Acórdão nº 01757/11.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução19 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório MAEG, devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, que intentou, entre outros, contra o Estado Português representado pelo Ministério Público, peticionando o pagamento a título de danos patrimoniais quantias objetivadas face a cada um dos então Autores, em decorrência do alegado “esvaziamento do conteúdo da profissão de notário”, inconformada com a Sentença proferida em 14 de setembro de 2017, no TAF de Aveiro, na qual a ação foi julgada “totalmente improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, em 13/11/2017 (Cfr. fls. 2739 a 2755 Procº físico).

Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 2752 a 2755 Procº físico): “I. O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento da matéria de direito, porquanto considerou não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito decorrente da função legislativa, bem como os pressupostos da indemnização pelo sacrifício; II. O Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de julho, veio introduzir uma profunda alteração na redação do artigo 80º do CN: todos os atos que tradicionalmente eram competência exclusiva dos Senhores Notários, a celebrar através de escritura pública e, por isso, dotados de fé pública e valor probatório extrajudicial, estão hoje excluídos deste preceito. Em consequência, a outorga de testamentos é, deste a entrada em vigor daquele diploma, o único ato da competência exclusiva dos Senhores Notários, atos estes que, em virtude do nosso regime sucessório, pouca relevância têm no comércio jurídico; III. Neste enquadramento, a essência da atividade notarial — dar forma legal e conferir fé pública aos atos jurídicos extrajudiciais — encontra-se hoje esvaziada de conteúdo; IV. No entender da Recorrente, o Recorrido violou os parâmetros objetivos de validade que se lhe impunham; V. Na verdade, com a publicação do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de julho, o Recorrido afetou os direitos da Recorrente a exercer a profissão de notário, violando, frontalmente, o estabelecido no artigo 53º, conjugado com o estabelecido nos artigos 58º e 61º, nº 1, todos da CRP; VI. Existindo uma imposição constitucional que obriga o Estado a prestações positivas para proteção do direito ao exercício de uma profissão, por maioria de razão, ao mesmo está constitucionalmente vedada uma atuação no sentido de impedir o referido exercício; VII. Pode afirmar-se, além do mais, que a Recorrente foi incentivada pelo Recorrido a investir no exercício de uma profissão que, perante as alterações promovidas pelo referido Decreto-Lei nº 116/2008, não oferece a sustentabilidade e estabilidade que a Recorrente anteviu aquando da reforma efetuada; VIII. O que demonstra, salvo melhor opinião, de forma cabal, a violação do princípio da confiança jurídica e, em consequência, das legítimas expetativas da Recorrente; IX. Acresce referir que, se foi o próprio Recorrido que sempre definiu os exatos contornos da profissão de notário, é forçoso afirmar-se que o mesmo conhecia (ou não podia desconhecer) os impactos possíveis das medidas por si adotadas, com a publicação do referido Decreto-Lei nº 116/2008: neste contexto, pensa-se que o Recorrido conhecia ¬ou não podia desconhecer — o carácter ilegal do diploma e, por isso, podia e devia ter evitado a sua publicação; X. Por força da restrição anormal da atividade inerente à profissão de notário operada pela desformalização de atos consagrada no Decreto-Lei nº 116/2008, a Recorrente sofreu uma redução drástica no número mensal de atos praticados e, consequentemente, uma diminuição acentuada do volume de honorários cobrados; XI. Por seu turno, a desformalização dos atos e perda de competência exclusiva implicaram a restrição anormal do potencial de atividade e trabalho integrantes da profissão de notário, sendo que, até à presente data, já se verificaram consequências danosas na esfera jurídica da Recorrente, no plano quantitativo, isto é, redução do volume de trabalho e rendimentos esperados obter; XII. No que respeita ao pressuposto do nexo de causalidade, e face à matéria de facto alegada, podemos afirmar que a desformalização dos atos e perda de competência exclusiva operadas pela entrada em vigor do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de julho, consubstanciam o facto ilícito que, em concreto, causou a (i) restrição anormal do potencial de atividade e trabalho integrantes da profissão de notário, no plano qualitativo, e a (ii) redução, que já se verificava, à data de entrada da presente ação, do volume de trabalho e rendimentos esperados obter pela Recorrente; XIII. Ao serem retiradas competências exclusivas aos Senhores Notários que passam a ser exercidas por serviços do Recorrido e em conjunto com a prática dos atos de registo predial (permitindo-se, assim, a cobrança de um preço global pelos dois serviços — o que se mostra impossível de almejar pelos Senhores Notários) — num contexto, como se refere no douto despacho, de crise económica — outra consequência não poderá daí advir senão a de imediata e abrupta perda de clientela dos Senhores Notários; XIV. Aquando da privatização do notariado português, nenhuma das competências que, tradicionalmente, integravam a função notarial foi retirada aos Senhores Notários; com efeito, o artigo 80º do CN, preceito que prevê, quais os atos / negócios jurídicos que têm que ser celebrados por escritura pública, manteve-se, na sua essência, inalterado, mantendo a mesma redação desde a privatização do notariado (2004/2005) até à aprovação do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de julho (com algumas exceções de diminuto relevo); XV. São pressupostos da obrigação de indemnização pelo sacrifício (i) a prática de ato lícito para a satisfação do interesse público; (ii) o dano especial e anormal e (iii) o nexo de causalidade, previstos na norma do artigo 16º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, a qual determina que «[o] Estado e as demais pessoas coletivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado», os quais, in casu, se mostram preenchidos; XVI. Importa sublinhar, quanto ao dano especial, que apenas os Senhores Notários viram o conteúdo essencial da sua profissão ser restringido, de forma grave, pelas disposições do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de julho, pelo que os encargos gerados por este diploma foram (e ainda são) suportados, apenas, pela Recorrente e pelos seus colegas notários.

