Acórdão nº 02639/17.6BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução18 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO C., LDA., devidamente identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a presente Ação Administrativa contra a ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, E.P.E [ENMC], peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser “(…) [revogada a] decisão proferida pelo ENMC e isente a Autora do pagamento de quaisquer compensações a arbitrar nos termos do artigo 24.° do DL 117/2010 de 25/10, por tal medida não lhe ser aplicável, desde logo face ao seu Estatuto de Destinatário Registado, que a afasta da categoria de Incorporador (…)”, e, bem assim, “(…) declarada a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 24.° do DL 117/2010, de 25-10 e artigo 1.° da Portaria n.° 301/2012, de 2 -12, por violação do Princípio da Proporcionalidade p. e p. no artigo 18.°, n.°2 da CRP, pois os valores previstos para a incorporação excedem em cerca de 500% os valores habitualmente correspondentes ao preço dos TdB disponíveis no mercado para transacção e estes não existem no mercado, colocados por entidade responsável pela sua emissão, em número suficiente para satisfação da procura que o cumprimento das metas de incorporação exige e consequentemente ser revogada a Douta Decisão em crise, que ao abrigo destes dispositivos, condenou a Autora ao pagamento do valor de 142.000,00€ a título de Compensação pela falta de Títulos de Biocombustível (TdB) por referencia ao primeiro trimestre de 2017 (…)”.

O T.A.F. de Braga, por sentença datada de 14.06.2019, declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da presente ação e determinou a remessa dos autos à área tributária daquele Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

É desta sentença que a ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, E.P.E vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso: “(…) A. Entendeu o Tribunal a quo não ser competente em razão da matéria para conhecer dos presentes, tendo remetido os mesmos para o Tribunal Fiscal de Braga, pois que, “Atento os contornos do litígio evidenciados quer pela Petição Inicial quer pelos documentos juntos com o mesmo articulado, está em causa, e em suma, a (i) legalidade do ato - decisão proferida no processo n.° 013/UB/2016, a correr termos nos serviços da Ré - ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, EPE, que determinou o pagamento da quantia de €4.516.000,00 (quatro milhões quinhentos e dezasseis mil euros) à Autora relativos a compensações pelo alegado incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustível relativas ao ano de 2015”.

B. Partindo da necessidade da necessidade de apurar da natureza da compensação, o douto Tribunal a quo questiona, sem mais, se “As compensações pela incorporação deficiente de biocombustível, devidas nos termos do Decreto-lei n.° 117/2010, de 25 de outubro (supra referido) constituem tributos?”, mais tendo concluindo que, “No caso em apreço, está em causa, manifestamente, a aplicação de normas de direito fiscal uma vez que a pretensão as compensações previstas no artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 117/2010 constituem tributos (públicos), revestindo as características próprias acima referidas - são prestações pecuniárias coativas, devidas a entidades públicas para satisfação das suas finalidades.” C. Justificou o douto Tribunal a quo sua convicção, assim descrita, no facto de: • "O Decreto-Lei n.° 117/2010 citado (..) estabelece um regime de compensações e contraordenações relativamente aos operadores que desrespeitem as suas obrigações de incorporação, sendo que uma das obrigações - a que aqui releva - é a aquisição de títulos de biocombustíveis a terceiros, sendo estes em princípio transacionáveis em mercado por produtores e incorporadores. Dispondo o artigo 24.° do citado DL, que sempre que os operadores não consigam apresentar títulos de biocombustíveis (TdB) que atestem o cumprimento das respetivas obrigações de incorporação ficam sujeitos ao pagamento de compensações, determinadas por cada TdB que esteja em falta.”; • "No caso de o operador não cumprir, a ENMC despoleta o procedimento de imposição do pagamento da compensação aplicável (..)”; • "(..) também por vontade do legislador, que o facto gerador da obrigação de pagar as compensações estabelecidas no citado artigo 24.° do DL n.°117/2010, está no incumprimento das obrigações de incorporação previstas no referido artigo 11.°, relativa à falta de apresentação dos TdB, sendo a vontade das partes irrelevante quer quanto ao seu conteúdo, validade e momento, pois que na falta da apresentação referida, nasce de imediato a obrigação legal de pagar as compensações.”; • "As compensações que no DL n.° 117/2010 estão fixadas são devidas a entidades públicas para a satisfação das suas finalidades próprias.” D. Ora, com o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o pugnado pelo douto Tribunal recorrido pois que, não só a Autora Recorrida configurou a ação como administrativa, na perspetiva de que o ato de aplicação de compensações tem natureza administrativa, bem como se verifica manifesto erro de julgamento quanto à natureza da compensação do n.° 1 do 24.° do Decreto-Lei n.° 117/2010, de 25 de outubro, ao ter o douto Tribunal a quo qualificado a mesma como ato de liquidação tributário, configurando a referida compensação, isso sim, um ato administrativo sancionatório (que não contraordenacional) .

