Acórdão nº 01000/17.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelRosário Pais
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 30.12.2018, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC do exercício de 2014 e de IVA do período de 2013.12T, nos montantes respetivos de € 31.597,28 e de € 25.635,94.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «I – Salvo o devido respeito que merecem as opiniões e a ciência do Tribunal “a quo”, entende a Recorrente que a douta sentença, proferida a 2018.12.30, no âmbito do processo de Impugnação Judicial acima identificado, e que considerou o pedido da Impugnante, ora Recorrida, totalmente procedente, não se pode manter na ordem jurídica.

II – A Recorrente não se conforma com a sentença em causa, na medida em que entende que a mesma padece de erro de julgamento, em matéria de direito, ao ter concluído, em suma: a) Em sede de IRC: “Face ao exposto, não quedando provado que os despachos (e respectivas propostas, das quais consta a fundamentação dos alargamentos do âmbito) foram notificados à impetrante, ter-se-á de concluir que existiu uma omissão de formalidade essencial do procedimento inspectivo, invalidante das correcções referidas no relatório de inspecção, na parte relativa aos alargamentos, ou seja, das correcções à matéria tributável, que originaram a liquidação adicional de I.R.C..”, e, b) Em sede de IVA: “Face ao exposto, conclui-se que a recusa de dedução do imposto mencionado nas facturas é indevida e, por outro lado, que a A.T. não demonstrou, como lhe competia, os pressupostos de facto que a legitimaram a emitir a liquidação oficiosa de I.V.A com fundamento em simulação.”.

III – Pese embora o profundo respeito que nos merece o douto entendimento vertido, acerca da questão a que se alude na alínea a) do ponto II supra das “CONCLUSÕES”, na douta sentença aqui em apreço, e nos doutos acórdãos do STA de 2018.09.19, proferido no processo nº 01460/17, e de 2016.06.15, proferido no processo nº 01101/15, acima referidos, o certo é que, salvo o devido respeito por melhor entendimento, se nos afigura que tal questão deverá ser (também) vista à luz do chamado princípio do aproveitamento do ato, o qual, como é sabido, encontra expressão na fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”.

IV – Como é igualmente sabido, até à aprovação, pelo D.L. nº 4/2015, de 07/01, do novo Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA), o referido princípio do aproveitamento do ato não se encontrava positivado na lei, tendo apenas como fonte a doutrina e a jurisprudência (vejam-se a título de exemplo, entre muitos outros, os seguintes acórdãos deste Venerando STA: de 2000.02.02, Proc. Nº 044623; de 2000.05.18, Proc. Nº 45736 e Proc. Nº 45965; de 2002.01.17, Proc. Nº 046482; de 2004.12.14, Proc. Nº 01451/03; de 2000.05.18, Proc. Nº 45736; de 2000.12.12, Proc. Nº 46738).

V – Como é igualmente sabido, o nº 5 do artigo 163º do (novo) CPA, inserido na Secção III, “Da Invalidade do acto administrativo”, veio consagrar em termos legais, nas suas diversas alíneas, o referido princípio do aproveitamento do ato, “dando expressão normativa a diversos critérios jurisprudenciais que vinham já sendo aplicados pelos tribunais.” – (nesse sentido, vide Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “IMPLICAÇÕES DO NOVO REGIME DO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO NO DIREITO PROCESSUAL ADMINISTRATIVO”, JULGAR – Nº 26 – 2015, Coimbra Editora.

VI – “A alínea b) [do nº 5, do artigo 163º do CPA] contempla uma forma de descaracterização do vício por efeito da degradação de formalidade essencial em formalidade não essencial, e, como resulta expressamente do preceito, apenas respeita a vícios de forma ou de procedimento que, por sua natureza, possuam uma função meramente instrumental em relação à finalidade do procedimento (..). Trata-se de situações em que a violação de uma regra legalmente prevista não tenha chegado a afetar ou restringir as garantias procedimentais ou processuais que se pretendiam tutelar ou em que a realização da formalidade se tenha tornado inútil por a sua finalidade ter sido satisfeita por uma outra via (..)”. - Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “IMPLICAÇÕES DO NOVO REGIME DO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO NO DIREITO PROCESSUAL ADMINISTRATIVO”, JULGAR – Nº 26 – 2015, Coimbra Editora.

VII - Importa ter presente nestas situações, a nosso ver, uma preocupação com a prossecução e a proteção do interesse público (presente no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 4º do CPA), na medida em que impera avaliar se existe ou não um prejuízo relevante que legitime a destruição de um ato, atendendo, nomeadamente, às circunstâncias específicas do caso concreto.

VIII – No nosso entendimento, não se justifica no caso sub judice a anulação do ato de liquidação adicional de IRC aqui em causa na medida em que a existência do vício formal e procedimental não se veio a traduzir numa lesão, em concreto, para a Recorrida, cuja proteção a norma visa.