Termos em que ao presente recurso deve ser dado provimento e, assim, concluir-se pela procedência dos pedidos formulados pela Recorrente, com as consequências legais, com o que V. Ex.cias., Senhores Desembargadores, farão Justiça!”*O Recorrido/Estado, veio a apresentar contra-alegações de Recurso em 18 de dezembro de 2017, concluindo (Cfr. 2789 a 2794 Procº físico): “A. Não estão preenchidos, no caso, nem os requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito decorrente do exercício da função político-legislativa nos termos do disposto no art. 15°, da Lei n° 67/2007, de 31/12, nem os pressupostos da indemnização pelo sacrifício prevista no art. 16°, da mesma Lei, que fora invocada a título subsidiário; B. Efetivamente, quanto à primeira, e como foi lapidarmente entendido na sentença recorrida, o ato legislativo em que a A. Recorrente fundou a invocada responsabilidade civil por ato legislativo - o Decreto-Lei n° 116/2008, de 04/07 não é ilícito; C. Improcedendo toda a argumentação que, a propósito da ilicitude, havia sido invocada na petição inicial e que a A. recorrente reitera em sede de recurso; D. Pois que, ao contrário do sustentado, o visado Decreto-Lei n° 116/2008, de 04/07 (que simplesmente eliminou o duplo controlo da legalidade de atos sujeitos a registo, procedendo à simplificação e desformalização de alguns atos notariais), não é inconstitucional; E Já que não viola qualquer direito constitucionalmente protegido da A. Recorrente ao exercício da profissão de notário, dele não decorrendo a invocada violação do estatuído no art.° 53°, da CRP, conjugado com o estabelecido nos arts. 58° e 61°, n° 1, da CRP; F. Nem viola o invocado princípio da proteção da confiança que emerge do disposto no art.° 2°, da CRP; G. Inexistindo, de forma patente, em face de todo o antecedente processo político-legislativo, qualquer direito ou sequer "legítima expetativa" da Recorrente na manutenção do regime anteriormente vigente e de um qualquer grau de formalização; H Como acertadamente se aduziu na sentença recorrida, "nem as alterações ao enquadramento legal do notariado trazidas pelo DL n° 316/2008 foram tais que, razoavelmente, pudessem surpreender os notários, nem as mesmas alterações esvaziaram o objeto da profissão de notário, nem o Legislador deixou de contemplar na medida do constitucionalmente exigível as expectativas dos notários que já o eram"; I. Não se vendo, portando, que se possa sequer sustentar - como o faz a A. ora Recorrente - que o invocado diploma legal tenha procedido ao esvaziamento...

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