Acórdão nº 02278/19.7BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução19 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO S., LIMITADA, devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 24.03.2020, promanada no âmbito da presente Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato Administrativo por si intentada contra o POISE - PROGRAMA OPERACIONAL TEMÁTICO INCLUSÃO SOCIAL E EMPREGO, igualmente identificado nos autos, que julgou “(…) improcedente a presente ação e, em consequência, recuso a concessão da providência requerida. (…)”.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1 - A recorrente não se conforma com o teor da douta sentença recorrida e, por isso, apresenta as suas alegações de recurso, tanto em matéria de facto como de direito.

2 - A douta sentença em recurso considerou que o comportamento do recorrido ao longo do procedimento é, ou foi, absolutamente irrelevante para a capacidade da recorrente em atingir as metas de formação a que contratualmente se obrigou, posição que, salvo sempre o devido respeito, não pode merecer acolhimento.

3 - A recorrente, no seu requerimento cautelar, invocou os seguintes cinco factos: Este atraso obrigou a recorrente a reprogramar toda a sua atividade formativa e financeira.

Em todo o ano de 2017, o recorrido só foi capaz de entregar à recorrente as quantias legal e contratualmente previstas a título de adiantamento para esse mesmo ano.

A recorrente só pode realizar o seu primeiro pedido de reembolso a 7 de fevereiro de 2018 (relativo às despesas por si suportadas até 31 de outubro de 2017), tendo recebido as quantias por esta forma solicitadas apenas a 15 de maio de 2018.

O recorrido apenas foi capaz de proceder aos demais reembolsos a 31 de outubro de 2018 e 13 de novembro de 2018, tendo as operações físicas de formação sido concluídas em junho de 2018.

Em todo o ano de 2017, a recorrente nem sequer pode apresentar qualquer pedido de reembolso, pois que a plataforma eletrónica através da qual seriam realizados estes pedidos só entrou em funcionamento em dezembro de 2017.

4 - Tais factos não foram impugnados pelo recorrido, nem poderiam sê-lo, já que se trata de factos do conhecimento direto e pessoal dele recorrido, cuja impugnação não é possível (parte inicial do n° 2 do artigo 574° do Código de Processo Civil) e também não se mostram em oposição com a oposição no seu conjunto - n° 2 do artigo 574° do Código de Processo Civil.

5 - Neste sentido, na medida em que tais factos, salvo sempre melhor posição, são relevantes para a boa decisão da causa, já que demonstram o incumprimento, por parte do recorrido, das obrigações a seu cargo, devem constar da seleção da matéria de facto provada.

6 - Atenta a sequência cronológica seguida pela douta sentença em recurso, a fundamentação da matéria de facto deve passar a conter os seguintes: 11 - Este atraso obrigou a recorrente a reprogramar toda a sua atividade formativa e financeira.

12 - Em todo o ano de 2017, o recorrido só foi capaz de entregar à recorrente as quantias legal e contratualmente previstas a título de adiantamento para esse mesmo ano.

13 - A recorrente só pode realizar o seu primeiro pedido de reembolso a 7 de fevereiro de 2018 (relativo às despesas por si suportadas até 31 de outubro de 2017), tendo recebido as quantias por esta forma solicitadas apenas a 15 de maio de 2018.

14 - O recorrido apenas foi capaz de proceder aos demais reembolsos a 31 de outubro de 2018 e 13 de novembro de 2018, tendo as operações físicas de formação sido concluídas em junho de 2018.

15 - Em todo o ano de 2017, a recorrente nem sequer pode apresentar qualquer pedido de reembolso, pois que a plataforma eletrónica através da qual seriam realizados estes pedidos só entrou em funcionamento em dezembro de 2017, o que expressamente se peticiona para todos os efeitos legais, nos termos das disposições conjugadas do n° 1 do artigo 640° do Código de Processo Civil e do n° 3 do artigo 140° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

7 - Impunha-se ao recorrido, aquando da prolação do ato administrativo cuja eficácia se requer seja suspensa, reconhecer, desde logo, o incumprimento das suas próprias obrigações e daí retirar as devidas consequências jurídicas, ao invés de se ter limitado a efetuar uma operação aritmética.

8 - O recorrido sabe e conhece o nexo de causalidade existente entre o seu incumprimento quanto às obrigações de reembolso e a impossibilidade que, para a recorrente, decorreu desse incumprimento quanto à realização de todas as ações de formação contratualmente previstas - item 10° dos factos provados.

