Acórdão nº 02775/17.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução19 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA – SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF], com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto promanada no âmbito da Ação Administrativa intentada por P.

, também com os sinais dos autos, que, em 17.01.2019, que julgou a presente ação procedente, e, em consequência, condenou o Réu, aqui Recorrente, “(…) a emitir a autorização de residência ao A., ao abrigo do art.° 122°, n.° 1, al. k) da Lei n.° 23/2015, de 4 de julho alterada pela Lei n.° 102/2917, de 28 de agosto (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) A - Inexistem quaisquer direitos constitucionais de que o Recorrido se pudesse prevalecer para efeitos de lhe ser atribuída a autorização de residência solicitada; B - O tribunal ao intimar o SEF à prática da emissão do título de residência desconsiderou o quadro legal aplicável da Lei n.° 23/2007 de 4/7; C - O tribunal decidiu favoravelmente o processo principal sem que estivessem preenchidos os respetivos requisitos legais; D - O tribunal estabeleceu como pressuposto da decisão, e em alguma medida, a existência de direitos fundamentais dos pais e de direitos subjetivos dos filhos, que inexistem em concreto e na situação em apreço; E - A Lei n.° 23/2007 de 4/7 realiza ao nível do direito ordinário, diretamente concernente aos cidadãos estrangeiros, a intermediação necessária e congruente desses direitos, e inclusive no que especificamente concerne ao reagrupamento familiar, devendo a Administração observar e cumprir o que nela se dispõe, em observância do princípio da legalidade, que o tribunal desconsiderou; F - Para além de inexistir, ao nível constitucional, um qualquer direito de entrada e residência dos cidadãos estrangeiros, no território nacional, a circunstância de a Constituição Portuguesa garantir determinados direitos, não obsta a que a sua regulamentação direta quando reportada aos cidadãos estrangeiros se busque na Lei n.° 23/2007 de 4/7, que cumpre observar, e que o tribunal desconsiderou; G - Ainda assim, uma das soluções equacionáveis e que satisfaria os propósitos do recorrido, que, reafirma-se, não reside em Território Nacional - nem pretende residir - é exatamente a solução que considera a titularidade de um visto de curta duração, que lhe permitiria permanecer em Território Nacional, três meses (prorrogáveis), em cada seis.

H - A presença refere-se à realização do pedido que deve ser efectuado presencialmente, e a concessão da autorização de residência pressupõe a residência em território nacional, que o tribunal também desconsiderou; K - No âmbito da Lei de Estrangeiros, e como a própria designação desde logo indicia, o título de residência é um documento legal que habilita os cidadãos estrangeiros a residir legalmente em Território Nacional.

L - De acordo com as diligências realizadas em sede de instrução, e que são abundantemente referenciadas no Relatório do instrutor, o recorrido reside em Angola, e exerce no seu país de origem a sua atividade profissional.

M - Nesses termos, pretende o recorrido que o SEF desrespeite a lei e emita uma autorização de residência - que lhe permita visitar os seus filhos, que são residentes legais em Território Nacional -, continuando, todavia, a residir e trabalhar, como o fez até à presente data, em Angola.

N - Com efeito, o recorrido não cumpre desde logo um dos pressupostos/requisitos legais de concessão da autorização de residência solicitada, e referida à residência em Território Nacional.

O - Reafirma-se, é nosso entendimento que a autorização de residência pressupõe e implica a residência em território nacional do cidadão estrangeiro.

P - Desde logo, começamos por fazer apelo ao nomen juris eleito pelo legislador para se referir ao título.

Q - Mal se compreenderia, de facto, que o titulo se designasse assim, autorização de residência, e apesar disso e simultaneamente o seu propósito destinar-se a fins não coincidentes com o seu nome.

R - Ademais, sempre se dirá o seguinte: a norma constante do artigo 77° n.° 1 alínea c) da Lei n.° 23/2007 de 4/7, ao mencionar a presença em território nacional apenas enfatiza o facto de o respectivo pedido de concessão de autorização de residência ter que ser realizado presencialmente, sob pena de rejeição liminar (cfr. artigo 51°, n°s 1 e 3 do Decreto Regulamentar n.° 84/2007, de 5/11, na redação atual.).

