Acórdão nº 02052/11.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Fevereiro de 2013
Magistrado Responsável | Anabela Ferreira Alves Russo |
Data da Resolução | 15 de Fevereiro de 2013 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – Relatório D… e C…, residentes na Rua…, da cidade de Braga, intentaram contra a Direcção de Finanças de Braga, sita na Rua Dr. Costa Júnior, n.° 34, 4719-001 Braga, a presente providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, pedindo a suspensão da eficácia do ato que determinou a realização de acção inspectiva aos anos de 2008, 2009 e 2010, consubstanciado na Ordem de Serviço n.° OI201103615.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por sentença de 22 de Junho de 2012, julgou extinta a instância no que concerne ao exercício de 2008 e, no mais, improcedente o procedimento cautelar.
Inconformados com o assim decidido, na parte relativa à improcedência do procedimento, os Requerentes interpuseram recurso jurisdicional, rematando as alegações apresentadas com as seguintes conclusões (formuladas após convite ao aperfeiçoamento): «Face ao exposto, e em obediência ao convite ao aperfeiçoamento, os Recorrentes formulam as seguintes novas conclusões: 1.
O presente procedimento cautelar tem como objecto a impugnação de um acto administrativo manifestamente ilegal que não envolve a apreciação da legalidade de qualquer acto de liquidação.
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É incontroverso que em face dos factos alegados na p.i., na própria contestação e na resposta a esta, a causa de pedir consubstancia um acto manifestamente ilegal não só por absoluta falta de pressupostos de facto e de Direito, mas também por tratar os Recorrentes de forma desigual, parcial, injusta, desproporcionada relativamente a outros contribuintes.
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A Administração pública está não só obrigada ao respeito de direitos fundamentais como a sua actuação deve criar condições objectivas capazes de permitir aos cidadãos a vivência efectiva daqueles. (Cfr. Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado da Mota, Direito Administrativo Geral, 2ª Ed. Tomo III, Lisboa, Livraria Almedina, 2009, p. 408).
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A Constituição é a fonte de legalidade primeira que obriga a Administração. A vinculação ao respeito pelos direitos fundamentais é extensiva a todos os poderes públicos.
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O Código do Procedimento Administrativo comina com o vício de nulidade os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental (al. d), nº 2, do art. 133º – Cfr. Mário Esteves de Oliveira – Pedro Gonçalves – J. Pacheco Amorim, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª Ed., p. 647, anotação ao art. 133º).
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É incontroverso que neste processo está em causa um a.a. manifestamente nulo (e não apenas anulável), e, portanto, não sanável e impugnável a todo o tempo.
Consequentemente, os Recorrentes já intentaram a competente acção principal, que seguiu a forma da acção administrativa especial, nos termos do art. 46º, nº 2, alínea a) do CPTA.
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Assim, a presente providência cautelar segue a tramitação processual prevista nos arts. 112º a 134º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) , por força do disposto no nº 2 do art. 97º do CPPT.
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O artigo 147º do CPPT refere-se à intimação da AT para um comportamento e não à impugnação de acto manifestamente ilegal ou à declaração de nulidade ou anulação do mesmo.
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“ Se, em sede cautelar, o tribunal considerar que (…) se preenche a previsão do nº 1, alínea a) [art. 120º do CPTA], cumpre-lhe conceder a providência sem mais indagações: Nem há, pois, que atender aos critérios das alíneas b) e c) do nº 1, nem ao disposto no nº 2” – Cfr. Mário Aroso de Almeida – Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao CPTA, 3ª Ed., 2010, p. 796, 2º parágrafo.
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“ Se o Juiz está convencido do carácter bem fundado do direito do requerente, não faz sentido proceder ainda a uma avaliação sobre a gravidade da lesão para o interesse público” – Cfr. últ. Ob. e Aut. cit., p. 796, 4º parágrafo.
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“Pode, no entanto, questionar-se, por força do artigo 112º, nº 1, o periculum in mora não deixa de ser pressuposto da adopção de qualquer providência cautelar, mesmo na situação prevista na alínea a) do nº 1 deste artigo 120º, e embora o preceito não o refira, talvez seja de exigir que, no caso concreto, a providência se mostre necessária para assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal.” 12.
Se o Tribunal não decretar a providência requerida – suspensão do acto de inspecção até ser julgada a acção principal – que sentido e utilidade tem invocar no final de eventual liquidação de qualquer imposto decorrente da inspecção, o a.a. manifestamente ilegal e gravemente lesivo dos princípios da igualdade, justiça, imparcialidade, proporcionalidade e boa-fé? 13.
Tanto mais que atendendo às relações tensas entre Recorrente e Recorrida, é fácil para esta e vem sendo sua prática a criação de divergências quanto à qualificação jurídica de factos tributários, o que obriga os Recorrentes a prestarem garantias ou verem os seus bens penhorados durante muitos anos atenta a demora dos processos judiciais tributários.
