Acórdão nº 01277/08.9BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução07 de Outubro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1.

A CAIXA GERAL de APOSENTAÇÕES – CGA, inconformada, veio interpor o presente recurso jurisdicional do acórdão do TAF de Viseu, datada de 29 de Novembro de 2010, que julgando procedente a acção administrativa especial, de condenação à prática de acto devido, instaurada pelo recorrido J…, identif. nos autos, a condenou a reconhecer ao recorrido o direito a beneficiar da pensão de invalidez, assim anulando os actos proferidos pela CGA, pela verificação de violação de lei. * Nas suas alegações, a recorrente CGA formulou as seguintes conclusões: "A) É de notar que, para além dos juízos efectuados pelos órgãos da Caixa Geral de Aposentações, são irrelevantes quaisquer outros acerca da relação entre a doença e o serviço, para efeitos de aposentação: o que interessa para o legislador é a relação afirmada ou negada pela Caixa e por mais ninguém.

  1. Em sede jurisdicional, a anulação dos actos administrativos que, à semelhança do acto impugnado, repousam em juízos de discricionariedade técnica só pode ser feita em casos extremos, quando o erro de apreciação se impõe de todo manifesto – o que não é de modo algum o caso vertente.

  2. Assim, contrariamente à tese defendida pelo Tribunal “a quo”, não parece que a decisão da CGA padeça de vício de violação de lei, ao concluir negativamente sobre a questão de relação entre a “Neurose Ansiosa” e a prestação de serviço militar no ex-Ultramar.

  3. Incorre no erro de fazer juízos de mérito médico-científicos ao comparar pareceres proferidos pelas juntas médicas da Caixa Geral de Aposentações com os diversos pareceres médicos emitidos pela instituição militar constantes do processo administrativo (vide parágrafos 2.º, 3.ºe 4.º da página 23, do douto Acórdão).

  4. Esqueceu-se, contudo, de que, face ao disposto no artigo 96.º, n.º 2, do Estatuto de Aposentação, qualquer parecer da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações é sempre independente, ou seja, prevalece sobre os emitidos por qualquer dos médicos que, embora intervindo no processo, dela não tivessem constituído parte integrante.

  5. Ao proceder em conformidade o Tribunal “a quo” está a incorrer no vício de usurpação da sua competência e de flagrante violação dos princípios de separação de poderes.

  6. Do parecer do Sr. Médico-Chefe onde foi exarado o despacho 8 de Outubro de 2008, que, atento o conteúdo daquele, homologou o parecer da Junta Médica de 23 de Outubro de 2007, não se tira qualquer conclusão de que da apreciação da situação clínica do ora recorrido tenha havido um erro manifesto e grosseiro, nem, tão pouco, que tenha havido uma “má interpretação da matéria de facto sobre a qual devesse recair o seu juízo” de apreciação, ou se tenha procedido a uma errónea aplicação do direito.

  7. Na medida em que tal acto está em conformidade com a fundamentação de facto nele expendida, aliás, repete-se, em consonância com outras duas juntas médicas, realizadas em 28 de Janeiro de 2003, e em 25 de Setembro de 2003, com uma composição diferente, ou seja, como já foi referido: 3 (três) juntas médicas, compostas por peritos diversos (vide, pelo menos, os respectivos vogais), atingiram resultados idênticos – o que só por si retira toda a plausibilidade a um pretenso erro manifesto de apreciação, ou a uma “má interpretação da matéria de facto sobre a qual devesse recair o seu juízo (…)” reafirma-se, pelo que, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação da lei I) Nesta conformidade, pelos motivos aduzidos, o Acórdão recorrido, por ter feito descaso da autonomia técnica de que goza a Junta Médica da CGA, fez errada aplicação da lei, devendo ser, por isso, revogada".

    * Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, veio o recorrente J… apresentar contra alegações, finalizando-as com as seguintes conclusões: "01) Face à matéria de facto apurada nos autos, e não posta em crise no presente recurso, não se pode deixar de concluir que o serviço militar prestado pelo recorrido constitui causa adequada para desencadear a sua doença, ou, no mínimo, para o seu agravamento, existindo entre o facto e o dano um nexo de causalidade.

    02) Os pareceres médicos são um mero elemento de análise, no conjunto de dados do processo, que, todos, devem ser levados em consideração na decisão final, que não é um acto técnico da medicina, mas sim um acto jurídico de atribuição ou não de pensão de invalidez.

    03) O recorrido reúne os requisitos previstos no Estatuto da Aposentação – art.º 38.º, c) “ex vi” dos art.ºs 112.º, 127.º e 118.º, n.º 2 – que lhe conferem o direito à percepção de pensão de invalidez, em consequência de doença adquirida no serviço militar, a abonar pela CGA, nos termos do art.º 54.º do mesmo EA.

    04) O douto acórdão, ora recorrido, fez correcta apreciação dos factos e interpretação e aplicação do direito, não merecendo qualquer censura, reparo ou agravo, pelo que deve manter-se e se sustenta".

