Acórdão nº 01276/06.5BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução30 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO M. e M. instauraram acção administrativa comum contra EP-Estradas de Portugal, S.A. (em que intervém a A., S.A.), todos melhor identificados nos autos, pedindo a sua condenação: -No pagamento de danos patrimoniais no valor de € 8.025,00; -No pagamento de € 15.000,00, pela desvalorização do imóvel; -No pagamento dos respectivos juros e nos encargos com o processo.

Por sentença proferida em 18.03.2010, foi a presente acção julgada parcialmente procedente, sendo “condenados os RR. no pagamento de quantia a fixar em execução de sentença, pela desvalorização sofrida pelo imóvel dos AA., com a construção do viaduto da Longra, absolvendo-se o R. dos demais pedidos”.

Da sentença proferia foi apresentado recurso para este Tribunal Central Administrativo do Norte, no qual foi proferido acórdão a determinar a baixa do processo à 1ª instância para a ampliação da base instrutória por forma a incluir a matéria factual relativa ao dano patrimonial consubstanciado na desvalorização do imóvel dos AA. e seu montante.

No seguimento, foi dada a consequente tramitação ao respectivo processo, com a consequente realização da audiência final relativamente à matéria de facto controvertida resultante da ampliação determinada no acórdão.

O TAF de Braga julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré Infraestruturas de Portugal, SA a pagar aos Autores a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação.

Desta sentença vem interposto recurso pela Ré Infraestruturas de Portugal, S.A..

Alegando, concluiu: I. Entre o Estado e a A., S. A, atual A. Norte, S.A, foi celebrado um contrato de concessão, cuja minuta foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 67-A/99 de 1 de Julho, publicada no Diário da República – I Série B – Nº 155 de 6/7/1999.

  1. As Bases da Concessão foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 6 de Julho.

  2. Não restam dúvidas de que a A. NORTE (Ex-A.) é o dono da obra (cfr. artigo 3º e 2.º/7 do RJEOP).

  3. Através do contrato de concessão, o Estado transferiu uma posição jurídica que envolve direitos, mas também obrigações.

  4. O concedente transferiu o exercício dos poderes relativos à organização e à gestão da obra concedida para a concessionária (cfr. Cláusula 5 do contrato de Concessão) pelo prazo de 30 anos (cfr. Cláusula 12 do capítulo III do Contrato de Concessão).

  5. A Estradas de Portugal, ora Infraestruturas de Portugal, fundamentalmente, tinha a obrigação de entregar os bens e direitos expropriados à concessionária, livres de encargos e desocupados, no prazo de 180 dias a contar da apresentação pela Concessionária ao Concedente das plantas parcelares para cada Sublanço (Base da concessão XXIII, n.º 3 aprovada pelo Decreto-Lei n.º 248-A/99).

  6. Foi a concessionária A. que dirigiu, por sua conta e risco, os trabalhos de construção da obra citada.

  7. E é a A. que, nos termos da concessão, é responsável pelos prejuízos que forem causados pelas obras de sua responsabilidade e pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das atividades compreendidas na Concessão.

  8. Ora, entende a sentença em crise que se deve dividir entre danos derivados da construção da obra, dos danos causados pela obra em si.

  9. Para referir depois que a responsabilidade da concessionária se circunscreve aos eventuais danos resultantes de deficiências ou omissões na conceção, no projeto, na execução das obras e na conservação das autoestradas.

  10. Para chegar a essa conclusão, é notório que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação da lei, uma vez que interpreta a norma constante do n.º 2 da Base XXXVI como a que circunscreve toda e qualquer responsabilidade da concessionária.

  11. Ora, basta atentar no título da Base XXXVI “Responsabilidade da concessionária pela qualidade das Autoestradas” para se constatar que a presente norma não pretende circunscrever a responsabilidade da concessionária aos danos nela elencados.

  12. Mesmo que se destrince os danos em aqueles que foram causados pela construção da obra rodoviária, daqueles que foram causados pela via rodoviária em si, antes de mais convém referir que a sentença em crise assume (vd página 12, parágrafo 4) que os danos eventualmente causados aos autores integram ambos os tipos.

  13. Uma vez que a redução de exposição solar derivou da construção da via rodoviária (neste caso do viaduto), enquanto que o aumento do ruído resulta da circulação de veículos no troço da autoestrada.

  14. Ou seja, atendendo a esta repartição, não se consegue desde logo compreender que, caso vingasse a tese defendida na sentença, apenas a IP (ex-EP) tenha sido condenada e não a concessionária.

  15. Sendo inequívoco que a redução de exposição solar constitui um dano que resulta diretamente da execução da obra de construção do viaduto.

  16. A Base XXXIV contraria de forma clara a “tese” do douto magistrado que elaborou a sentença recorrida, de que a responsabilidade da concessionária se circunscreve à que se encontra descrita no n.º 2 da cláusula XXXVI.

