Acórdão nº 02385/17.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução19 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: GAAI, Ldª Recorrido: Instituto da Segurança Social, IP Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que indeferiu o pedido de suspensão da eficácia de acto administrativo que ordena o encerramento de estabelecimento de apoio social.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor: “I- Vem o presente recurso da douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo que indeferiu o processo cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo, por improcedência.

Para o efeito a Meritíssima Juiz a quo não considerou como verificado o requisito do periculum in mora, sendo certo que basta o não preenchimento de um dos requisitos constantes do artigo 120º nº 1 do CPTA para determinar o não decretamento da providência cautelar.

II- Julgando o não preenchimento daquele requisito a Meritíssima Juiz a quo considerou prejudicada a apreciação dos restantes requisitos, designadamente o fumus boni juris e a ponderação de interesses públicos e privados em causa.

III- Conforme escreve Abrantes Geraldes a comparação que pode fazer-se entre a primitiva redacção do artigo 712º do C.P.Civil e o actual artigo 662º revela que a possibilidade de alteração da matéria de facto que além era indicada a título excepcional, acabou por ser assumida como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.

(Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina 2014, 2ª Edição págs. 129 e segs.).

Sendo seguro que a modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercida sempre que a reapreciação dos meios de prova (…) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância (cfr. idem pág. 230).

IV- O Tribunal Central Administrativo conserva os poderes que incumbem a um tribunal de apelação, no âmbito da fixação da matéria de facto, quando esta venha impugnada em recurso. Ponto é que o recorrente quando pretenda impugnar a matéria de facto, cumpra o respectivo ónus de alegação que se encontra estabelecido no artigo 640º do C.P.Civil, mormente quanto à identificação dos concretos pontos de facto impugnados e dos meios probatórios que impõem quanto a eles uma decisão diversa (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Almedina, pág. 1142).

V- Obedecendo ao comando normativo a recorrente considera que foram incorrectamente julgados a não inclusão como factos indiciariamente provados os constantes dos artigos 86º a 99º que constam do requerimento inicial justamente sob a designação DO PERICULUM IN MORA.

VI- Tendo a requerida deduzido oposição ao requerimento inicial, o facto é que não impugnou nenhum daqueles factos, nem se pode considerar que estejam em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, pelo que devem ter-se como admitidos por acordo, por via do efeito cominatório previsto no artigo 574º nº 1 do C.P.Civil.

VII- Mas mesmo que se não entenda que estes factos estão admitidos por acordo o que não se concede mas admite por dever de patrocínio não se pode considerar que os mesmos não estão provados, pela singela razão de que não ocorreu produção de prova.

Se esses factos não estão provados é porque o Tribunal entendeu não dar cumprimento ao artigo 118º do CPTA.

À requerente não lhe foi permitido provar os factos que tinha alegado através da prova testemunhal requerida no seu requerimento inicial, porque o Tribunal entendeu proferir sentença com base na prova documental existente nos autos e com base no processo administrativo, desconsiderando todos os outros meios de prova.

VIII- Pronunciando-se sobre aqueles factos constantes dos artigos 86º a 99º do requerimento inicial a Meritíssima Juiz a quo refere que a requerente não os logrou provar, o que como vimos não é exacto porque esses factos estão admitidos por acordo.

IX- Não obstante não os considerar provados a Meritíssima Juiz a quo refere que tendo sido dado como provados a constituição de duas hipotecas a favor do Banco Popular Portugal, SA incidentes sobre o prédio da requerente no valor total de 500.000,00€, não se sabe qual o valor em dívida actualmente e qual o encargo mensal associado.

X- Igualmente não é exacto o referido pela Meritíssima Juiz a quo porquanto no artigo 88º do requerimento inicial consta concretamente que o encargo mensal com a amortização do empréstimo é de 4.998,90€ e da certidão permanente consta que as hipotecas foram constituídas em 31/7/2015 e em 18/5/2016, pelo que sendo o encargo mensal o supra referido conclui-se com facilidade que só terão sido pagos no máximo 17 prestações num total de cerca de 85.000,00€ o que significa que haverá pelo menos ainda 415.000 euros em dívida.

XI- Não se olvide que estamos no domínio da prova indiciária, da summaria cognitio em que o tribunal deve evitar proceder a averiguações demasiado pormenorizadas, por isso que não se vê a necessidade de averiguar ao certo o valor em dívida, quando conhece o valor total do empréstimo e a respectiva amortização mensal.

