Acórdão nº 01155/19.6BEPRT-R1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | Paulo Moura |
Data da Resolução | 22 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: «Massa Insolvente de G., Lda.
» vem, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, nos.
3 e 4 do Código de Processo Civil, Reclamar para a Conferência da Decisão Sumária que rejeitou a Reclamação deduzida contra o Despacho proferido pelo M.
mo Juiz do TAF do Porto, que havia admitido o recurso interposto da sentença proferida em 14 de novembro de 2019.
Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: I. A Massa Insolvente de G., Lda. não se conformando com a decisão sumária de 18/05/2020 que, por “falta de conclusões”, rejeitou a Reclamação, vem reclamar para a conferência, nos termos do artigo 652º, nº 4 do CPCivil.
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Analisando a reclamação verifica-se que na mesma é possível verificar a existência de conclusões, o que não foi apreciado pelo Tribunal.
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Não podem existir dúvidas de que os Pontos 21, 22, 23, 24, 27 e 32 da Reclamação são verdadeiras conclusões.
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E, bem assim, de forma sintética, a reclamante termina o seu articulado dizendo: “Nestes termos e nos melhores do Direito, Deve a presente reclamação ser deferida e, em consequência, revogada a decisão do Meritíssimo Juiz a quo que não admitiu o recurso interposto e, consequentemente, ordenar a admissão do recurso porquanto o mesmo foi apresentado tempestivamente (cfr. artigo 22º da reclamação), seguindo-se os ulteriores trâmites.
Subsidiariamente, revogar a decisão de não admissão do recurso proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, e, consequentemente, ordenar a admissão do recurso mediante o pagamento da multa referida no artigo 23º da presente reclamação, seguindo-se os ulteriores trâmites.”.
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Portanto, este não pode deixar de ser considerado como um resumo das ideias principais - o que é a definição de conclusão! VI. Assim, a parte, na minuta de reclamação, formulou conclusões, embora de forma não autonomizada mas inegavelmente como tal reconhecíveis, designadamente nos pontos e texto final transcritos.
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Ora, à lei importa que haja conclusões que sejam como tal susceptíveis de ser consideradas, e, mesmo que dúvidas houvesse, não obstante a imperatividade do artigo 641º, n.º 2, alínea b) do CPC, o Tribunal deveria admitir o recurso se verificasse que, embora não autonomizado ou não qualificado como tal, houve um elenco conclusivo e muito particularmente quando ele não obstou à compreensão das razões do recurso e ao exercício do contraditório.
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Deverá valer neste caso o uso judicial de, em face de situações duvidosas, se optar pela admissibilidade em vez da pura rejeição.
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Sem prescindir, em obséquio ao Princípio da Cooperação e Economia Processual, o Tribunal poderia e deveria ter formulado convite para apresentar noutros termos as conclusões.
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Especialmente num caso em que existe, por parte do Tribunal, um erro no que concerne à contagem dos prazos processuais para interposição do recurso decorrente das alterações legais consagradas pela Lei n.º 118/2019 de 17 de Setembro.
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Não admitir a reclamação é obstaculizar o acesso à justiça por parte da recorrente e reclamante, em clara violação do melhor disposto nos artigos 12°, 13°, 18°, 20°, 202° e 203° todos da Lei Fundamental.
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É, com efeito, uma clamorosa violação do Princípio da Materialidade Subjacente.
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Qualquer cidadão tem uma legítima expectativa de vir a obter uma decisão material que conheça do mérito da pretensão que suscitada junto do Tribunal.
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Ao não admitir uma peça processual de suprema relevância para defesa e protecção da ora recorrente, o Tribunal inviabiliza definitiva e irreversivelmente o seu direito de defesa, com único fundamento no incumprimento de exigências de ordem formal - o que põe em causa a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, traduzindo-se na injustificada prevalência de uma decisão meramente formal, em detrimento da decisão do mérito.
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Mais uma vez, o Tribunal deveria e poderia ter admitido a reclamação, e, no limite, formulando convite para apresentar noutros termos as conclusões.
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Ainda, e sem prescindir do demais, antes da reforma do regime dos recursos em processo civil, a falta de conclusões poderia ser suprida, após convite ao recorrente.