  17. Mas se dúvidas pudessem subsistir, temos, por fim, a Base de concessão LXXIII a qual não deixa margem para dúvidas quanto à identidade da entidade que deve ser responsabilizada por, note-se, “quaisquer prejuízos” “causados (…) pela culpa ou pelo risco”.

  18. No exercício das atividades que constituem o objeto da presente concessão, a concessionária construiu uma obra rodoviária, preenchendo a figura de “dono da obra”, pelo que, mesmo que se queira distinguir entre danos causados pelo ato material de construção da via, dos danos causados pela via rodoviária já construída, a presente norma abrange-os na totalidade, atribuindo a responsabilidade pelos mesmos à concessionária, frisando, para que não reste qualquer dúvida, que o concedente (Estado) não assume qualquer responsabilidade neste âmbito.

  19. Sem prescindir, não se pode ignorar que se da utilização da obra rodoviária resulta para os autores um ruído que afeta com gravidade o seu bem estar e que merece tutela jurídica, é necessariamente porque a obra padece de alguma deficiência na conceção, projeto ou execução, ou porque foram omitidas medidas para a garantia de que a obra não teria um impacto ambiental negativo para a habitação dos Autores.

  20. Se o viaduto se encontra demasiado próximo da casa dos autores, a ponto de causar um desconforto e, no entender do magistrado do tribunal a quo, um prejuízo indemnizável, é porque o projeto da obra padece de uma deficiência na sua conceção, uma vez que não acautelou uma distância mínima de modo a que não fossem violados os direitos dos donos da habitação.

  21. Mais uma vez, sem prescindir, atente-se ainda que a norma legal onde a sentença em crise vai fundar a responsabilidade da IP (ex-EP) é uma norma genérica que não dispõe em concreto sobre a responsabilidade advinda da obra rodoviária projeto da presente concessão.

  22. Na presente concessão rodoviária, a Ex-EP representa o Estado concedente em vários aspetos, mas em nenhuma norma das Bases da Concessão se encontra prescrito que a Ex-EP se responsabiliza por qualquer dano, prejuízo ou encargo causado pela construção da via rodoviária ou pela utilização da mesma, após a sua construção.

  23. Dos factos dados como provados resulta que temos danos causados pela construção da obra e danos causados pela obra em si.

  24. Não é clarificada pelo tribunal a quo qual a repartição dos 15.000€ pelos 2 tipos de danos que invoca.

  25. Sendo tal essencial, pois mesmo que se entenda que apenas os primeiros devem ser imputados à concessionária, enquanto os segundos recairão sobre o Concedente (Estado), ficamos sem saber qual o montante / percentagem dos mesmos que deve ser adstrita a cada um dos sujeitos.

  26. Todavia, no nosso entender, as bases citadas atribuem, sem margem para dúvidas, a responsabilidade pela globalidade dos danos causados, à concessionária.

  27. Sendo inequívoco que tais danos nunca poderão ser imputados à IP (ex-EP) a qual, nos termos das Bases de Concessão, apenas tem a cargo o pagamento das indemnizações devidas pela expropriação dos terrenos necessários à construção da obra rodoviária.

Nestes termos e nos melhores de direito que suprirão, deve a apresente apelação ser julgado procedente, e em consequência, ser revogado o despacho em crise, com as respectivas consequências legais. Assim decidindo, farão JUSTIÇA.

A. Norte , S.A. juntou contra-alegações, concluindo: A) Não se encontra em discussão nos presentes autos danos resultantes de deficiências ou omissões na conceção, no projeto, na execução das obras e na conservação das Autoestradas.

B) O dano que a Recorrente foi condenada a indemnizar resulta da localização da autoestrada e da sua proximidade à casa dos AA., traduzindo-se o dano numa diminuição da exposição solar e no aumento do ruído, consequência da utilização do viaduto pelo tráfego rodoviário, o que, de modo algum poderá ser imputado à ora Recorrida, que é mera Concessionária.

C) Não resulta provado dos autos (nem sequer foi alegado), qualquer deficiência ou omissão na conceção, no projeto ou na execução da obra ou conservação da autoestrada e muito menos resulta que a ora Recorrida tivesse incumprido o contrato de concessão ou qualquer norma técnica ou instrução do Concedente por referência ao projeto e/ou à sua execução.

D) A Recorrida também não responde pelos sacrifícios especiais e anormais alegadamente sofridos por terceiros decorrentes da existência daquela via estruturante no local dos autos. Aliás, trata-se de factos e a processo anteriores à entrada em vigor da Lei n.° 67/2007, de 31/12, logo não aplicável à Recorrida. Ainda que assim não fosse, E) A escolha do traçado da autoestrada compete ao Concedente, e não à Concessionária (cfr. Base XXX das Bases da Concessão). Com efeito, F) Essa escolha depende exclusivamente de uma opção do Concedente, que fixa, desde logo, o corredor dentro...

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