Acórdão nº 01712/14.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução19 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

CNSR (R. D… Amares), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, que julgou improcedente acção administrativa especial intentada contra Instituto da Segurança Social, I.P., contestando o Fundo de Garantia Salarial.

*A recorrente formula as seguintes conclusões: A. A Recorrente não se conforma com a douta Sentença que absolveu a Ré/Recorrida - ISS, IP – do pedido, mantendo assim o douto ato administrativo desta, datado de 23-05-2014, no sentido de indeferimento do requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho (Modelo GS 1/2012-DGSS) com base nos seguintes fundamentos “Os créditos requeridos não se encontram abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da acção (insolvência, falência, recuperação de empresas ou PEC), nos termos do n.º 1 do artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29 de Julho, ou após a data da propositura da mesma, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo”.

B. Conforme se deu como provado na sentença de que ora se recorre, a Recorrente, até 25-11-2011, manteve contrato de trabalho com a empresa “MPU, LDA.”, o qual cessou por resolução do contrato de trabalho por iniciativa da entidade patronal com fundamento na extinção do posto de trabalho.

C. Por processo de declaração de insolvência iniciado pela referida empresa em 03-07-2012, que decorreu os seus termos no Tribunal Judicial de Amares, com o n.º 378/12.3BAMR, foi decretada a sua insolvência em 17-07-2012, e na qual a ora recorrente reclamou e viu reconhecidos os seus créditos, no montante global de 4.272,72 €, acrescidos de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

D. Em 23-10-2012 a Autora/Recorrente recorreu ao Fundo de Garantia Salarial, tendo reclamado o pagamento das quantias constantes do ponto 5) dos factos constantes na Sentença de que ora se recorre e que aqui se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos.

E. Apenas com a declaração de insolvência da entidade empregadora é que poderia a ora recorrente recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, F. Não foi a ora Recorrente a requerer a dita insolvência, G. Nem tão-pouco tinha a Recorrente o poder de adivinhação de que a sua ex-entidade empregadora iria fazê-lo.

H. Veja-se que o art.º 319.º do referido diploma legal dispõe o seguinte: «1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.

2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.

3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição.» I. Por seu turno, os créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho prescrevem no prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, se o trabalhador não exercer judicialmente o direito ao seu pagamento dentro desse prazo - assim o dispõe o art.º 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT).

J. Ora, a Autora/Recorrente dispunha do prazo de um ano a contar da cessação do contrato (25-11-2011) para reclamar judicialmente os seus créditos salariais, sob pena de prescrição por força do disposto no artigo 337.º, n.º 1, do CT.

K. Porém, importa sublinhar, o Fundo de Garantia Salarial, atento o disposto no n.º 3 do artigo 319.º da Lei n.º 35/2004, só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até 3 meses antes da respetiva prescrição, L. Sendo que resulta da Sentença aqui recorrida que «A Autora observou o requisito temporal e de forma relativamente ao Requerimento apresentado junto dos serviços da Entidade demandada, cumprindo, respectivamente, o estabelecido nos artigos 319.º, n.º 3 e 324.º da citada Lei n.º 35/2004.

M. Na situação dos autos, quando a Autora/Recorrente reclamou os seus créditos perante o Fundo de Garantia Salarial – em 23-10-2012 - ainda não tinha decorrido mais de um ano a contar do dia seguinte à cessação do seu contrato de trabalho – verificada em 25-11-2011, N. Pelo que, com a entrada do processo de declaração de insolvência iniciado pela empresa/entidade patronal em 03-07-2012 - com declaração de insolvência em 17-07-2012 -ocorre uma causa de interrupção do prazo de prescrição para a Autora/Reclamante exercer judicialmente os direitos emergentes da cessação do contrato de trabalho.

O. Assim, o período de referência de seis meses (que no caso em apreço se cifra entre 03-01-2012 e 03-07-2012) a que alude o artigo 319.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2004 não se pode sobrepor ao prazo de prescrição - um ano - a que se alude o art.º 337.º, n.º 1, do CT.

