Acórdão nº 00684/17.0BECBR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução30 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: S.

(R. (…)), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra em acção administrativa intentada contra Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico (...) e Instituto Politécnico (...) (R. (…)), Conclui: I. Os novos atos praticados, após anulação dos atos administrativos impugnados, enquadram-se no artigo 173º, nº 3, do CPA, pois pensamos estar perante uma substituição do ato anulado por outro do mesmo conteúdo, porquanto estava em causa o ato de distribuição do serviço de docente e o ato de aplicação à Recorrente do Regulamento do Horário de Trabalho não docente que foram substituídos por outros atos sem as invalidades que inicialmente feriam estes atos impugnados, ou seja, substituindo por outro que efetivamente distribui serviço à Recorrente e por outro que desaplica aquele Regulamento; II. Os atos substituídos impunham deveres e restrições à Recorrente, nomeadamente a restrição de exercício da profissão e o dever de sujeição a um horário de trabalho não correspondente com a função de docente desempenhada, tendo causado efeitos lesivos que a sua anulação não sanou, nomeadamente o encurtamento do tempo de período experimental em exercício efetivo de funções para a aquisição das valências necessárias; III. Nessa medida, deverá considerar-se estarmos perante uma situação do artigo 173º, nº 3, do CPA e, como ensina LUIZ S. CABRAL MONCADA, ob. cit., p. 624, de acordo com o nº 3, se o acto substituído for desfavorável aos interessados por lhes impor deveres, ónus, encargos ou sujeições, a renovação do ato não impede a destruição administrativa (ou judicial) retroactiva dos efeitos gerados antes da substituição do acto nem, acrescentaríamos, um pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual da Administração por acto ilícito pelos danos produzidos durante esse período anterior à substituição» - no mesmo sentido veja-se o comentário de ELIANA ALMEIDA PINTO, ISABEL SILVA e JORGE COSTA, Juízes de Círculo, Código de Procedimento Administrativo Comentado, Quid Juris, 2018, Lisboa, p. 432, que, em comentário ao nº 3 do artigo 173º referem que este preceito admite «(…) a possibilidade de, além da destruição retroativa dos efeitos por aquele entretanto produzidos, os interessados podem ser indemnizados por responsabilidade civil extracontratual da Administração por ato ilícito, caso o ato substituído tenha gerado»; IV. Caso assim não se entenda, isto é, caso se entenda que os atos que vieram substituir os atos impugnados não se enquadram em nenhuma das situações do artigo 164º, nº 5, e do artigo 173º, nº 3, do CPA, por não serem atos sanatórios com o mesmo conteúdo dos atos substituídos, entendemos que deverá fazer-se uma interpretação extensiva do preceito constante do artigo 64º, nº 6, do CPTA – para abranger não só aquelas situações mas situações semelhantes à da Recorrente –, nomeadamente uma interpretação conforme a Constituição, uma vez que a não aplicação do preceito ao caso violará, de forma clara, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, pois impede a Recorrente de anular os efeitos lesivos do ato ou substituir tal anulação por um pedido indemnizatório, caso tal anulação não seja possível, sendo que em relação a este último pedido, obriga a que a Recorrente intente nova ação para o efeito; V. Haverá, assim, uma interpretação inconstitucional do artigo 64º, nº 6, do CPTA, por violação do artigo 20º e 268º, nº 4, do CRP, que impõe, nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2006, Coimbra, p. 416, “ (…) uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e organização e processo de protecção e garantia”; VI. Procura-se, assim, também, que a parte que recorre aos tribunais não se tenha que desdobrar em múltiplos processos, com as suas naturais delongas, para ver o seu direito efetivamente reconhecido, referindo aqueles constitucionalistas, em relação à justiça administrativa, a «(…) prevalência da decisão de fundo sobre a mera decisão de forma e com a adopção do princípio da adequação formal (cfr. Cód. Proc. Civil, art. 265º2)» bem como a «adopção de decisões que julguem adequadamente todas as pretensões dos particulares dirigidas à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos»; VII. Concretamente em relação aos deveres do juiz da causa e ao artigo 268º, nº 4, face a este direito à tutela jurisdicional efetiva, ensina GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, 20ª Reimpressão, Almedina, 2003, Coimbra, p. 503, «[o] facto de se tratar de uma imposição legiferante não significa que o juiz não possa aplicar directamente este preceito interpretando o direito ordinário em conformidade com a Constituição. Isso terá desde logo relevância prática: (1) na desaplicação por inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento legal a uma protecção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares; (2) na formatação judicial constitucionalmente adequada de instrumentos processuais existentes (..)» (o sublinhado é nosso); VIII. Ou seja, in casu, perante uma situação de anulação de ato e substituição por um novo ato que se entenda não se enquadrar nos artigos 164º, nº 5, e 173º, nº 3, do CPA, deveria a douta sentença recorrida ter aplicado o instrumento processual previsto no artigo 64º, nº 6, do CPTA, por forma a não deixar desprotegidos os direitos e interesses legais da Recorrente, não a obrigando a intentar nova ação administrativa, multiplicando os meios necessários à sua pretensão única com os correspondentes custos que lhe estão adjacentes, para ver a totalidade da sua pretensão satisfeita; IX. A entender-se, ainda, não ser possível a interpretação extensiva ora defendida e conforme a constituição, o que também não se concede, então deverá considerar-se estarmos perante uma lacuna do legislador e, perante a mesma, nos termos do disposto no artigo 10º, nº 1, do Código Civil, regulá-la pela lei aplicável aos casos análogos; X. No caso sub judice é possível perceber que as situações previstas nos artigos 164º, nº 4, e 173º, nº 3, do CPA, são semelhantes à da Recorrente, no sentido em que, colocando a hipótese de não serem iguais, as semelhanças são mais relevantes que as diferenças e que, por isso, deverá ser aplicável o regime do artigo 64º, nº 6, do CPTA; XI. Para além do erro de julgamento quanto à aplicabilidade do artigo 64º, nº 6, do CPTA, considera a Recorrente que a douta sentença recorrida incorreu também em erro de julgamento quanto à ilegalidade dos novos atos impugnados por constituírem assédio moral, ao considerar que «não caberá ao Tribunal sindicar, de fundo, a bondade ou conveniência da justificação apresentada para manter o exercício de funções ao sábado, de modo contínuo, já que tal está reservado ao domínio da atividade discricionária da Administração, salvo casos de erro manifesto ou ilegalidade grosseira, o que não ocorre in casu» e que «à luz da factualidade assente, no 2º semestre do ano letivo de 2017/2018, também ao docente C. foi atribuído um horário em que o mesmo leciona a unidade curricular de Análise Matemática II aos sábados, de modo contínuo (cfr. Ponto 33 dos factos provados), pelo que não é a A. a única docente do IPG sem horário rotativo aos sábados»; XII. A deliberação de 02.02.2018, do Conselho Técnico Científico (CTC) determinou a distribuição do serviço docente para o 2º semestre do ano letivo de 2017/2018, resultando esta distribuição na lecionação, por parte da Recorrente, de aulas ao sábado, sem rotatividade, nos períodos da manhã e da tarde; XIII. Interpelada em 21.02.2018 a sugerir alterações ao horário ainda provisório a Recorrente de imediato solicitou as mesmas sugerindo substituir o sábado por quinta e sexta notando que os demais colegas usufruíam de horários rotativos ao sábado, cf. Ponto 30 dos factos dados como provados pela douta sentença recorrida, pretensão que foi negada com fundamento na «disponibilidade dos alunos trabalhadores estudantes».

