Acórdão nº 00005/11.6BUPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelManuel Escudeiro dos Santos
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: *1. RELATÓRIO ASSIMAGRA - Associação Portuguesa dos Industriais de Mármores, Granitos e Ramos Afins e ANIET - Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora, devidamente identificadas nos autos, inconformadas vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 17-10-2007, que na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com as normas regulamentares constantes dos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 8.º 9.º e 10.º do Regulamento Municipal de Liquidação e Cobrança de Taxa pela Exploração de Inertes no Concelho de (...) aprovado pela Assembleia Municipal de (...), publicado no Diário da República n.º 262, II série, Apêndice n.º 139, de 10/11/1999, julgou a impugnação procedente no que diz respeito à ilegalidade da norma constante do art.º 9.º, n.º 2 do Regulamento Municipal de Liquidação e Cobrança de Taxa pela Exploração de Inertes no Concelho de (...), e improcedente na parte restante.

Formularam nas respetivas alegações (cfr. fls. 223-248), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) i) Das nulidades 1. A decisão recorrida, ao não declarar a ilegalidade da referida parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regulamento Municipal, apenas o fazendo em relação ao n.º 2 do artigo 9.º, padece de contradição entre a decisão e a fundamentação, sendo nula, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

  1. A decisão recorrida, ao não apreciar a questão da ilegalidade da taxa criada pelo Regulamento Municipal por desrespeito da respetiva norma habilitante, constante da alínea d) do n.º 3 do artigo 51.º, e do n.º 2 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de março, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 18/91, de 12 de junho, incorre em omissão de pronúncia, sendo nula, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

  2. A decisão recorrida incorre, ainda, em omissão de pronúncia, porquanto não se pronuncia sobre a ilegalidade dos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 8.º e 9.º do Regulamento Municipal, sendo nula, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

    ii) Dos erros de julgamento 4. Em primeiro lugar, mal andou a decisão recorrida ao entender existir uma verdadeira contraprestação por parte do município, a qual sempre teria de ser individual para poder servir de base à criação de uma taxa, quando, no caso sub judice, tal não sucede, na medida em que a conservação das estradas municipais e a preservação do ambiente e da qualidade de vida, mesmo se entendidas como (estranhas) contraprestações do Estado, não são individualmente fruídas pela indústria extrativa, antes beneficiando todos os munícipes, pelo que o seu financiamento deve ser assegurado por todos, por meio de impostos, e não /imputado aleatoriamente a um número restrito dos seus beneficiários por meio de uma taxa, sob pena de uma gritante violação do princípio da igualdade.

  3. Ao mesmo tempo, e na medida em que o tributo em causa seria cobrado independentemente do surgimento de prejuízos para a autarquia, apenas se pode concluir pela verificação de uma manifesta desproporção entre o valor da taxa e o valor do serviço alegadamente prestado, pelo que tal tributo assume a natureza de um verdadeiro imposto, donde resulta a sua inconstitucionalidade material, orgânica e formal, 6. Por um lado, um imposto, como este, que incide sobre o valor de venda dos bens objeto da atividade das empresas extrativas, colide, inevitavelmente, com o estatuído no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição, nos termos do qual a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

  4. Por outro lado, a criação de impostos e a definição dos seus elementos essenciais - como a taxa, a incidência, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes ─ está sempre sujeita ao princípio da legalidade, no que diz respeito à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, ou seja, às regras estabelecidas nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, reforçados pelos artigos 4.º e 8.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Lei Geral Tributária.

  5. Neste sentido, a decisão recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 104.º, do n.º 2 do artigo 103.º e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º, todos da Constituição.

  6. Em segundo lugar, ainda que o tributo em causa revestisse a natureza de taxa — o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite sempre se haveria de concluir pela sua inconstitucionalidade.

  7. Por um lado, o princípio da proporcionalidade, vertido no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, sempre obrigaria a que o cálculo da taxa prevista no Regulamento Municipal tivesse por base os danos efetivamente causados e não o valor da venda dos inertes extraídos, conforme pretendido no artigo 4.º do Regulamento Municipal.