IX – No nosso entendimento, considerando as circunstâncias do caso concreto, impera concluir que a decisão tomada no presente procedimento inspetivo é a única legalmente admissível, não tendo a eventual notificação à Recorrida dos despachos melhor identificados nos pontos 1. e 2. dos “Factos não provados” a virtualidade de alterar a decisão final tomada no presente procedimento.

X – Assim, concluindo nesta parte, diremos que, salvo melhor entendimento, por força da aplicação ao caso concreto do princípio do aproveitamento do ato plasmado nas alíneas a), b) e c), do nº 5, do artigo 163º do CPA, deverá a sentença aqui em análise ser revogada na parte em que determinou a anulação da liquidação adicional de IRC nº 2017 8310028358, do ano de 2014, no montante de € 31.597,28, com todas as legais consequências, nomeadamente a manutenção na ordem jurídica da mesma.

XI – Na douta sentença aqui posta em crise determinou-se ainda a anulação da liquidação adicional de IVA nº 18440859, do período de 2013.12T, no montante de € 25.635,94, com base em duas ordens de razões, melhor explicitadas na sentença.

XII - Pese embora o profundo respeito que nos merece o douto entendimento vertido, acerca desta questão, na sentença aqui em apreço, no douto acórdão do T.C.A Sul de 2015.06.04, proferido no processo n.º 07111/13, e no douto acórdão do STA de 2012.09.26, proferido no processo nº 0555/12, o certo é que, salvo o devido respeito por diverso entendimento, se nos afigura continuar a assistir razão à Fazenda Pública.

XIII – Os fundamentos, de facto e de direito, que estiveram subjacentes ao “corte” do IVA deduzido relativo à aquisição, por parte da Recorrida, do ativo fixo tangível ao sujeito passivo A., Lda., NIPC (...), vêm referidos no ponto III.2.2 do capítulo III do Relatório de Inspeção Tributária (doravante abreviadamente designado “RIT”, a que se refere o ponto H) dos “Factos provados”, cujo teor, por razões de economia processual, damos aqui por integralmente reproduzido.

XIV - Salvo o devido respeito por melhor entendimento, atentos os fundamentos de facto e de direito invocados nos capítulos III e IX do RIT quanto a esta questão do “corte” do IVA deduzido, relativo à aquisição, por parte da Recorrida, do ativo fixo tangível ao sujeito passivo A., Lda., NIPC (...), afigura-se-nos que mal andou a M. ma Juíza do Tribunal “a quo” ao ter concluído na douta sentença aqui posta em crise que a Recorrida tem direito à dedução do mencionado I.V.A..

XV – Sendo certo que, em bom rigor, no RIT não foi colocada em crise a circunstância de os bens em causa terem sido adquiridos pela Recorrida e de esta os estar a utilizar no exercício da sua atividade – veja-se, nomeadamente, o ponto III.2.2 do capítulo III do RIT, e o anexo II aí referido - também é certo que o que foi colocado em crise no RIT foi o facto de existir uma divergência intencional e planeada (conforme resulta do ponto P) dos “Factos provados” o contabilista é comum a ambas as empresas envolvidas) entre a forma como o negócio foi feito (com liquidação de IVA) e a forma como deveria ter acontecido (sem liquidação de IVA, aproveitando a não sujeição prevista no nº 4 do artigo 3º do CIVA), existindo ainda um conluio entre as partes envolvidas, com o objetivo claro de criar as condições para a Recorrida solicitar um pedido indevido de reembolso de IVA na sua esfera pessoal.

XVI – Assim, aqui chegados, tendo ficado demonstrado, à saciedade, no RIT, que a dedução, por parte da Recorrida, do IVA indevidamente liquidado nas faturas que constituem o anexo II do RIT, tem subjacente, a montante, a existência de uma prática abusiva na qual participou ativamente a Recorrida e a emitente das referidas faturas, afigura-se-nos que mal andou a M. ma Juíza do Tribunal “a quo” ao não ter efetuado, como se impunha, atendendo à matriz comunitária do IVA, o (necessário) enquadramento de tal prática abusiva à luz da Sexta Diretiva e à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia existente sobre esta matéria.

XVII - Como é sabido, no CIVA, aprovado pelo D.L. nº 394-B/84, de 26/12, procedeu-se à transposição para o direito interno da Sexta Diretiva do Conselho (Diretiva 77/380/CEE, do Conselho, de 1997.05.17).

XVIII - A propósito das referidas práticas abusivas, consta do sumário do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 2006.02.21, proferido no processo C-255/02, conhecido como caso “HALIFAX E O.”, o seguinte: “(....) 2) A Sexta Directiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe ao direito do sujeito passivo a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante quando as operações em que esse direito se baseia forem constitutivas de uma prática abusiva.

A declaração da existência de uma prática abusiva exige, por um lado, que as operações em...

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