9 - Ao não fazer aplicar a sanção prevista no item 23° do Aviso do concurso, o recorrido reconheceu, expressamente e para todos os efeitos legais, o seu incumprimento quanto às obrigações legais e contratuais a seu cargo, facto que não pode ser irrelevante, salvo sempre melhor posição, quanto ao sentido das decisões judicias a tomar no presente dissídio.

10 - Salvo sempre o devido respeito por posição diversa, a norma regulamentar que prevê um valor de € 140,00 por formando tem natureza procedimental e destina-se a assegurar que, em sede de apreciação de candidatura e apenas nessa fase, a entidade pública não autorize apoios financeiros que, nessa fase, possam determinar pagamentos de valor superior àquele limite.

11 - Esta norma regulamentar, porém, já não se mostra apta para fundamentar a decisão final do procedimento, e, por essa razão, e para esse momento, o recorrido fez criar norma regulamentar específica, a qual se mostra contida no item 23° do Aviso para Apresentação de Candidaturas.

12 - Da execução concreta dos projetos financiados, podem resultar circunstâncias concretas e específicas - incluindo aquelas que derivam de comportamentos do próprio recorrido - que determinem que, a final e de forma legítima, o valor de apoio financeiro a conceder possa ultrapassar o custo de € 140,00 por formando (sem que isso equivalha, como é evidente, a ser ultrapassado o valor total aprovado em sede de candidatura).

13 - Caberia ao recorrido fazer aplicar, nestas circunstâncias, a norma contida no n° 1 do artigo 428° do Código Civil, nos termos da qual “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.

14 - Reconhecendo que o seu incumprimento das obrigações de reembolso constituiu uma alteração grave e anormal das circunstâncias que, de boa fé, resultavam dos termos contratualizados entre as partes a partir do termo de aceitação da decisão de candidatura, o ato administrativo impugnado deveria, também, fazer bom uso da disciplina jurídica constante do n° 1 do artigo 437° do Código Civil, nos termos do qual “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.

15 - Se a recorrente, de boa fé, suspeitasse que o recorrido não cumpriria, como não cumpriu, as suas obrigações de reembolso, ela recorrente nunca teria apresentado a sua candidatura, nem nunca teria contratualizado com ele recorrido nos termos em que o fez; se a recorrente, de forma irresponsável, tivesse insistido na execução pontual de todas as suas obrigações de realização de ações formativas, incorrendo nos respetivos custos e despesas, ela recorrente já estaria, na presente data, em estado de insolvência ou mesmo definitivamente encerrada.

16 - O comportamento do recorrido, na relação jurídica constituída com a recorrente, manifesta um claro exercício de abuso de direito (artigo 334° do Código Civil), na modalidade de venire contra factum proprio.

17 - Ao mesmo tempo, a ação culposa do recorrido mostra-se violadora da proteção da boa fé devida à recorrente, pois que se traduz no desrespeito “pela confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida” - parte final do n° 2 do artigo 10° do CPA.

18 - A aplicação, sem mais, do regime jurídico civilista previsto no artigo 437° do Código Civil pode, porém, acarretar problemas específicos na execução dos contratos administrativos, na medida em que o recurso irrestrito, concedido por esta norma, ao direito à resolução do contrato pode significar a interrupção de prestações de utilidade pública.

19 - A modelação da disciplina prevista no artigo 437° do Código Civil e a sua adaptação aos contratos administrativos faz-se pela supra citada norma contida na alínea a) do artigo 312° do Código dos Contratos Públicos, com as consequências financeiras previstas na alínea a) do n° 1 do artigo 314° do mesmo diploma.

20 - Por assim ser, o ato administrativo praticado pelo recorrido, e cuja eficácia se requer suspensa nos presentes autos cautelares, é ilegal, por violação ostensiva - salvo sempre melhor posição - das disposições conjugadas do n° 2 do artigo 10° do CPA, do n° 1 do artigo 280°, da alínea a) do artigo 312° e alínea a) do n° 1 do artigo 314, todos do Código dos Contratos Públicos, e dos artigos 334°, 428° e 437°, ambos do Código Civil.

21 - Importa, pois, proferir nova decisão judicial que, em substituição da ora recorrida, declare a forte presunção do direito a favor da requerente, nos termos previstos na parte final do n° 1 do artigo 120° do CPTA, o que expressamente se peticiona para todos os efeitos legais.

22 - Também o segmento do “periculum in mora” deve ser dado como provado, pois que, a manutenção da situação jurídica que decorre da recusa de concessão da providência cautelar requerida tornará inútil, com...

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