Acórdão nº 01333/07.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução18 de Março de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO A ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA dos BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS de A… inconformada, veio interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 19/2/2010, que, no âmbito da presente acção administrativa especial, interposta pela recorrida AUTORIDADE NACIONAL de PROTECÇÃO CIVIL - ANPC, anulou a decisão de 17/5/2007 da Direcção da recorrente que deliberou, por um lado, fazer cessar o mandato do Comandante A… do respectivo Corpo de Bombeiros e, por outro, nomear para o mesmo cargo M….

* A recorrente formulou, no final das suas alegações, as seguintes conclusões: "1ª Em face dos factos provados 4 e 13 (datas de notificação do acto impugnado e de entrada da p.i.) verifica-se que a presente acção foi intentada depois do prazo legalmente previsto (3 meses, entretanto convertido em prazo de 90 dias por força de suspensão ocorrida em virtude das férias judiciais), o que determinaria a sua caducidade e consequente decisão de absolvição da Recorrente da instância.

2ª Ao considerar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção, invocada pela Recorrente em sede de contestação, violou a sentença recorrida os artigos 58º/nº 2 b) do CPTA e 279º/c) do CCivil, incorrendo em erro de julgamento quanto ao direito.

3ª Sem prescindir quanto ao argumento alegado nas conclusões 1ª e 2ª, considera a Recorrente que ocorreu erro de julgamento sobre a matéria de facto – concretamente os factos provados 4º, 6º e 7º -, dado que a matéria em causa é controvertida, quer em face das posições expressas pelas partes, quer em face da documentação existente, quer em face de prova testemunhal não produzida.

4ª Constituindo a data de notificação ou conhecimento do acto por parte da Recorrida facto controvertido, e não se sabendo igualmente em que data recepcionou esta as cartas que lhe foram remetidas pelo ex-Comandante, entende a Recorrente que estes factos não poderiam ter sido dado como assentes, existindo erro de julgamento, pois este acabou por ser feito antes do tempo e com preterição das regras probatórias, incluindo a fixação de base instrutória.

5ª Ao decidir como decidiu quanto a estes factos, prescindindo da sua produção probatória, violou a sentença recorrida o disposto nos artigos 87º/nº 1 c) e 90º do CPTA e 510º, 511º e 512º do CPC – o que obriga à realização de julgamento, mas em 1ª instância, para inquirição de testemunhas.

6ª Igualmente sem prescindir, entende a Recorrente que com o despacho interlocutório de 02.04.2008, em que se dispensou a produção de prova, a sentença recorrida impossibilitou a Recorrente de provar factos da sua alegação que julga indispensáveis à melhor compreensão da motivação da sua deliberação.

7ª Concretamente, os factos constantes dos artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 54º, 55º, 56º, 58º, 59º, 60º, 62º, 63º, 66º, 69º, 70º, 80º, 98º e 102º da contestação só por prova testemunhal é que se poderiam dar por assentes ou não, sendo todos eles decisivos para se perceber melhor porque tomou a Recorrente a decisão que tomou e em que quadro legal se colocavam as suas opções.

8ª Ao não permitir a produção de prova quanto a todos estes factos, violou a sentença recorrida o disposto nos artigos 87º/nº 1 c) e 90º do CPTA e 510º, 511º e 512º do CPC - o que obriga à realização de julgamento, mas em 1ª instância, para inquirição de testemunhas.

9ª Ainda sem prescindir, e como quarto e último fundamento do presente recurso, considera a Recorrente que a sentença recorrida, salvo melhor opinião, interpretou incorrectamente a questão jurídica de fundo, na medida em que sufragou a tese da Recorrida de que só dois caminhos tinha a Recorrente para fazer cessar o mandato ao ex-Comandante: termo do prazo ou procedimento disciplinar.

10ª Em face da interpretação das normas legais em vigor, o que se pode concluir é que: 1º A Recorrente é uma pessoa colectiva de direito privado, dotada de utilidade pública administrativa; 2º A Recorrente está sujeita a poderes de fiscalização/orientação/coordenação por parte da Recorrida apenas no que concerne à actividade operacional do corpo de bombeiros, ou, no máximo, a poderes de tutela sobre esta mesma actividade.

11ª No caso do Comandante de um corpo de bombeiros, a decisão de nomeação cabe à Direcção da associação, aqui Recorrente, e o inspector distrital de bombeiros homologa tal decisão, conferindo-lhe assim eficácia (sendo certo que este acto possui um conteúdo vinculado, pois se o nomeado cumprir os requisitos técnicos, não há forma de não homologar o seu nome).

12ª A conduta do ex-Comandante, consubstanciada em diversos actos e comportamentos, nem todos de natureza disciplinar (onde se inclui falta de diálogo e contacto institucional e pessoal com os membros da Direcção da Recorrente), não é enquadrável no caminho do procedimento disciplinar.