XIV. Ora, a douta sentença recorrida não atenta às regras do ónus da prova no contexto da invocação do assédio moral com intuito discriminatório, constante do artigo 25º, nº 5, do Código do Trabalho, no sentido do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01.06.2017, proferido no âmbito do processo nº 816/14.0T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt; XV. Nessa medida, tendo fundamentado a Entidade Recorrida a atribuição de tal horário na conciliação com o horário dos trabalhadores estudantes bem como na existência de um outro docente com igual horário ao sábado, sem rotatividade, não podia a douta sentença recorrida, sem mais, considerar tal se enquadrar no âmbito da discricionariedade decisória da Administração Pública, exigindo que tal fundamentação fosse devidamente provada, para que pudesse afastar a imputação da existência de assédio moral contra a Recorrente com fundamento em discriminação; XVI. Assim, considerando o enquadramento legal do assédio moral, tinha a Entidade Pública que provar (i) o horário proposto pela Recorrente ou outro equivalente com exclusão do sábado era impossível de concretizar em parte ou no todo por conciliação de interesses dos intervenientes e que era o horário que melhor se conciliava com os trabalhadores estudantes; (ii) e ainda que os alegados trabalhadores estudantes usufruíam efetivamente do estatuto de trabalhador estudante por se terem inscrito de forma comprovada como tal; e ainda que (iii) os factos que demonstram que ao outro docente foi distribuído o horário nas mesmas circunstâncias; XVII. Note-se, em relação a este último aspeto, que não basta referir que há outro docente, pois o horário pode ter sido atribuído porque o mesmo o solicitou, por ser mais conveniente para a...

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