Acórdão nº 00354/12.6BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução30 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO ACOP-ASSOCIAÇÃO DE CONSUMIDORES DE PORTUGAL instaurou acção administrativa especial contra V.-EMPRESA DE ÁGUAS E SANEAMENTO DE (...), E.I.M.S.A. (posteriormente foram admitidos, como intervenientes, os Municípios de Guimarães e Vizela), todos melhor identificados nos autos, pedindo que se seja declarada a ilegalidade do art° 30°, nº 1, alínea c), do Regulamento dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais dos concelhos de Guimarães e Vizela - publicado no DR. 170, de 04/9/2007, habilitado pelo D.L. nº 207/94, de 06/8, entretanto revogado pelo D.L. n° 194/2009, e pelo Decreto Regulamentar nº 23/95, de 23/8, por violação do disposto nos artºs 282º e segs. do Dec. Reg. 23/95, de 23/8, e que a V. seja condenada, para além do mais, a abster-se de cobrar as quantias exigidas para a instalação dos ramais de ligação aos consumidores/utentes das Freguesias de Serzedelo e Guardizela; a restituir a cada um desses consumidores/utentes dessas freguesias, individualmente considerados os montantes cobrados ou a cobrar e a interromper, de imediato, o pedido/aceitação de pagamento parcelar, ora em curso, relativamente a esses mesmos consumidores/utentes.

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada parcialmente procedente a acção e: -condenada a Ré V. a abster-se de proceder à cobrança de quantias relativas à instalação/ligação aos respectivos ramais de ligação aos consumidores das Freguesias de Airão (S. João Batista), Figueiredo, Leitões e Oleiros; -condenada a Ré V. na restituição das quantias cobradas a esse título aos consumidores das Freguesias de Airão (S. João Batista), Figueiredo, Leitões e Oleiros; -considerados improcedentes os demais pedidos formulados.

Desta vêm interpostos recursos: Alegando, a Ré V.

concluiu: 1º Foi fixada na matéria de facto um ofício do extinto IRAR- Instituto Regulador de Águas e Resíduos, com o nº 000575/2007, de 7 de Fevereiro de 2007, que a Autora juntou com a sua acção, e que versa sobre uma situação particular, a reclamação à facturação de ramais de ligação na freguesia da Marinha das Ondas (Figueira da Foz), e não foi considerado o parecer que a Ré juntou aos autos com a sua contestação da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, I.P. actualmente com a designação de ERSAR, emitido em 2011-05-20, sobre o assunto “tarifas de ramal de ligação”, de carácter geral e abstracto, o qual contém o entendimento actual e perfilhado pela entidade reguladora do sector sobre a matéria em causa nesta acção.

  1. Dada a relevância deste parecer devia o mesmo fazer parte da factualidade fixada na sentença recorrida, sendo certo que é sobre a matéria de facto considerada provada que é formulado o juízo de direito.

    Impõe-se, assim, o aditamento de um novo facto, que passaria a ter o nº 6, com o seguinte conteúdo: “Pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, I.P. actualmente com a designação de ERSAR, foi emitido em 2011-05-20, um parecer sobre o assunto “tarifas de ramal de ligação”, do qual designadamente consta que a responsabilidade pelo pagamento dos custos de construção dos ramais de ligação é dos respectivos utilizadores e a legitimidade das entidades gestoras repercutirem esses custos através de tarifas especificas aplicadas por ocasião da construção dos ramais de ligação – conforme documento de fls. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.” 3º Por outro lado, e, com todo o respeito, a sentença padece das nulidades estatuídas no art. 668º, nº1, al.s b) e c) do C.P.C.

    ex vi art. 1º do CPTA, porque não especifica os fundamentos de direito que justificam a decisão e porque os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão.

  2. Na sentença recorrida o Meritíssimo Juiz considerou que o art. 30º nº 1 al. c) do Regulamento dos Sistemas Públicos e Prediais (…) de Guimarães e Vizela não é ilegal, ao prever que o custeamento de tal operação (construção do ramal de ligação) deve ser suportado pelo respectivo utente, no entanto, tal custeamento não poderá ser feito cobrando directamente dos utentes as quantias, conforme vem sucedendo, e condenou a V. a abster-se de proceder à cobrança das quantias relativas à instalação/ligação aos respectivos ramais de ligação aos consumidores das freguesias de Airão (S. João Batista), Figueiredo, Leitões e Oleiros, e ainda a restituir-lhes as quantias já cobradas a esse título.

  3. Esta norma regulamentar prevê a responsabilidade do utilizador pagar o respectivo ramal de ligação e a faculdade da V. lhe exigir tal pagamento e é ao abrigo desta e doutras normas, legais e regulamentares, que a V. vem cobrando dos utilizadores os custos da construção dos respectivos ramais de ligação.

  4. Ora, se a norma do art. 30º do Regulamento não é ilegal fica-se sem saber, porque a sentença não o diz, porque razão a Ré V. não pode fazer a cobrança da forma como vem fazendo e qual a disposição legal que está a infringir ao actuar da forma como actua.