13ª Contudo, deparou-se a Recorrente com a insólita norma do artigo 36º/nº 3 do D.L. nº 295/2000, de 17.11, que estipula que “A aplicação de quaisquer penas disciplinares ao comandante do corpo de bombeiros cabe ao inspector distrital de bombeiros”.

14ª Nesta linha de raciocínio, entende a Recorrente que a norma em causa é inconstitucional, por violação do artigo 46º/nº 2 da CRP, que estipula que “As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas...

”, na medida em que a subtracção à Recorrente do poder disciplinar sobre um seu subalterno a favor de uma entidade externa é uma ingerência excessiva e injustificável, pois não encontra qualquer fundamentação ou necessidade.

15ª E, por isso, lançou a Recorrente mão de um regime legal semelhante, que fez aplicar por analogia em virtude do vazio legal do D.L. nº 295/2000, de 17.11, já que no seu modesto entendimento, este vazio legal traduz uma inconstitucionalidade por omissão, pois deveria estar prevista e regulada a possibilidade da cessação do mandato do Comandante de um corpo de bombeiros (fora da previsão do procedimento disciplinar) como está regulamentada a cessação de uma comissão de serviço.

16ª Neste diploma em causa, entende a Recorrente que ocorre uma insuficiência de regulamentação do exercício e manutenção do Comandante de um corpo de bombeiros, e, por via desta omissão, foi a Recorrente servir-se de um regime legal com algumas semelhanças.

17ª Acresce, ainda, e conforme se referiu quanto à omissão, que o diploma em causa também não proíbe que a Direcção da associação detentora do corpo de bombeiros demita ou prescinda do Comandante (ou exonere, empregando a expressão da Recorrida na p.i.), nada sendo dito sobre a possibilidade da Associação dispensar, demitir, exonerar ou prescindir do Comandante.

18ª Cumpre, ainda, assinalar que o artigo 35º dos Estatutos da Recorrente lhe permite adoptar todas as acções necessárias ao bom funcionamento da instituição e do seu corpo de bombeiros, o que manifestamente sucede quando o seu Comandante nem sequer dirige a palavra a alguns dos membros da Direcção.

19ª O recurso à Lei nº 51/2005, de 30.08 resulta da mesma tratar de pessoas que são nomeadas para um dado cargo, como o de Comandante surge por nomeação, existindo aqui, pois, uma identidade na forma de provimento – nomeação, sendo certo que em ambas as situações não está excluído o exercício da acção disciplinar (a Lei nº 51/2005, de 30.08 não afasta o procedimento disciplinar).

20ª Por outro lado, quanto à legalidade da analogia, a mesma tem cabimento no artigo 10º do Código Civil, pois perante uma lacuna (a omissão de regulamentação já explicitada), impõe-se proceder ao seu preenchimento, graças a um raciocínio fundado em razões de similitude.

21ª O D.L. nº 295/2000, de 17.11 não proíbe a cessação do cargo de Comandante do corpo de bombeiros desde que verificadas situações que colocam em causa de forma irremediável o relacionamento entre aquele e a Direcção detentora do corpo; 22ª O artigo 19º do D.L nº 295/2000, de 17.11 enferma de uma inconstitucionalidade por omissão (por violação do artigo 46º da CRP) ao não regular a hipótese do mandato do Comandante do corpo de bombeiros poder cessar por outro motivo que não seja o seu fim ou desde que ocorra infracção disciplinar, o que devia estar previsto, em obediência ao princípio da auto-gestão das associações; 23ª O artigo 36º/nº 3 do D.L nº 295/2000, de 17.11 enferma de uma inconstitucionalidade material traduzida na violação do artigo 46º da CRP na medida em que retira à Direcção da associação detentora do corpo de bombeiros o poder disciplinar sobre o Comandante, que lhe seria inerente por efeito do princípio da auto-gestão das associações.

24ª Ao não decidir da forma argumentada, considera a Recorrente que violou a sentença recorrida o D.L. nº 295/2000, de 17.11 e o artigo 46º da CRP, por efeito da inconstitucionalidade por omissão e material invocadas".

** Notificadas as alegações apresentadas pela recorrente Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de A…, a recorrida ANPC não apresentar contra alegações.

* O Digno Procurador Geral Adjunto, neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º do CPTA, não se pronunciou.

** Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.

** 2.

Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II FUNDAMENTAÇÃO 1. MATÉRIA de FACTO São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida: 1 - Por ofício datado de 18 de Abril de 2007, a Ré notificou o então CBVA, A…, em sede de audiência prévia, da intenção de cessação do mandato para o exercício do cargo de Comandante, ao abrigo do...

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