Acórdão nº 00242/16.7BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução16 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE (...), E.P.E., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Praceta (…), instaurou acção administrativa, contra a CITE - COMISSÃO PARA A IGUALDADE NO TRABALHO E NO EMPREGO.

Indicou como contrainteressada T., enfermeira, com domicílio profissional no Serviço de Transplantação Renal do Autor, localizado na sede deste.

Pediu a anulação do parecer n.º 30/CITE/2016, de 20.01.2016, e a condenação da Entidade Demandada a praticar um acto “de emissão de parecer no sentido de inexistência de recusa de pedido de horário flexível ou, se assim não se entender, de parecer favorável à recusa de pedido de horário flexível onde se exclua a prestação de trabalho aos fins-de-semana.”.

Por decisão proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada procedente a acção e condenada a Entidade Demandada a emitir parecer prévio no sentido de que os n.ºs 2 e 3 do artigo 56.º do CT apenas permitem ao trabalhador escolher os limites diários do trabalho e não os dias da semana em que trabalha.

Desta vêm interpostos recursos.

Alegando, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) formulou as seguintes conclusões:

A) Na emissão do parecer n.º 30/CITE/2016, a CITE observou todos os requisitos legais, face aos elementos constantes do processo de intenção de recusa de autorização de trabalho em regime de horário flexível a trabalhadora com responsabilidades familiares, cujo período normal de trabalho diário, a que se refere o n.º 2 do artigo 56.º do CT, não distingue os dias da semana, pelo que não exclui a possibilidade de escolha do dia ou dias de descanso semanal.

B) Os artigos 198.º e 200.º do Código do Trabalho (CT) confirmam a tese do parecer da CITE.

C) Na verdade, estes artigos definem os conceitos de período normal de trabalho e de horário de trabalho, que estão subjacentes à definição de horário flexível, a que aludem os artigos 56.º e 57.º do CT.

D) Com efeito, o artigo 198.º do CT refere que “o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana, denomina-se período normal de trabalho”.

E) E o n.º 1 do artigo 200.º do CT dispõe que se entende “por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal”.

E, o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que “o horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal”.

F) Neste sentido, ensina o prof. Monteiro Fernandes que “o horário de trabalho compreende não só a indicação das horas de entrada e de saída do serviço, mas também a menção do dia de descanso semanal e dos intervalos de descanso” [pág. 336 da 12.ª edição (2004), da sua obra “Direito do Trabalho”].

G) O artigo 56.º do Código do Trabalho (CT) é um corolário do princípio da conciliação da atividade profissional com a vida familiar, consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que essa conciliação não é restrita, nem pode ser restrita a um dia da semana, pois, como é do conhecimento geral, as creches e os infantários estão normalmente encerrados aos sábados, domingos e feriados e a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal não se faz apenas a determinado dia da semana, mas em todos os dias da semana, sobretudo quando o período normal de trabalho abrange todas os dias da semana e é permanente, como no caso “sub judice”.

H) Nos termos do n.º 3 do artigo 127.º, da alínea b) do n.º 2 do artigo 212.º e do n.º 2 do artigo 221.º todos do CT, aplicáveis, também, aos/às trabalhadores/as em funções públicas, por força do artigo 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e, em conformidade, com o correspondente princípio, consagrado na já referida alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP, a entidade empregadora deve proporcionar ao/à trabalhador/a condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal e, na elaboração dos horários de trabalho, deve facilitar ao/à trabalhador/a essa mesma conciliação, e, na medida do possível, os turnos devem ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestadas pelos/as trabalhadores/as.

I) Nos termos do n.º 1 do artigo 24.º do CT, o/a trabalhador/a tem direito à igualdade de oportunidades e de tratamento, designadamente, no que se refere às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, da situação familiar, situação económica, ou condição social, ou, acrescenta-se, da atividade profissional, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.

J) E, nos termos do n.º 1 do artigo 25.º do CT “o empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior”.

K) Tais normas decorrem dos princípios constitucionais consagrados na alínea d) do artigo 9.º e no artigo 13.º, ambos da CRP.

L) Isto significa que os/as trabalhadores/as que têm uma atividade profissional cujo período normal de trabalho pode abranger todos os dias da semana, como no caso “sub judice”, não podem ser discriminados/as, relativamente aos/às trabalhadores/as cuja atividade profissional abrange apenas os dias úteis de 2ª a 6ª feira, e, portanto, não necessitam de escolher o dia ou dias de descanso semanal.