  5. Não basta dizer-se que a V. não pode cobrar directamente dos utentes as quantias correspondentes aos ramais domiciliários, é necessário que se fundamente de facto e de direito as razões porque o não pode fazer.

  6. Se uma das normas regulamentares ao abrigo da qual a Ré vem sustentando a cobrança de ramais domiciliários não é considerada ilegal, nem outras o foram, qual é então a norma jurídica que está a violar para não poder proceder à cobrança da forma como vem fazendo? A sentença recorrida não o diz.

  7. Ora, para a Ré ser condenada a abster-se de proceder à cobrança das quantias relativas à instalação/ligação aos respectivos ramais de ligação e condenada a restituir as quantias já cobradas a esse título aos consumidores das freguesias de Airão (S. João Batista), Figueiredo, Leitões e Oleiros, é porque o Sr. Juiz considera a sua actuação ilegal, e se é ilegal é porque está a infringir normas legais, no entanto, a sentença recorrida não diz quais, sendo totalmente omissa quanto a isso, ou seja, não especifica os fundamentos de direito que justificam a decisão, o que constitui nulidade nos termos do art. 668º nº 1 al. b) do C.P.C.

    ex vi art. 1º do CPTA.

  8. Acresce que os fundamentos da sentença estão em manifesta oposição com a decisão, na medida em que toda a fundamentação da sentença conduzia a uma decisão diversa da que foi proferida.

  9. Com efeito, se atentarmos ao conteúdo da sentença recorrida verificamos que a mesma é praticamente uma reprodução do parecer do Ministério Público que considera que a acção devia ser julgada improcedente, mas apesar de a argumentação ser a mesma a decisão é oposta.

  10. Ora, toda a argumentação desenvolvida ao longo da sentença aponta claramente no sentido de que cabe aos utilizadores pagarem os custos de construção dos ramais de ligação e que a cobrança desses custos pela entidade gestora é legítima, legal e justa, mas a decisão foi em sentido oposto e condenou a Ré V. a abster-se de cobrar tais quantias e ainda a condenou a reembolsar os consumidores das freguesias aqui representados pela Autora.

  11. A sentença recorrida corporiza assim um vício lógico de raciocínio pois as suas premissas de facto e de direito impunham uma decisão e acabou por extrair outra oposta.

  12. Como tem sido entendimento da nossa jurisprudência, uma sentença é nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou acórdão expressa (A. dos Reis, C.P.C. Anotado, 5º- 141: A. Varela, Manuel 1ª Edição, pág. 671).

  13. A sentença recorrida padece assim da nulidade prevista no art. 668º nº 1 al. c) do C.P.C.

    ex vi art. 1º do C.P.T.A., dado que os seus fundamentos estão em manifesta oposição com a decisão.

  14. A sentença recorrida enferma ainda de erro de julgamento.

  15. É hoje entendimento generalizado quer da doutrina, quer da jurisprudência, que a responsabilidade pelo pagamento dos custos de construção dos ramais domiciliários é dos respectivos utilizadores e que as entidades gestoras dos sistemas públicos de água e saneamento têm a faculdade de lhes exigir tais custos não obstante os mesmos integrarem, com a sua construção, a rede do serviço público respectivo.

  16. Neste sentido decidiram já tribunais judiciais, conforme sentenças que foram juntas aos autos pela Ré na sua contestação, e recentemente também o Tribunal Central Administrativo do Norte, no seu acórdão de 22.02.2013, proc. nº 180/08.7BEBRG, disponível in www.dgsi.pt.

  17. De facto, face ao quadro legal actual este é o entendimento certo e correcto, já não sendo válida a interpretação à contrario sensu do art. 283º do Decreto Regulamentar nº 23/95, de 23/08.

  18. A questão que se pode colocar é a de saber de que forma os custos com a construção dos ramais de ligação podem ou devem ser repercutidos nos utilizadores: se de forma individualizada, ou seja, através de tarifas especificas aplicadas por ocasião da construção dos ramais de ligação, ou antes de forma difusa como mais um encargo a recuperar através das tarifas aplicadas mensalmente aos utilizadores do serviço (tal como a construção e manutenção das redes).

  19. A existência de tarifas específicas de ramal constitui uma prática frequente dos municípios portugueses, embora a Entidade Reguladora se incline para considerar preferível a aplicação dos custos de forma difusa, ou seja, diluindo-os mensalmente com a respectiva factura, aos utilizadores do serviço, melhor dizendo, diluindo o preço do ramal ou no preço da água ou criando uma tarifa especifica a ser paga mensalmente pelos utilizadores.

  20. No entanto, a cobrança de forma individualizada, ou seja, através de tarifas específicas aplicadas por ocasião da construção dos ramais de ligação, é uma prática legal e válida face ao quadro legal existente, como é considerado pela entidade reguladora e consta do seu parecer junto aos autos, sendo certo que...

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