Acórdão nº 00048/13.5BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução18 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte.

I - RELATÓRIO.

1.1.

J.

, residente na Rua (…), (…), (…), propôs a presente ação administrativa comum contra a ESTRADAS DE PORTUGAL, SA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 9.574,61 (nove mil quinhentos e setenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), a título de danos patrimoniais sofridos em consequência de um acidente rodoviário, acrescida de juros vincendos à taxa legal desde a citação até total e efetivo pagamento.

Alegou para tanto, em síntese, que no dia 23 de dezembro de 2011, pelas 20.45 horas, no itinerário principal IP3, em Treixedo, Santa Comba Dão, no distrito de Viseu, sentido Coimbra-Viseu, ao km 91,2, ocorreu um acidente de viação com o veículo ligeiro de passageiros de matrícula XX-XX-XX, sua propriedade, que era conduzido por F., que embateu contra um javali que atravessou a sua faixa de rodagem.

O acidente ficou a dever-se ao facto do condutor ter sido surpreendido pelo aparecimento de um javali que se atravessou na sua faixa de rodagem e no qual embateu, causando-lhe danos no veículo, concluindo que a responsabilidade do acidente é imputável á Ré, porquanto não cumpriu o seu dever de assegurar as boas condições de segurança e fiscalização da via, uma vez que não acautelou a possibilidade de a via poder vir a ser atravessada por animais.

Por força disposto no art.º 12.º da Lei 24/2007, aplicável também aos itinerários principais, existe uma presunção de culpa que no caso impende sobre a Ré, para além de impender ainda sobre a Ré a presunção de culpa prevista no art.º 493.º, n.º1 do Cód. Civil, pelo que, verificando-se todos os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos nos termos dos artigos 483.º, 564.º e 566.º, n.º3 do C.C, tem direito a ser indemnizado quanto aos danos sofridos, devendo a ação ser julgada procedente.

1.2.

A Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Na defesa por exceção invocou a incompetência absoluta do Judicial de Santa Comba Dão, em razão da matéria (tribunal onde ação foi inicialmente proposta, uma vez que os fundamentos em que a autora sustenta a presente ação prendem-se com a responsabilidade civil extracontratual que envolve uma pessoa coletiva de direito público e, por via disso, a presente ação é da competência dos tribunais administrativos.

Por outro lado, impugnou todos os factos e conclusões respeitantes à descrição do acidente inovados pela autora, aduzindo não constar dos documentos juntos com a p.i. qualquer elemento que comprove que o condutor do veículo foi surpreendido por um animal de raça suína e que perante tão inopinado aparecimento não conseguiu evitar o embate.

Invocou não existir qualquer responsabilidade da sua parte, por não existir qualquer violação de obrigações legais, qualquer infração de regras de ordem técnica ou de qualquer dever objetivo de cuidado, sendo o aparecimento do animal um caso fortuito, tratando-se de animal que não se encontrava à sua guarda , não lhe incumbindo qualquer dever de vigilância, sendo uma realidade da vida o trânsito de animais sem dono nas vias pelo que todos e qualquer condutor pode e deve sempre contar com tal possibilidade.

Pugnou pela improcedência da ação.

1.3.

O autor respondeu, sustentando a competência dos tribunais comuns porquanto a Ré é uma pessoa coletiva de direito privado, apesar de ser detida por capitais públicos.

1.4.

Por decisão de 11 de dezembro de 2012 proferida pelo Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, foi julgada procedente a exceção dilatória invocada pela Ré, tendo os autos sido remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, nos termos do disposto no art.º 105.º, n.º2 do CPC .

1.5.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, conforme ata de fls. 91/96 e as partes notificadas para apresentarem alegações escritas, tendo a Ré apresentado alegações escritas e o autor informado dar «por integralmente reproduzida toda a matéria de facto e de direito já alegada em sede dos articulados...

».

1.6.

Proferiu-se sentença em que se julgou a presente ação totalmente improcedente e se absolveu a Ré pedido formulado, a qual consta da seguinte parte dispositiva: «Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, absolvo a Ré Estradas de Portugal, S.A., do pedido.

Fixo à presente ação o valor de €6.478,65 (artigo 32.º do CPTA).

Custas a cargo do A.» 1.7.

Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: «1. Dos presentes autos resultou provado que o acidente se deu conforme alegado pelo então A., ora Apelante, isto é, que aconteceu no dia 23/12/2011 pelas 20:45h, no Itinerário Principal IP3 - Treixedo, ao km 91,200 no sentido Coimbra» Viseu, que a GNR se deslocou ao local após o acidente, que o veículo de matrícula XX-XX-XX, propriedade do Apelante, era conduzido por F., seu filho a uma velocidade entre os 80/90 km/hora, velocidade permitida no local, que era de noite e estava bom tempo, mas não havia iluminação pública quando surgiu de forma inesperada e a uma distância inferior a 5 metros do veiculo um animal de raça suína - javali - que efectuava o atravessamento da faixa de rodagem da esquerda para a direita em relação ao sentido de marcha do veículo não tendo o condutor do veículo como evitar o embate no animal.