    * O Digno Procurador Geral Adjunto, neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, emitiu pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso da CGA - cfr. fls. 199/200 - que não obteve resposta das partes, após lhe ter sido notificada.

    * Dispensados os vistos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.

    * 2 .

    Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.ª A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

    II FUNDAMENTAÇÃO 1 . MATÉRIA de FACTO São os seguintes os factos fixados no acórdão recorrido: 1 - O autor foi incorporado no serviço militar obrigatório (SMO), em 13 de Junho de 1970, no Regimento de Infantaria 5, em Caldas da Rainha (cfr. fls.76 do P.A.).

    2 - Durante o período de Fevereiro de 1972 a Maio de 1974, o autor cumpriu uma comissão de serviço na ex-PU de Angola, com a especialidade de atirador.

    (cfr. fls.72 a 76 do P.A.).

    3 - Em Angola, o autor foi colocado no Comando da Zona Militar Leste e prestava serviço de apoio no Aeroporto aos aviões.

    (cfr. fls. 72 a 76 do P.A.).

    4 - Em 22 de Setembro de 1995, o autor requereu ao Chefe do Estado-Maior do Exército a instauração de um processo sumário, fundamentando a sua pretensão no facto de ao fim de um ano de comissão e devido às condições adversas da prestação do serviço militar ter sido acometido de “um esgotamento e uma depressão nervosa”, sem ser sujeito a qualquer tratamento, porque “não havia possibilidades de fazer qualquer tratamento, pois não existia lá nada, permanecendo assim até ao fim do serviço militar”.

    (cfr. fls.78 e 79 do P.A.).

    5 - No decorrer deste processo, foram ouvidas duas testemunhas, em 26 de Janeiro de 1996 e 13 de Fevereiro de 1996, que “confirmaram o exposto pelo ora requerente no seu requerimento, quanto à aquisição da doença e aos circunstancialismos da prestação do serviço militar que a originaram”.

    (cfr. fls. 50 e 57 do P.A.).

    6 - Em 22 de Julho de 1996, o serviço de psiquiatria do Hospital Militar Regional (HMR) n.º 2, em sede de relatório médico, concluiu que “pelos dados colhidos e observações efectuadas podemos aceitar o diagnóstico de distúrbio de stress post-traumático crónico com crises de depressão major. A evolução dessa situação clínica é crónica e incapacitante, parecendo ser possível estabelecer uma data de início, aquando da prestação do serviço militar. É de admitir uma relação temporal e causal entre o cumprimento do serviço militar e a doença, devido às condições adversas em que aquele foi cumprido”.

    (cfr. fls. 3 a 6 do P.A.).

    7 - O 2.º Comandante da Região Militar Norte, por despacho de 20 de Setembro de 1996, entendeu “que a doença em questão deve ser considerada resultante do exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho”.

    (cfr. fls. 83 e 84 do P.A.).

    8 - Em 5 de Junho de 1997, o autor foi presente a uma Junta Hospitalar de Inspecção (JHI), no HMR 2, que o julgou incapaz de todo o serviço militar, com 25% de desvalorização, por “síndroma ansioso caracterizado”.

    (cfr. fls. 90 do P.A.).

    9 - A Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direcção dos Serviços de Saúde (CPIP/DSS), através do seu parecer datado de 18 de Março de 1998, considerou que “resulta das sequelas de doença adquirida em serviço conforme descrito no processo e tem relação com o cumprimento do serviço militar obrigatório”.

    (cfr. fls. 99 do P.A.).

    10 - O parecer da CPIP foi homologado em 17 de Agosto de 1999, pelo Director de Justiça e Disciplina.

    (cfr. fls.100 e 101 do P.A.).

    11 - Notificado para se pronunciar sobre o projecto de indeferimento da sua qualificação como Deficiente das Forças Armadas, o A. alegou que desenvolveu serviço de campanha e que, conforme medicamente comprovou, lhe cabe uma desvalorização superior, tendo o processo sido devolvido ao Ramo para novas diligências.

    (cfr. fls. 108 do P.A.).

    12 - O A. foi presente a nova JHI, em 17 de Abril de 2001, que o julgou incapaz de todo o serviço militar, com 35% de desvalorização, por “neuroses, distúrbios relacionados com o stress e somatizações”.

    (cfr. fls. 138 a 140 do P.A.).

    13 - A CPIP, através do parecer n.º 326/2001, de 27 de Novembro, homologado em 14 de Março de 2002, pelo Director de Justiça e Disciplina, entendeu que a desvalorização atribuída pela JHI “deve ser considerada como contraída em serviço e por motivo do seu desempenho”.

    (cfr. fls. 141 a 147 do P.A.).

    14 - Não tendo o autor sido qualificado como DFA, o seu processo foi remetido à Caixa Geral de Aposentações (CGA) para efeitos de atribuição de pensão de invalidez, nos termos do Estatuto da Aposentação (EA), aprovado pelo DL 498/72, de 9 de Dezembro. (cfr. fls. 148 a 157 e 159 do P.A.).

    15 - Em 28 de Janeiro de 2003, o A. foi...

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