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Agora, o mencionado convite só ocorre quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações previstas no n.º 2 do artigo 639º, com vista a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las - o que não foi usado no caso sub judice.
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O que o legislador pretendeu foi que, na situação de falta total de conclusões na alegação de recurso, em processo civil, não houvesse lugar ao despacho convite com vista à sua enunciação.
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Contudo, as regras processuais não podem impor ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais.
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A omissão de conclusões na alegação de recurso, sem a prolação do despacho convite para as formular, sob pena de rejeição do recurso, é de considerar injustificado, desrazoável ou desproporcionado.
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Indeferido o requerimento de reclamação do despacho que não admitiu o recurso não se mostra compatível, nem com a ideia geral da proporcionalidade ínsita no princípio do Estado de Direito, nem com a garantia constitucional do processo equitativo, consagrados no artigo 2.º e no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, respectivamente.
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A garantia judiciária não pode ser um “jogo formal”; outrossim, obtém-se com uma decisão sobre o fundo da causa, fundada no direito.
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A gravidade das consequências processuais é totalmente desproporcionada à gravidade e relevância do desvio introduzido no modelo legalmente previsto, já que torna inviável em última análise o conhecimento do recurso, pelo facto de ser omitida uma formalidade facilmente colmatável.
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Assim sendo, a norma do artigo 641º, n.º 2, alínea b) do CPC, na interpretação de que a falta de conclusões implica a não apreciação do recurso sem previamente proceder em conformidade com o disposto no artigo 639º, n.º 3 do CPC, isto é, sem convidar o recorrente a completar a alegação de recurso com a inclusão das conclusões em falta, é inconstitucional por violação do princípio do processo equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.
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Decidindo como decidiu, ocorre violação das normas contidas nos artigos 12º, 13º, 18º, 202º e 203º da Constituição da República Portuguesa; há uma incorreta interpretação da norma plasmada no artigo 641º, nº 2, alínea b) e do n.º 2 do artigo 639º, devendo, quando muito, aplicar o mecanismo conteúdo no n.º 3 do artigo 639º, todos estes do Código de Processo Civil.
TERMOS EM QUE deverá ser revogada a decisão sumária de 18/05/2020 que, por “falta de conclusões”, rejeitou a Reclamação apresentada, substituindo-a por outra que admitida a Reclamação, com todas as legais consequências.
Notificada a Fazenda Pública para se pronunciar, nada disse.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser admitida a Reclamação para a Conferência.
Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a simplicidade da questão a decidir.
***Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.
As questões suscitadas pela Reclamante, delimitada pelas alegações e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a Reclamação deduzida contra o Despacho do Juiz da 1.ª Instância contém conclusões ainda que não autonomizadas, mas como tal reconhecíveis nalguns pontos das alegações, assim como na parte final da Reclamação, bem assim, como a de saber se a não previsão legal do convite ao aperfeiçoamento, nas situações de falta de conclusões, enferma de inconstitucionalidade, por violação do processo equitativo.
***A Decisão Sumária objeto desta Reclamação para a Conferência, tem o seguinte teor: «Massa Insolvente de G., Lda.
» vem, ao abrigo do disposto no artigo 643.º do Código de Processo Civil, reclamar despacho proferido pelo M.
mo Juiz do TAF do Porto que não admitiu o recurso interposto da sentença proferida em 14 de novembro de 2019.
Cumpre apreciar liminarmente.
Analisadas as alegações efetuadas sobre o Despacho reclamado, verifica-se que as mesmas não contêm conclusões.
Ora, a reclamação contra despacho que não admitiu o recurso, reveste a natureza de um verdadeiro recurso, não obstante o legislador o designar, quer no atual n.º 6 do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro), quer no artigo 643.º do Código de Processo Civil, como uma reclamação.
Refere o n.º 6 do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que: Do despacho do juiz ou relator que não admita o recurso pode o recorrente reclamar, segundo o disposto na lei processual civil, para o tribunal que seria competente para dele conhecer.
O regime estabelecido no Código de Processo Civil (CPC), segue as mesmas regras de um verdadeiro recurso, pois que uma Reclamação para um tribunal superior reveste sempre a natureza de recurso a uma nova instância.
Conforme é sabido um recurso deve conter as alegações e as conclusões que sintetizam os fundamentos da motivação do recurso constante das alegações.
Por...
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