  1. Resultou ainda provado que do acidente resultaram danos materiais no veículo e este teve de ser sujeito a não tendo o Apelante podido utilizar o veículo durante cerca de 2 meses e que a rede de protecção da Estrada foi objecto de intervenção/ reparação em finais de Novembro de 2011 - ou seja um mês antes do acidente.

  2. Resultou não provado que o animal (javali) se tenha introduzido na via pelo buraco avistado pelo condutor do veículo na Rede de protecção e segurança junto ao local onde o acidente se deu.

  3. Sucede que, pese embora invocado pelo A., ora Apelante, não se pronunciou a sentença de que se recorre sobre a presunção de culpa decorrente do artigo 12.º da Lei 24/2007.

  4. Alegou ainda o ora Apelante que a responsabilidade do acidente recai nos termos do disposto no artigo 493.º, n.º 1 do C. Civil sobre a aqui Apelada, porquanto não cumpriu o dever de assegurar as boas condições de segurança e fiscalização da via, uma vez que não acautelou a possibilidade de a via poder vir a ser atravessada por animais.

  5. Invocou que resulta do disposto no artigo 12.º da Lei 24/2007 (aplicável também aos Itinerários Principais, nos termos do disposto no artigo 1.º da mesma Lei) uma presunção de culpa que impendia, sobre a Apelada quando dispõe que “Nas auto - estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a (...) b) atravessamento de animais”.

  6. E que a jurisprudência se tem pronunciado em casos semelhantes no sentido de que “(...) a Concessionária só afastará essa presunção, se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem. Terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento”. Ac. STJ de 09-09-2008, in www.dgsi.pt. Acórdão onde se lé ainda que “Não basta (...), para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, a demonstração genérica de ter cumprido as suas obrigações de vigilância e de conservação das redes laterais da via. (...) apenas a demonstração em concreto das circunstâncias que levaram a intromissão do animal na via é que poderão conduzir a um juízo conclusivo de que ela não deixou de realizar o cumprimento das suas obrigações.” 8. E pacífico na jurisprudência que o artigo 12.º da Lei 24/2007 constitui norma interpretativa da presunção que decorre do disposto no artigo 493.º/1 do C. Civil - norma esta que a sentença aplica. Veja-se, nesse sentido, Ac. T. Relação do Porto de 16/12/2009, in www.dgsi.pt.

  7. Pelo que ainda que se entenda que a Lei 24/2007 não é directamente aplicável ao caso concreto, uma vez que nos termos do disposto no artigo 2.º da mesma Lei, para as disposições dela constantes serem aplicáveis aos Itinerários Principais é necessário que os mesmos tenham, pelo menos, duas vias para cada sentido de marcha, o que não é o caso no local do sinistro, a norma constante do artigo 12º da Lei 24/2007 deveria ter servido de base interpretativa ao disposto no artigo 493º/1 do C. Civil.

  8. Pelo que deveria a sentença de que se recorre ter apreciado a invocada norma interpretativa constante do artigo 12.º da Lei 24/2007.

  9. Acresce que a sentença de que se recorre não se pronunciou quanto à obrigação de vigilância cujo incumprimento presumido decorre igualmente cio disposto no artigo 493º/1 do C. Civil.

  10. Ora, tal dever de vigilância resulta autónomo do dever de manutenção e de forma clara na Base 40 do contrato de concessão da EP - Estradas de Portugal, SA (DL 380/2007), que obriga a concessionária a elaborar e respeitar um manual de operação e manutenção que deve conter as regras (entre outras) de funcionamento dos serviços de vigilância e apoio e de monitorização e controlo ambiental.

  11. Ora, tendo o dever de vigilância sido objecto de prova, como ao diante preconiza o Apelante, e não tendo sido provado pela Ré - o ónus da prova a ela incumbia - que tenha havido vigilância c, ainda que tivesse havido, com que frequência e em que moldes ela foi realizada no dia do acidente, há que retirar como consequência, no que respeita à presunção de ilicitude e de culpa do artigo 493º/1 C Civil e no que ao dever de vigilância respeita, que esta não foi ilidida.

  12. Sendo certo que há jurisprudência firmada que considera que “Não basta (...), para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, a demonstração genérica de ter cumprido as suas obrigações de...

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