Acórdão nº 00566/12.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | Luís Migueis Garcia |
Data da Resolução | 18 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: E., S.A.
(R. (…), (…)) interpõe recurso jurisdicional na presente acção administrativa especial que o TAF do Porto julgou improcedente, absolvendo o Estado Português de todos os pedidos.
Conclui: A. Da nulidade da sentença - "ultra petita" 1.° Como bem reconhece o Tribunal a quo os atos administrativos sub judice, que negaram o reconhecimento da dotação realizada para o FAI pela Recorrente como despesa não elegível nos termos e para os efeitos da Lei n.° 40/2005, de 3 de agosto tiveram como dois fundamentos: (i) o facto de tal despesa configurar no caso concreto uma taxa e (ii) o facto de existir um conflito entre aquela lei e o aviso do concurso das eólicas publicado no DR 2.ª série, n.° 144/2055, de 28 de julho e Despacho n.° 13415/2010, de 19 de Agosto do Gabinete do Secretário de Estado da Energia e da Inovação (que altera o Despacho n.° 32276-A/2008 de 17 de Dezembro de 2008, Fundo de Apoio à Inovação — FAI).
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Não constituiu fundamento do não reconhecimento da elegibilidade da despesa aqui em causa, para os fins designados, qualquer questão atinente à efetividade da sua realização por parte da Autora, ora Recorrente, ou à titularidade do direito ao benefício fiscal por parte da Recorrente, fosse tal despesa considerada elegível.
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No artigo 31.° da sua petição inicial a Autora, ora Recorrente afirma ter contribuído para o FAI no montante de € 35.000.000,00, como comprovou na candidatura ao SIFIDE. No artigo 1.° da sua contestação, sobre a veracidade dos factos narrados pela Autora na sua P.I., o Réu Estado Português refere "Começando pelos factos cuja veracidade também o Réu tem por verificada, diremos que correspondem à verdade, pelo que se aceitam, os constantes dos artigos 23.° a 25.°, 27.° a 40. ° e 43.° a 50.° da P.I., pelo que nos dispensamos de repetir nesta contestação toda a matéria neles narrada." 4.° Decorre, pois, do que antecede que, a realização por parte da Autora, ora Recorrente para o FAI no montante de € 35.000.000,00, não é um facto controvertido. Não o foi nas decisões na origem da presente ação e constitui um facto cuja veracidade é atestada pelo próprio Réu.
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Nos termos do preceituado no citado artigo 615.°, n°.1, alínea d), do Código do Processo Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. A nulidade do acórdão por excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal decide uma questão que não havia sido chamado a resolver e que não é de conhecimento oficioso. Com efeito, o excesso de pronúncia pressupõe um julgamento para além do conhecimento que foi pedido ao julgador pelas partes.
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Esta causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.°, n°.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente, o que não é aqui o caso). A definição desta nulidade processual radica no próprio princípio do dispositivo, o qual circunscreve os poderes de cognição do tribunal, o qual não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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O excesso de pronúncia pressupõe, pois, que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, fazendo-o fora do quadro em que a lei pressupõe a sua intervenção oficiosa. O que é o que precisamente acontece no presente caso. Assim, deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita", a decisão recorrida pelo facto de o Tribunal a quo invocar, como razão de decidir um facto jurídico em relação ao qual as partes entendiam não existir controvérsia, qual seja, a realização por parte da Recorrente de uma contribuição para o FAI no montante de € 35.000.000,00.
Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem se conceder, sempre haverá que imputar-se à decisão recorrida B. Dos erros de julgamento da sentença 1) Erro de julgamento da matéria de facto 8.° Considerando, como se disse, que no artigo 31.° da sua petição inicial a Autora, ora Recorrente afirma ter contribuído para o FAI no montante de € 35.000.000,00, como comprovou na candidatura ao SIFIDE e no artigo 1.° da sua contestação, o Réu Estado Português aceita a veracidade daquele facto específico narrado pela Autora na sua P.I. e, bem assim, que o facto em questão não constituiu fundamento do não reconhecimento da elegibilidade da despesa aqui em causa, para os fins designados, sempre será de concluir ter o tribunal a quo incorrido em erro de julgamento da matéria de facto.
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Por esta razão deverá dar-se como provado o facto de ter a Recorrente contribuído para o FAI no montante de € 35.000.000,00, alterando-se em conformidade a matéria de facto dada como provada.
