ª Instância que, perante uma decisão de natureza formal como aquela que havia tomado face ao segundo requerimento de ampliação da instância, 39. Acabou por decidir pela não admissão autónoma do recurso em que se atacava tal decisão com base na alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, precisamente com o argumento de que esta norma se destina a decisões formais (?) 40. Ora, como é evidente, confrontado com tamanha contradição, a Requerente viu-se obrigado a apelar a este douto Tribunal, reclamando da referida decisão, tentando demonstrar que existiu, desde sempre, e tal como resulta das alegações de recurso, uma decisão formal que, na esteira do entendimento do Tribunal de 1.ª Instância, sempre permitiria a admissão autónoma do recurso.

41. Nessa medida, o “acento tónico” que o douto Tribunal diz ter sido colocado pela Reclamante quanto à “resposta à resposta” foi, pelo contrário, colocado pelo Tribunal da 1.ª instância, ao ter adotado uma interpretação da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, em sede de decisão de não admissão de recurso, que não foi capaz de conseguir aplicar convenientemente à situação que lhe foi colocada.

42. Contradição essa em que a decisão singular de que ora se reclama acaba por também recair, motivo pela qual não pode se não a Requerente contra ela se rebelar, impugnando-a para todos os devidos e legais efeitos, à luz do disposto no n.º 4 do artigo 653.º do CPC.

--- # ---Circunstancialmente, recorde-se o que foi o teor do despacho reclamado perante a reclamação à não admissão de recurso.

(…) Em síntese conclusiva, aduz-se: I. A Autora, aqui Reclamada, intentou, no passado dia 03.10.2019, a presente ação de contencioso pré-contratual com vista, nomeadamente, à anulação da deliberação da Câmara Municipal de (...) datada de 18.09.2019, que decidiu a adjudicação do Concurso Público “(...) + Eficiente -IP” à proposta da ora Contrainteressada, aqui Reclamante, assim como a suspensão automática desse mesmo ato impugnado, nos termos do artigo 103.º-A do CPTA.

II. A 07.10.2019, ou seja, na pendência dos presentes autos, a Reclamante, adjudicatária naquele procedimento, apresentou, como lhe era exigível, os documentos de habilitação previstos no Programa de Concurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 81.º do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP) III. Tendo sido notificada da apresentação dos documentos de habilitação por parte da ora Reclamante, a Reclamada (Autora) apresentou, a 10.10.2019, uma reclamação junto do ora Réu (Reclamado), defendendo que a Reclamante não havia logrado proceder à junção dos documentos de habilitação a que aludem as alíneas i) e j) do ponto 17.1 do Programa de Concurso, pugnando pela caducidade da adjudicação, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º do CCP.

IV. Tal pedido não mereceu acolhimento por parte do Reclamado que, através de deliberação tomada em sede de reunião de Câmara realizada a 24.10.2019, indeferiu o requerido por entender (e bem) que a Reclamante procedeu à junção de todos os documentos de habilitação que lhe eram procedimentalmente exigidos.

V. Confrontada com o não acolhimento da sua reclamação, a Reclamada, através de requerimento datado de 25.11.2019, veio aos presentes autos peticionar a ampliação do pedido de impugnação primitivamente deduzido, através da admissão de um pedido subsidiário de anulação da deliberação proferida pelo Reclamado a 24.10.2019, a qual indeferiu a...

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