  8. Por outro lado, o tributo em causa, atenta a sua base de incidência, é ainda violador do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, na medida em que trata de forma diferente aquilo que é igual, porquanto, ao fazer depender o seu quantum do valor da venda dos inertes, forçoso será concluir que perante a mesma tonelagem de produto extraído, uma entidade que cobre um valor mais elevado pela respetiva venda pagará também uma taxa mais elevada, ainda que não haja um correspetivo aumento dos prejuízos que se visa ressarcir ou prevenir.

  9. De outro modo, e a vingar a tese vertida na decisão recorrida, ter-se-ia que concluir que o ambiente, a qualidade de vida e as estradas municipais só seriam lesados se os inertes fossem vendidos, sendo-o tanto mais quanto mais elevado o preço dessa venda.

  10. Neste sentido, a decisão recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 13.º e do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.

  11. Em terceiro lugar, ainda que, como bem entendeu o Tribunal a quo, a reserva de competência legislativa da Assembleia da República apenas abrange, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, o regime geral das contraordenações, isso não obsta a que o princípio da legalidade se aplique em toda a sua extensão ao direito de mera ordenação social e não apenas ao seu regime geral.

  12. Assim, apenas podem ser criadas contraordenações por meio de ato legislativo, i.e., através de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional, encontrando-se esta matéria subtraída ao poder regulamentar das autarquias locais.

  13. Tal resulta expressamente do artigo 2.º do Regime Geral das Contraordenações, o qual dispõe que “[s]o será punido como contraordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática”, pelo que a criação de uma contraordenação através do Regulamento Municipal se afigura contrária à ora citada norma e, consequentemente, ilegal.

  14. Ao mesmo tempo, o Regulamento Municipal é também inconstitucional, porquanto, de acordo com a generalidade da doutrina, o princípio da legalidade, vertido no artigo 29.º da Constituição, apesar de literalmente apenas se referir à lei penal, é igualmente aplicável às contraordenações.

  15. Neste sentido, e ao contrário do sentido da decisão recorrida, apenas se pode concluir que o artigo 10.º do Regulamento Municipal é orgânica e formalmente inconstitucional, por violação dos artigos 29.º e 165.º da Constituição, e, bem assim, ilegal, por violação do artigo 2.º do Regime Geral das Contraordenações.

    Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, e, consequentemente: a) Ser declarada nula a decisão recorrida; ou, caso assim não se entenda, b) Ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que declare nulas as normas contidas nos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 8.º, 9.º e 10.º do Regulamento Municipal de Liquidação e Cobrança de Taxa pela Exploração de Inertes, do concelho de (...).” *Não foram produzidas contra-alegações.

    *O Exmo. Procurador Geral-Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso.

    * Pelo acórdão de 27/02/2014, Proc. n.º 28/00 - Mirandela, deste Tribunal, foi decidido negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelas Recorrentes, revogar a sentença recorrida na parte impugnada, declarar ilegais as normas constantes dos arts. 3.º, 4.º, 5.º, 8.º e 10.º do Regulamento Municipal de Liquidação e Cobrança de Taxa pela Exploração de Inertes do Concelho de (...), aprovado, sob proposta da respetiva Câmara Municipal, pela Assembleia Municipal de (...), em 23 de setembro de 1999, e constante do Aviso n° 7786/99 (2.ª Série), publicado no Diário da República, n.° 262, II Série, Apêndice n.° 139, de 10 de novembro de 1999, nos termos e com os efeitos previstos no art. 11.º do ETAF (aprovado pelo D.L. n.° 19/84, de 27-04), ficando prejudicado o mais requerido nos autos.

    *O Exmo. Procurador Geral-Adjunto junto deste Tribunal interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional do acórdão referido, na parte em que declarou ilegais, por inconstitucionalidade formal, orgânica e material, as normas constantes dos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 8.º e 10.º do Regulamento Municipal de Liquidação e Cobrança de Taxa pela Exploração de Inertes no Concelho de (...), publicado no D.R. n.° 262, II série, Apêndice n.°139, de 10.11.1999.

    *O Tribunal Constitucional, por acórdão n.º 179/2015, de 17/05/2015, decidiu não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 8.º e 10.º do Regulamento Municipal de Liquidação e Cobrança de Taxa pela Exploração de Inertes no Concelho de (...); e, em conformidade, concedeu provimento ao recurso.

    *Atendendo à existência do processo em suporte informático e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se os vistos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do Código de...

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