Acórdão nº 00186/15.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução19 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO A., S. A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga promanada no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada por F., LDA.

, e M.

, também com os sinais dos autos, que, em 14.11.2018, julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré, aqui Recorrente, no pagamento à Autora, aqui Recorrida, da quantia de 2.733,37 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, mais absolvendo-a do demais peticionado.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I. A omissão de pronúncia em que incorreu a sentença, nomeadamente sobre a matéria de facto alegada pela R./recorrente nos artigos 4°, 5°, 6° e 7° da sua contestação, não tem, salvo o devido respeito, qualquer justificação plausível, considerando a prova produzida a esse respeito (depoimento de L.), o diploma legal relevante (DL n° 248-A/99, de 6 de julho, alterado pelo DL n° 44-E/2010, de 5 de maio, Bases n°s. XXIX, n° 4 alínea a), XXX n° 1 e XXXVII n°s. 3 e 4) e sobretudo a constatação evidente que aquela matéria é simultaneamente importante para a defesa da R. e sobretudo para a boa decisão da causa; II. Na verdade, não se vislumbra como pode ser possível concluir que a R./recorrente cumpriu as suas obrigações de segurança (ou deixou de o fazer) num acidente com animal, quando nem sequer se trata de apurar se a vedação existente nas imediações do local do acidente era ou não aquela que ali devia ter sido instalada; III.

Ora, quer com apoio legal, quer especialmente com base no depoimento da testemunha L. (transcrito parcialmente, e para o que interessa, nestas linhas), dúvidas não restam que devia ter sido (e deve ainda, ao abrigo dos poderes conferidos a este Venerável Tribunal ad quem) dada como provada a seguinte matéria de facto (a acrescer, portanto, ao rol de factos provados destes autos): a) “As vedações daquela autoestrada A7 merecem a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português) através dos organismos competentes.” (artigo 4° da contestação); b) “À data do sinistro as vedações que se encontravam implementadas no local do sinistro e suas imediações respeitavam o respectivo projeto e mereceram prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português, designadamente no que se refere às suas características, tais como a sua dimensão e altura, por exemplo, pois se assim não fosse a autoestrada A7 não teria aberto ao tráfego.” (artigos 5°, 6° e 7° da contestação); Posto isto, IV.

É verdade que com o advento da Lei n° 24/2007, de 18 de julho se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora - insista-se - sempre filiado na responsabilidade extracontratual; V.

Contudo, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos n°s. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projeto de lei n° 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de incumprimento (ou de culpa, ou de ilicitude, ou do que quer que seja) em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redação do citado artigo 12° n° 1 seria seguramente outra, bem diferente e seguramente bem mais próxima daquela constante do artigo 493° n° 1 do Cód. Civil; VI.

Com efeito, e quanto à dita presunção de culpa (ou de incumprimento, já que a sentença alude às duas) nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta da Base LXXIII do DL n° 248-A/99, de 6 de julho (com as alterações subsequentes), podendo tão-só concluir-se que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de autoestradas (e nada mais que isso, tal como se pode concluir do ac. RG de 23.09.2010, relatado por Amílcar Andrade). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344° n° 1); VII.

De outra parte, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a autoestrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na autoestrada em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, na realidade, considerou a douta sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais; VIII.

O artigo 12° n° 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sendo que no caso dos autos é nítido e indiscutível que a R. satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação (cfr. ponto 22 dos factos provados, bem como aqueles dois pontos respeitantes à conformidade da vedação com as normas em vigor, matéria essa, e tal como defendido na primeira parte deste recurso, que deve constar do elenco dos factos provados) e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro (vide pontos 18, 19, 20 e 21 dos factos provados); IX.

Efetivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações ali instaladas eram aquelas que ali deviam estar e que se encontravam intactas e sem ruturas nas imediações (contiguidade, arredores, etc.) do local do acidente - e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./recorrente; X.

A não ser assim - i. e., a situarmo-nos num plano em que acaba por se colocar a douta sentença em matéria de exigência probatória (p. ex. de ter de se provar por onde o animal entrou na AE ou imputar a eclosão do sinistro na via ao condutor ou a terceiros) -, cairíamos necessariamente no âmbito da responsabilidade objetiva, na prova impossível (e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica) para a concessionária que não se vê onde esteja prevista, nomeadamente na lei citada (cfr. também o ac. da RC de 10.01.2006, www.dgsi.pt); XI.

É, por isso, visível que o raciocínio seguido pela sentença é nitidamente especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha (na vedação?), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação perfeitamente plausível para a presença do animal na via (e a verdade é que essas possibilidades/explicações existem, não se podendo concluir automaticamente que o animal acedeu à via porque p. ex. as vedações apresentavam deficiências ou então que ocorreu uma qualquer anomalia, seja ela qual for); XII.

Por outro lado, a R. também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva, que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo) da sua missão de vigilância e patrulhamento; XII. De modo que, e não podendo a recorrente (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece pacífico e totalmente indiscutível que as obrigações a seu cargo são claramente obrigações de meios. E não, portanto, obrigações de resultado, como acaba por concluir - sem o dizer, no entanto - a sentença do T. A. F. de Braga (e isto sim, ou seja, a natureza das obrigações da concessionária, merecia uma outra análise bem mais ponderada por parte do Tribunal, o que, como se vê, não sucedeu); XIII.

De resto, não sendo possível à recorrente evitar em absoluto que os animais ingressem na AE (cfr. p. ex. Carneiro da Frada, “Sobre a Responsabilidade das Concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, setembro de 2005, págs. 407 - 433) e, face ao que ficou provado e também ao que decorre do diploma legal que versa sobre a sua concessão, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta demonstrou que cumpriu de forma positiva, em concreto (e não apenas “genericamente” - o que quer que isso signifique) com todas as suas obrigações, concretamente com aquelas de segurança; XIV.

Aliás, mais até do que mera curiosidade (e mesmo não estando em vigor à data do sinistro destes autos), será seguramente útil, mormente em termos interpretativos, atentar nos n°s. 1 e 2 da Base LXIII do DL n° 248-A/99, de 6 de julho (redação do DL n° 109/2015, de 18 de junho), como forma de comparar e distinguir aquilo que é verdadeiramente essencial do que é manifestamente acessório (e, de resto, sem qualquer lastro legal); XV.

A sentença violou, salvo o devido respeito, o artigo 5° n° 2 alínea b) do C. P. C., o n° 1 do artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, os artigos 342°, 483° e 487° n° 2 do Cód. Civil e ainda a Base LXXIII do Decreto-Lei n° 248-A/99, de 6 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n° 44-/E2010, de 5 de maio, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas.

(…)”.

*Notificada que foi para o efeito, a Recorrida F., Lda.

, produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência parcial da presente ação.

*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo...

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