Senão vejamos: E. Na doutra sentença ora em recurso é feita uma análise à legislação dos biocombustíveis, concluindo-se que a compensação reveste as características típicas dos tributos públicos atenta a sua estrutura, procedimento de aplicação e regras de afetação da receita que não permitem qualificá-la como sanção (administrativa).

Ora, F. Do artigo 11.2 do Decreto-Lei n.° 117/2010, de 25 de outubro, sob a epígrafe metas e obrigação de incorporação, emerge, prima facie, a obrigação que leva à compensação em caso de incumprimento.

G. Este preceito sofreu diversas alterações, sendo que o essencial manteve-se sem alterações, a saber: • A menção, precisa, à existência de uma obrigação, que consta do n.° 1, nos seguintes termos: “As entidades (...) abreviadamente designadas por incorporadores, estão obrigadas a contribuir para o cumprimento das metas de incorporação nas seguintes percentagens de biocombustíveis (.)”; • O estabelecimento, com ligeiras variações nas diversas versões, do procedimento a que fica sujeito o particular, com vista a demonstrar o cumprimento da obrigação (a obrigação de incorporação é comprovada, trimestralmente, através da apresentação de títulos de biocombustíveis junto da entidade fiscalizadora especializada para o setor energético, pelos incorporadores).

H. Há, assim, inequivocamente, uma obrigação e há também um procedimento destinado a provar o seu cumprimento, sendo que, o diploma legal é perfeitamente claro em relação ao facto de não existir substituto para a apresentação de TdB's, havendo, isso sim, mais de uma forma de obter os TdB's, como seja através da incorporação de biocombustíveis ou da aquisição a quem tenha títulos em excesso.

I. Assim, a alternativa existe, com vista a estimular o comportamento do mercado (aqui se findando a margem de opção que a lei concede), em incorporar ou adquirir de quem incorporou “em excesso” e tem títulos disponíveis para serem transacionados, o que significa que, a lei não fixou um sistema com três alternativas: i) incorporação; ii) aquisição; iii) pagamento de taxa ou imposto, através da compensação.

J. Não existe uma equivalência, nem a lei parece indicar, em momento algum, que ou entrega TdB's ou paga tributo, não havendo, assim, a apresentação de uma alternativa de cumprimento através de um mecanismo fiscal. A compensação é algo que surge após o incumprimento, que visa reparar ou reestabelecer a ordem jurídica violada ou, de outro modo, as consequências da violação.

Mais ainda, K. O diploma legal em apreço tem um Capítulo V, dedicado a Compensações e regime contraordenacional, sendo que este enquadramento sistemático não deve, do ponto de vista interpretativo, ser tido por inócuo.

L. Na verdade, a partir dele conseguimos intuir dois aspetos relevantes: i) as compensações e as contraordenações são realidades distintas (o que, aliás, resulta também do disposto nos artigos 26.° e 27.° do diploma legal); ii) o legislador agrupou, no mesmo capítulo, realidades distintas do cumprimento e que importam apenas em situações de incumprimento. Dito de outro modo, as consequências do incumprimento são agrupadas num capítulo dedicado a sanções ou, mais amplamente, à reação e compensação do incumprimento (havendo reposição da legalidade violada).

M. Este capítulo sofreu, nos seus dois artigos principais, os artigos 24.° e 25.°, algumas alterações desde a sua entrada em vigor, sendo que, tais alterações reforçam a ideia de que estamos perante duas reações sancionatórias administrativas, ainda que, em dado momento, de natureza diferente (sendo que, como há muito é reconhecido, a distinção entre sancionar e reparar o mal feito é ténue).

Ora, N. Do Artigo 24.° na versão inicial, resultava que: “1 - Pelo incumprimento do disposto no nº.s 1 e 3 do artigo 11.° e do n.° 1 do artigo 28.° ficam os incorporadores sujeitos ao pagamento de compensações num valor a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da energia e do ambiente, por cada TdB em falta.

(...) 3 - A determinação e a liquidação do pagamento de compensações devidas competem à DGEG.” O. Assim, a obrigação de pagar uma compensação está construída como um caso de responsabilidade, pela violação de uma obrigação determinada - Pelo incumprimento (...) ficam os incorporadores sujeitos ao pagamento de compensações.”-, surgindo, assim, como uma sanção.

P. Por outro lado, atente-se à remissão que...

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