S - A referência à presença do cidadão estrangeiro, no território nacional, não significa que a concessão da autorização da residência não se destine a permitir a residência e, como tal, a pressupô-la na sua concessão.

T - Como se depreende do disposto no artigo 74° n.° 2 da Lei n.° 23/2007 de 4/7, “Ao cidadão estrangeiro autorizado a residir em território português é emitido um título de residência.”.

U - De outro modo, só faz sentido a emissão de um título de residência se o cidadão estrangeiro pretender residir em território nacional.

V - Ademais, a residência em território nacional tem de ser efetiva, sob pena de o título de residência poder ser cancelado ao abrigo do disposto no artigo 85° da Lei n.° 23/2007 de 4/7.

W - A dispensa do visto de residência não bule com a exigência ao titular da autorização de residência, da residência em território nacional.

X - Se o cidadão estrangeiro pretende residir em território nacional, ainda que ao abrigo do artigo 122° da Lei de Estrangeiros, deve solicitar a concessão do título para esse especifico efeito, rectius residir em território nacional.

Y- Se pede o título para residir em território nacional, e o título é concedido, não pode pretender ser titular de uma autorização de residência concedida pelas autoridades portuguesas competentes e simultaneamente pretender residir noutro país! Z - O facto de a lei apenas mencionar a presença em território nacional não afasta finalidade intrínseca da concessão da autorização de residência, respeitante a necessária e impreterível residência em TN.

AA - Não pode a Administração conceder uma autorização de residência a um cidadão estrangeiro, com uma finalidade específica, quando se sabe de antemão que o mesmo não pretende residir em TN.

BB - Em rigor, não se exige a residência anterior, nem contemporânea, do cidadão em causa, por referência à data de concessão do título.

CC - O que se não aceita é a não coincidência da vontade declarada do recorrido em não pretender residir em TN, com a finalidade do título.

DD - O exemplo é propositadamente absurdo, mas o facto é que não pode a administração conceder a um particular uma licença para iniciar uma qualquer atividade industrial, a quem pretenda exercer, por exemplo, uma atividade que não tenha alguma conexão com aquela, designadamente, a comercial/bancária! EE - O SEF não pode emitir uma autorização de residência para atividade de investimento (cfr. artigo 90°-A da Lei n.° 23/2007 de 4/7), por exemplo, ao cidadão estrangeiro que pretenda tão-somente residir ou estudar em TN.

FF - Nos mesmos termos, não se pode legitimamente conceder uma autorização de residência a alguém que não pretende residir em TN.

GG - O ato administrativo de concessão de autorização de residência para cumprir o desiderato legal tem impreterivelmente, e na vertente da finalidade do ato, de conformar-se com a ratio legis do preceito que atualiza, e que se não verifica no caso vertente.

HH - Em suma, não pode o SEF conceder e emitir uma autorização de residência, sem comprometer o princípio da legalidade, a um cidadão estrangeiro que não pretende residir em TN.

(…)”.

*Notificada que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, não obstante, ordenadas desentranhar por falta de pagamento da taxa de justiça devida.

*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional.

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* * * *II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, a questão a dirimir consiste em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.

* *III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico [positivo e negativo e respetiva motivação] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…) 1) O A., P., é titular do passaporte de cidadão de Angola com o número NXXXXXXX - cfr. doc. de fls. 6 e ss. do pa junto aos autos.

2) Do certificado de registo criminal do A., emitido em 24.5.2016 pela Direção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos da Republica de Angola, resulta que “nada consta a respeito de P.”.- cfr. doc. de fls. 50 dos autos.

3) O A. é casado com C., de nacionalidade angolana. -cfr. doc. de fls. 17 e ss. do p.a.

4) O A. é pai de H., nascido em 5.9.1999 e de S., nascido em 19.1.2003, ambos de nacionalidade angolana e titulares das autorizações de residência temporária emitidas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ao abrigo do disposto no art. 92.°, n.° 2 da Lei 23/2007, validas até, respetivamente, 17.3.2017 e 17.10.2017, com os números 994WW7534 e 24641W6C2. — cfr. fls. 42 e ss. do pa, facto não controvertido.

5) H. e S. são estudantes do ensino secundário, sendo que o primeiro estuda no Colégio dos (...) em (...). - cfr. doc. de fls. 82 do p.a.

6) O A. é...

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