XII- Refere igualmente a Meritíssima Julgadora que não se sabe qual o valor que auferem mensalmente os 13 profissionais que com a requerente colaboram.

Mas mais uma vez tal apreciação não se afigura correcta, porque basta atentar nos factos constantes dos artigos 89º e 90º para se concluir que dele constam os salários brutos dos colaboradores e as despesas mensais com a Segurança Social.

XIII- Finalmente o Tribunal refere que está provado que a requerente presta serviços conexos, desconhecendo-se quais são esses serviços conexos e quais as receitas que lhe advêm dessa prestação.

Dir-se-á antes de mais que não é exacto que tenha sido dado como provado que a requerente preste serviços conexos, mas apenas que esses serviços constam do seu objecto social.

XIV- Aliás basta atentar no artigo 86º do requerimento inicial para se concluir que a actividade da requerente exerce-se no seu estabelecimento (a actividade da requerente esgota-se no apoio social que presta no seu estabelecimento) por isso que não faz sentido a menção aos serviços conexos não alegados em lado nenhum do requerimento inicial, tanto mais que o tribunal apenas pode valer-se dos factos alegados pelas partes.

XV- Cremos por conseguinte que a matéria de facto alegada e provada a propósito do requisito do periculum in mora é suficiente para que se julgue verificado aquele requisito.

Com efeito a requerente alega que tendo em conta os encargos mensais que suporta e esgotando-se a sua actividade no apoio social que exerce no seu estabelecimento, o encerramento da actividade do seu estabelecimento tem como consequência deixar de ter qualquer receita e manteria todas as despesas, o que acarretaria a imediata insolvência da sociedade.

XVI- Ora, tem sido reconhecido pela doutrina e jurisprudência que os actos administrativos que importam cessação do exercício do comércio ou da indústria são casos típicos em que se verifica o requisito de difícil reparação (cfr. Freitas do Amaral “Direito Administrativo, Vol. IV, pág. 300 e segs. Ed. policopiado Lx 1988 e Acs. Do TCA-Sul de 22/11/2011 e 13/10/2011 (in www.dgsi.pt).

Conforme se refere neste último acórdão a cessação de uma actividade comercial ou industrial provoca perda de clientela, desemprego e outros prejuízos cuja reparação se torna difícil ou impossível.

Cremos por isso que se verifica o preenchimento no caso vertente do requisito do periculum in mora.

XVII- Finalmente refere-se na douta sentença que os factos constantes dos artigos 95º a 99º reportam-se a prejuízos que ocorrerão na esfera jurídica de terceiros (trabalhadores, colaboradores, idosos frequentadores do lar e respectivos familiares) e não o prejuízo da requerente.

Dir-se-á a este propósito que nos artigos 95º a 99º alega-se que o estabelecimento tem 14 residentes com mais de 80 anos e 17 com mais de 90 anos com diversas doenças e patologias graves que não obstante estão perfeitamente integrados no estabelecimento o que contribui para o seu equilíbrio físico e psíquico que ficava muito abalado com a simples mudança para outros locais, provocando danos para a sua saúde e bem estar, pondo em perigo a sua vida.

XVIII- Cremos que se trata de interesses juridicamente relevantes, porque cumprindo a requerente o apoio social a idosos que residem permanentemente no seu estabelecimento, o encerramento do estabelecimento impede que esse apoio social seja prestado, e o perigo de vida para alguns desses cidadãos que a simples mudança poderia acarretar constitui se não um perigo irreparável para a requerente constitui uma situação de facto consumado, porque será impossível proceder à restauração material no plano dos factos.

Cremos por conseguinte que estes factos relevam também para a conclusão final de que está preenchido o requisito do periculum in mora. Nestes termos e nos melhores de direito e ainda naqueles que V. Exas. suprirão, R. a V. Exas. se dignem julgar procedente e provada a presente apelação e em consequência julguem procedente e provada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto com consequente verificação do preenchimento do requisito do periculum in mora ou quando assim se não entenda ordene a baixa do processo para produção de prova nos termos do artigo 118º do CPTA e a revogação da douta decisão a quo.

A douta decisão violou os artigos 118º nº 2 do CPTA e 574º nº 1 do CPCivil.

Assim se fará Inteira e Sá Justiça.”.

*O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem: A) “A Recorrente pretende a suspensão de eficácia do acto administrativo que determinou o encerramento administrativo do estabelecimento de apoio social a idosos nas valências de ERPI e Centro de Dia, propriedade da mesma.

  1. Na verdade, a douta sentença recorrida considerou, e bem, que os requisitos da providência...

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