Acórdão nº 00991/07.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelCarlos Luís Medeiros de Carvalho
Data da Resolução11 de Novembro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO M…, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto datada de 11.05.2010 que no âmbito da acção administrativa especial movida contra o MUNICÍPIO DO PORTO julgou improcedente a acção administrativa especial na qual peticionava a anulação dos actos praticados em 05.02.2007 pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto nos termos dos quais foi ordenada a execução de obras no prédio sito na Rua … de que a mesma é comproprietária.

Formula a A., aqui recorrente jurisdicional, nas respectivas alegações (cfr. fls. 118 e segs.

- paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. Resulta da matéria de facto apurada que a Autora ora recorrente é comproprietária do prédio sito na Rua…, no Porto, sendo demais comproprietários os seus cinco irmãos. Pelo que, a Autora ora recorrente apenas detém uma quota de 1/6 do imóvel em causa.

  2. Encontra-se igualmente provado nos autos que, não obstante a propriedade sobre os imóveis ser objecto de registo predial público exactamente para garantir os necessários fins de publicidade, a Entidade demandada apenas notificou a Autora, e nunca os demais 5 comproprietários do prédio, dos ofícios respeitantes às vistorias efectuadas às partes comuns e 1.º andar do mesmo, bem como dos despachos que intimavam à realização das obras referidas nos autos de vistoria.

  3. Em face do supra exposto, entende a Autora ora recorrente, com todo o devido respeito, que os actos administrativos impugnados são inválidos, em primeiro lugar, por violação de lei, designadamente o disposto no artigo 1405.º, n.º 1 conjugado com o artigo 1411.º, n.º 1 ambos do Código Civil, isto porque, segundo o artigo 1405.º, n.º 1 do C. Civil «os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular, (…)», sendo que somente a participação ou contribuição nos encargos da coisa, nomeadamente nas despesas necessárias à conservação da coisa comum, é feita em proporção das respectivas quotas.

  4. A posição jurídica dos comproprietários é, assim, por natureza a do exercício conjunto das situações jurídicas activas (direitos, poderes, faculdades) e passivas (deveres, ónus, encargos), sendo excepcionais os casos de exercício singular, como seja na hipótese de exigir a reivindicação de terceiro da coisa comum ou a divisão da coisa comum (artigos 1405.º, n.º 2 e 1412.º do C. Civil).

  5. Desta forma, a situação de os encargos pela realização das obras poder ser qualificada como uma obrigação propter rem ou ob rem não afasta a natureza de, no caso de compropriedade sobre coisa comum, tal tratar-se também de uma obrigação conjunta e não solidária, o que implica que só pode ser exigida simultaneamente de todos os comproprietários.

  6. A violação da natureza jurídica desta obrigação não pode ser tratada como uma mera questão de inoponibilidade aos demais comproprietários, como faz o acórdão recorrido, mas sim uma verdadeira questão de invalidade dos actos impugnados, sob pena de suma injustiça, e até contradição, de termos um acto administrativo válido mas apenas oponível a um comproprietário, que por lei só está obrigado a custear 1/6 do valor das obras, que é a proporção da sua quota, não sendo possível concretizar o efeito útil desse acto face aos demais 5/6 (restantes quotas dos demais comproprietários) a quem o acto não é oponível.

  7. A Autora ora recorrente entende que os actos impugnados são inválidos, em segundo lugar, por se verificar uma manifesta contradição na resposta dos peritos aos quesitos objecto das vistorias realizadas ao prédio, tecnicamente incongruente, uma vez que aqueles, se por um lado, consideram que este ameaça ruína, oferecendo perigo para a segurança dos moradores e transeuntes, havendo até risco iminente de desmoronamento parcial de elementos da cobertura incluindo clarabóia, tectos, paredes e pavimentos interiores, nomeadamente na zona confinante à caixa de escadas e revestimento de fachadas; por outro lado, consideraram que o prédio não deve ser total ou parcialmente demolido.

  8. À face do disposto no artigo 89.º, n.ºs 2 e 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) o prédio em causa não sofre apenas más condições de segurança ou de salubridade, mas oferecendo ameaça, total ou parcial, de ruína e oferecendo perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas, o poder/dever da Entidade demandada deveria ter sido exercido no sentido de ordenar a demolição total ou parcial daquele, uma vez que não bastam simples obras de conservação para corrigir a falta das condições de segurança ou insalubridade.

  9. A Autora ora recorrente entende que os actos impugnados são, ainda, em terceiro lugar, inválidos porque violam o princípio da proporcionalidade na actuação administrativa e do abuso de direito, consagrados respectivamente no artigo 5.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo e no artigo 334.º do Código Civil.

  10. As obras impostas nos actos impugnados importam em termos de custos financeiros a uma verba muito superior ao rendimento que o prédio proporciona aos seus proprietários, numa proporção calculada em cerca de cem anos de rendas! l) Segundo o artigo 5.º, n.º 2 do CPA «as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar», o que não é manifestamente o caso contrário nos presentes autos.

  11. O poder/dever previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 89.º do RJUE, ao abrigo do qual foram praticados os actos impugnados, insere-se no âmbito da discricionariedade técnica administrativa, na medida em que a Entidade demandada pode ordenar a realização de obras, assim como pode ordenar a demolição total ou parcial da construção, não estando vinculada a decidir num único sentido.

  12. Sendo a actuação administrativa necessária para satisfazer o interesse público quanto ao estado de conservação dos imóveis em termos de segurança e salubridade, a mesma não pode, contudo, colidir em absoluto com a tutela da propriedade privada, sob pena de se verificar uma inconstitucionalidade, por violação do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa.

  13. O acórdão recorrido entendeu que a figura jurídica do abuso de direito apenas se poderia colocar na relação senhorio/inquilino. Com todo o devido respeito, cremos não lhe assistir razão, porquanto o abuso de direito corresponde a um princípio geral de direito, servindo com válvula de escape do sistema jurídico para realizara a justiça, sendo, por isso, aplicável independentemente da relação jurídica em causa ser de natureza privada ou administrativa - pública …”.

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