2) Erro de julgamento de direito Do conflito entre a Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto e as condições estipuladas no concurso para a atribuição de capacidade de injecção de potência na rede do sistema eléctrico de serviço público para energia eléctrica produzido em centrais eólicas 10.° Entendeu o Tribunal a quo, e bem ao contrário do sustentado pela Comissão Certificadora como fundamento para recusar a elegibilidade da despesa aqui em causa nos termos e para os efeitos da Lei n.° 40/2005, de 3 de Agosto, que a contribuição realizada pela Autora, ora Recorrente, para o FAI não tem a natureza de taxa.
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No entanto, considerou aquele douto Tribunal, que não obstante ser o FAI um fundo que tem por objeto exclusivo o financiamento do sistema científico do domínio da inovação e desenvolvimento tecnológico, com preferência na área da energia renováveis, mormente a energia eólica, a dotação para tal fundo era (...) um critério de adjudicação [do concurso para atribuição de potência na rede do sistema elétrico de serviço público e pontos de receção associados para energia produzida por centrais eólicas], ao qual se atribuía uma cotação, que aumentava na mesma medida em que aumentava o valor da verba constante da proposta apresentada."(cf. p. 21 da sentença recorrida). Por esta razão, considerou o Tribunal recorrido que "(...) não pode a Autora pretender que a quantia de 35.000.000.00 euros que constava da proposta do consórcio das "Eólicas de Portugal", e que lhe permitiu obter a cotação máxima neste parâmetro de avaliação - 10% - seja considerada uma despesa elegível para efeitos de incentivos fiscais e, dessa forma, recuperar parte da mesma através da sua dedução à colecta. Caso contrário, estaria a recuperar parte da quantia que lhe permitiu obter uma maior pontuação face aos demais concorrentes quanto a este parâmetro, e, quem sabe, ficar graduada em primeiro lugar. A ser assim, verificar-se-ia uma manifesta violação dos princípios nos quais se estribam os procedimentos de contratação pública, mormente o princípio da igualdade, da transparência e da concorrência, dado que o consórcio "Eólicas de Portugal", ao recuperar, seja porque via for, a verba que propôs na sua proposta ao concurso lançado pela Direcção-Geral de Geologia, estaria a contornar os critérios de adjudicação delineados pela entidade adjudicante." (ibidem).
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Ora, salvo o devido respeito, a Recorrente entende ser destituída de fundamento lógico a asserção segundo a qual a possibilidade de beneficiar do regime fiscal em causa constitui uma entorse aos princípios da igualdade, da transparência e da concorrência que enformam os procedimentos da contratação pública. E isto porque quer a definição do procedimento concursal, quer do próprio regime fiscal que aqui se discutem não está, nunca esteve, nem obviamente poderia estar sob a disponibilidade da Recorrente, resultando ambos de instrumentos legislativos definidos de forma geral e abstrata, e cuja legalidade não está aqui em causa.
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Isto significa, pois, que os efeitos legais decorrentes da aplicação dos quadros normativos do procedimento concursal e do regime em causa nunca seriam, como parece fazer crer o Tribunal recorrido, suscetíveis "manipulação" pela Autora, ora Recorrente, sendo tais efeitos exatamente os que decorrem da lei nos termos em que o legislador a definiu. Daqui resulta que, tivesse sido a ora Recorrente ou qualquer outro operador económico do setor a ser o adjudicatário do referido concurso, a questão sub judice sempre seria suscetível de ser colocada nos exatos termos. Assim, não existe qualquer nexo de causalidade adequada entre a proposta apresentada 14.° Ademais, sendo nesta matéria soberano, caberia ao Estado Português, na enunciação e publicitação dos fatores e eventuais subfactores densificadores dos critérios de adjudicação do concurso público aqui em causa a cabal explicitação dos respetivos, pressupostos, condições e exclusões sob pena de violação dos princípios que enformam a tramitação procedimental concursal designadamente os da igualdade, da concorrência, da imparcialidade, da proporcionalidade, da transparência, da publicidade e da boa-fé.
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Assim, assumir, sem mais a eliminação dos efeitos fiscais advenientes do cumprimento daqueles que constituíram critérios de adjudicação do concurso aqui em causa que se traduzam numa diminuição da receita fiscal é injustificável quer à luz daqueles princípios quer à luz dos princípios da legalidade e da igualdade tributária.
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Com efeito, se atentarmos aos referidos critérios, nos quais, para além da contribuição aqui em análise, se inclui p. ex. a realização de investimento direto no projeto industrial e a criação de postos de trabalho (cf. p. 63 do Doc. n.° 8 junto à p.i.) e levando o entendimento da Comissão Certificadora e do Tribunal a quo ao seu limite, sempre seriam de afastar quaisquer fatores...
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