P. Denote-se que até à entrada do processo de declaração de insolvência iniciado pela empresa/entidade patronal em 03-07-2012 a Autora, Recorrente dispunha do prazo de um ano - a contar da data da cessação do contrato - para reclamar os direitos/créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho.

Q. Para além do mais, como já fora referido, não tinha a Recorrente o poder de adivinhação da apresentação à Insolvência pela entidade empregadora, R. Tendo depois inclusive, após a entrada do processo de declaração de insolvência, reclamado o seu crédito ao Administrador da massa insolvente, S. O qual lhe foi aliás reconhecido mas não pago pela massa insolvente, visto esta não ter bens para proceder ao seu pagamento, T. O que motivou e fundamentou o recurso ao FGS em estrita observância do requisito temporal e formal.

U. Aliás, só com a com a entrada do processo de insolvência é que iniciou o prazo para a Autora/Recorrente accionar o Fundo de Garantia Salarial (artigo 319.º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004).

V. Assim sendo, e atento o supra exposto, seria de todo impossível, dados os procedimentos legalmente impostos e o tempo que os mesmos implicam, accionar o fundo de garantia salarial sem que a empresa/entidade patronal dê-se entrada do processo de declaração de insolvência, W. Pelo que os pressupostos legais para a atribuição do FGS não são, pelo menos, justos, legais e, quiçá, constitucionais.

X. A interpretação que o tribunal a quo faz do art.º 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, conduz a resultados de manifesta injustiça, resultados esses que o legislador não quis, e que são contrários à razão de ser da existência do próprio Fundo.

Y. O Fundo de Garantia Salarial foi criado pelo Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de junho, com o objectivo de assegurar aos trabalhadores, em caso de incumprimento pela entidade empregadora, o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação, verificadas certas condições.

Z. À data dos factos, vigorava Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 e por seu turno, os artigos 317.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho (os quais só vieram a ser revogados pelo art.º 4.º, a), do D-L n.º 59/2015, de 21/04).

AA. À luz do Direito da União Europeia, preceitua o art.º 3.º da Diretiva n.º 80/987/CEE [na redação dada pela Diretiva n.º 2002/74/CE - que os “(…) Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.º, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho. Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados-Membros (…) ”.

BB. É certo que os Estados membros podem fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados e prazos para sua dedução ou referência, a fim de evitar o pagamento das importâncias que excedam a finalidade social da Diretiva (art.º 4.º da Diretiva n.º 80/987/CEE).

CC. À luz todavia dos factos expendidos pela Autora, aqui Recorrente, suscita-se a dúvida sobre se o quadro normativo do Direito da União, em particular a Diretiva n.º 80/987/CEE deve ser interpretado estritamente no sentido de que o prazo de limitação da garantia de liquidação dos créditos salariais em caso de insolvência do empregador deve ter em conta ou ser aferido por referência apenas à data da propositura da ação de insolvência.

DD. E para mais quando nessa ação foi reclamando e reconhecido à Recorrente créditos salariais vencidos em decorrência de rescisão do vínculo laboral, que, uma vez não obtido o seu pagamento, conduziu a que a Trabalhadora/Recorrente viesse a accionar o FGS.

EE. Coloca-se aqui, pelo menos, uma pertinente questão: se o Direito da União neste concreto âmbito de garantia dos créditos salariais em caso de insolvência do empregador, em especial o art. 4.º da Diretiva n.º 80/987/CEE, deve ser interpretado no sentido de que se sobrepõe a disposição do direito nacional que garante apenas os créditos que se vencerem nos seis meses antes da propositura da ação de insolvência do seu empregador, mesmo quando os trabalhadores hajam accionado o Fundo Nacional em estrito cumprimento dos requisitos temporais e formais? FF. A interpretação que a Sentença recorrida faz do art.º 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, viola a alínea a) do art.º 59.º, n.º 1 da Constituição, em conjugação com o n.º 3 do mesmo...

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