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A Recorrida, intencionalmente, note-se, confunde a necessidade absoluta de observância dos critérios objectivos e transparentes de selecção dos contribuintes a inspecionar com o subsequente exercício do direito de inspecção tributária. Primeiro há que selecionar os contribuintes a inspecionar de acordo com os critérios legais previstos nos arts. 23º e 27º do RCPIT. E só depois, selecionado o contribuinte, é que se inicia a acção inspectiva.
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Quer da redacção do art. 27º do RCPIT quer da redacção do art. 23º do mesmo diploma “resulta claramente que o legislador pretendeu evitar a realização de acções inspectivas dirigidas a pessoas em concreto”.
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E que “(…) a existência de critérios objectivos e transparentes de selecção dos contribuintes a fiscalizar, além de tecnicamente poder propiciar uma maior eficiência dos serviços de inspecção, é uma garantia essencial dos contribuintes ao assegurar ao sujeito passivo selecionado que a sua escolha está devidamente baseada em razões objectivas, aplicáveis a outros contribuintes. (…) Essa escolha deverá, porém, ser sempre devidamente fundamentada, e sancionada a determinado nível de hierarquia da Administração Fiscal.” 17.
Logicamente que as regras gerais a que obedece o exercício do direito de inspecção, previstas, nomeadamente, no art. 54º da LGT, aplicam-se apenas e necessariamente depois de observados e preenchidos os critérios legais de selecção previstos nos supracitados arts. 23º e 27º do RCPIT.
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E o mesmo e por idênticas razões se diga relativamente ao art. 11º do RCPIT.
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A Recorrida não só não fundamentou a acção inspectiva externa aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 em qualquer daqueles critérios, como também na douta contestação demonstra a inexistência de qualquer um deles! 20.
À míngua de argumentos válidos, a Recorrida, naturalmente que à luz da alínea b), do nº 1, do art. 27º do RCPIT, procurou ainda justificar a determinação da inspecção aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, com base no Despacho do Sr. Secretário de Estado, o qual juntou à contestação, como documento nº 2, a fls.227.
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Nesse despacho determina-se genericamente a inspecção aos exercícios de 2008 e 2009 e excepcionalmente ao de 2007, a realizar no ano de 2011, nos domínios do controlo inspectivo e preventivo, em relação aos contribuintes cadastralmente relevantes, com enfoque nas actividades/ factos elencados no ponto 4 do capítulo IV do relatório “e deve, outrossim, direccionar um especial esforço no sentido de detectar condutas ilegais e fraudulentas praticadas pelos agentes não registados”.
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Escrutinando o texto do referido Despacho, facilmente se conclui que o mesmo não prevê inspecções de natureza comprovativa (apenas preventivas), nem inspecções ao exercício de 2010 e as inspecções nele previstas tinham que se realizar em 2011, e não em 2012.
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Destarte, o acto administrativo através do qual a Recorrida decidiu realizar uma acção inspectiva externa comprovativa, consubstanciado na ordem de serviço nº OI201103615, junta à p.i. como documento nº 1, e na respectiva informação subjacente, constitui a todas as luzes um acto administrativo manifestamente ilegal quanto aos pressupostos de facto e de direito, ou melhor, um acto administrativo ilegal por falta total de pressupostos de facto e de direito.
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Seja com base no invocado despacho do Sr. Secretário de Estado (doc. 2/pág. 1 da contestação) seja com base na “codificação das actividades/acções” (doc. 2/pág. 2 da contestação) seja com base na própria contestação, não se extrai qualquer facto relevante ou preenchido qualquer critério de selecção susceptível de se subsumir ao supracitado art.º 27º do RCPIT.
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Aliás, bem pelo contrário, uma vez que da informação da Recorrida (doc. 1, págs. 3 e 4 da contestação), elaborada em 2.01.2012, antes resulta a manifesta impossibilidade de subsunção da situação fiscal dos Recorrentes, não só em relação às linhas genéricas ou programáticas previstas no despacho do Sr. Secretário de Estado (doc. 2/ contestação) mas também relativamente aos critérios objectivos e claros enumerados no citado art.º 27º do RCPIT.
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O critério utilizado à última da hora, ou melhor, depois da hora, pela Recorrida para justificar a acção inspectiva aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, nunca é demais recordar, contraria não só os factos alegados e não impugnados nos arts. 24º a 28º da resposta à contestação, mas também e manifestamente a letra e o espírito do despacho do Sr. Secretário de Estado e as próprias finalidades da inspecção, uma vez que da própria informação elaborada unicamente com o propósito de “ratificar” a selecção (arbitrária…) dos Recorrentes, junta à contestação como documento nº 1, a fls. 226, a Recorrida reconhece que “ o sujeito passivo (o Requerente D…) cumpre com regularidade as suas obrigações declarativas em sede de IRS e em sede de IVA” (al. d), ao mesmo tempo que dá notícia que as acções inspectivas que está autorizada a realizar, no ano de 2011, nunca é demais recordar, são no domínio preventivo e...
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