M) Os/as referidos/as trabalhadores/as que têm uma atividade profissional cujo período normal de trabalho pode abranger todos os dias da semana, também, não podem ser discriminados/as relativamente aos/às trabalhadores/as que, tendo, igualmente, uma atividade profissional que abranja todos os dias da semana, têm uma situação familiar, ou uma situação económica, ou uma condição social que lhes permita ter outros recursos para conciliar a sua atividade profissional com a sua vida familiar e pessoal.

N) Pelo que, não faz sentido a afirmação da sentença recorrida, segundo a qual o/a trabalhador/a “teria margem para organizar o horário de trabalho a seu bel prazer, de acordo com interesses pessoais”, porque o/a trabalhador/a apenas tem direito, nos termos dos artigos 56.º e 57.º do CT, a solicitar / requerer o horário flexível à sua entidade empregadora, dentro de certos limites, que são os limites previstos na lei, como por exemplo, o estabelecido no n.º 4 do citado artigo 56.º do CT.

O) Ao fazer um pedido mais alargado, escolhendo também o dia ou dias de descanso semanal, o/a trabalhador/a possibilita à entidade empregadora, se for esse o caso, apresentar mais e melhores fundamentos que demostrem as exigências imperiosas do seu funcionamento ou a impossibilidade de substituir o/a trabalhador/a, para justificar a recusa do pedido de horário flexível, o que, no caso em análise, não sucedeu.

P) Assim, face ao que antecede e pelo que será suprido, deve dar-se provimento ao presente recurso, em virtude da falta de fundamentação legal da sentença recorrida, por não ter aplicado bem os preceitos referidos nas alíneas anteriores, devendo interpretar-se e aplicar-se no sentido aí expresso, anulando-se a sentença recorrida, por constituir uma discriminação em razão da atividade profissional, da situação familiar, da situação económica, e/ou da condição social dos/as trabalhadores/as em causa, relativamente a outros/as trabalhadores/as, substituindo-se por outra decisão, nos termos do artigo 149.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que não restrinja o direito dos/as citados/as trabalhadores/as a solicitar, no âmbito do horário flexível, se assim o entenderem, o dia ou os dias de descanso semanal, o que se afigura de elementar JUSTIÇA.

Não foram oferecidas contra-alegações.

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses alegando, concluiu: 1 - A Entidade Recorrida (o CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE (...), E.P.E.) é uma pessoa colectiva pública, integrada na administração indirecta do Estado – ou, também assim se podendo dizer, é um instituto público, de regime especial, integrado na administração indirecta do Estado: - Base XII, nº 4, e Base XXXVI, nº 1, da Lei nº 48/90, de 24 de Agosto (Lei de Bases da Saúde), artºs 1º, nº 1, 2º, nº 1, 6º, nº 2, e 48º, nºs 1, c) e 2, da Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro (Lei Quadro dos Institutos Públicos), artºs 1º, nº 1, 2º, nºs 1 e 2, 5º, nºs 1 e 2, e 70º do Decreto-Lei nº 133/2013, de 3 de Outubro (sector público empresarial), artºs 1º, nºs 1 e 3, 2º, b), 18º, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro (regime jurídico das entidades que integram o Serviço Nacional de Saúde afectos à rede de prestação de cuidados de saúde), em leitura harmoniosamente conjugada.

2 - O cânone interpretativo fundamental da legislação infra-constitucional é a sua conformidade com o disposto na Constituição da República Portuguesa ou os princípios nela consignados (artºs 3º, nº 3, e 277º, nº 1, da CRP).

2.1 - À face da Constituição da República Portuguesa a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes (artº 68º, nº 2), é insubstituível a acção dos pais e das mães em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia da sua realização profissional (artº 68º, nº 1) e as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral (artº 69º, nº 1).

2.2 - Assim, a atribuição de direitos à mãe e ao pai, concretizadores da protecção na parentalidade, é feita ordenadamente ao superior interesse da criança – e que é de ter primacialmente em conta [artº 3º, nº 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança – aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 (in D.R., I Série, nº 211, de 12/Setembro/1990) e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 20/90, de 12 de...

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