Acórdão nº 01928/17.4BEPRT-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução06 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: HB (marroquino; residente na Rua S…, Vila Nova de Gaia), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto que, em processo cautelar de suspensão de eficácia instaurado contra Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, indeferiu suspensão de eficácia de acto administrativo que decidiu o seu afastamento do território nacional e interdição de entrada por 5 anos, datado de 15 de Outubro de 2008, da autoria do Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e que lhe foi notificado a 18 de Abril de 2017.

*Conclui: I.A.

– Nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão – artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC – Ou divergência entre vontade real e vontade declarada na sentença (artigo 247.º do Código Civil) 1) Em subsunção jurídica (“Do Direito”), a sentença alude a elementos factuais absolutamente estranhos aos factos dados como provados (fls. 3 a 6 da sentença) e que deviam (apenas e só estes) servir de base à correspondente fundamentação e decisão de Direito.

2) As referidas passagens que pouco ou nada têm a ver com o concreto caso em apreço ficaram mencionadas no texto - para onde, com a vénia devida, se remete - estão em oposição com os factos dados como provados pela própria sentença, nos quais consta que o Recorrente: - entrou em Portugal por via terrestre em 2002, mediante a obtenção de um visto de entrada no Espaço Europeu, via Alemanha, em 2002 – n.º 5 dos Factos Provados; - tem trabalhado sempre, exercendo várias profissões, quer como trabalhador dependente, quer como trabalhador independente – n.º 13, 14, 15 dos Factos Provados; - está regularmente inscrito na Autoridade Tributária – n.º 9 dos Factos Provados; - está regularmente inscrito na Segurança Social – n.º 10 dos Factos Provados; - encontra-se a trabalhar por conta de outrem, ao abrigo de contrato de trabalho – n.º 15 dos Factos Provados; - vive há mais de dois anos com uma companheira, de nacionalidade portuguesa, perfeitamente identificada – n.º 18 dos Factos Provados; - apresentou manifestação de interesse junto do SEF, com a data de 28 de Setembro de 2016, pedido que não obteve ainda resposta – n.º 5 dos Factos Provados; - visando actualizar a sua situação administrativa enquanto estrangeiro, apresentou nova manifestação de interesse, a qual também ainda não obteve resposta – n.º 17 dos Factos Provados.

3) Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c), do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, a sentença é nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a decisão, o que inclui os casos em que “a fundamentação aduzida, quer fáctica, quer jurídica, nada tenha a ver com o processo que está a ser decidido mostrando-se em oposição e contradição com a própria decisão emanada do julgador” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de Março de 2013, o qual sumariou que: “Tendo o MMº Juiz “a quo”, na sentença que exarou, procedido a “copy paste”, porquanto reproduziu factos e fundamentos de uma decisão que, na parte transcrita, não encontra suporte fáctico e jurídico nos presentes autos, incorreu em vício que vai para além do mero erro ou lapso de escrita, e determina a nulidade da própria sentença”).

4) A sentença a quo ancorou-se em dados factuais que não correspondem à situação concreta do Autor, não constam nem podiam constar e estão até em oposição com os factos provados que resultariam numa conclusão contrária à decisão de improcedência da providência cautelar requerida, incorrendo na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.

5) A situação, no limite, corresponde a uma divergência entre a “vontade real” - aquela que, por virtude da prova e, em livre convicção do julgador, deveria ficar vertida na fundamentação fáctica da decisão – e a “vontade declarada” – aquela que se utilizou como se tivesse sido a apurada em sede de produção de prova, verificando-se aqui uma situação que gera vício de “anulabilidade” – artigos 247.º e 236.º do Código Civil, pois é evidente a essencialidade do que se apurou em termos de vontade real, para a justa decisão.

I.B.

– Omissão de pronúncia quanto à questão da discutida inutilidade superveniente (ou originária) da lide 6) O MAI-SEF apresentou Resposta /Oposição na qual invoca que a decisão de afastamento coercivo de que o demandante foi alvo foi executada em 2012, concluindo pelo pedido de “extinção da instância” por “impossibilidade da presente lide”.

7) O aqui Recorrente respondeu, em suma, que ainda se encontra em Portugal e que a resposta da entidade demandada torna incompreensível e sem sentido a notificação efectuada a 18 de Abril de 2017, no sentido de abandono do território nacional, constituindo até a demonstração de que se verifica o vício autónomo invocado pelo Recorrente no sentido de que o procedimento administrativo n.º 07/08, da DR Norte do SEF, já deveria ter sido declarado extinto ou arquivado, por inutilidade superveniente, nos termos do artigo 95.º do CPA.

8) Sobre esta concreta controvérsia jurídica debatida entre as partes e que até integrava o único pedido do SEF, enquanto entidade demandada, nada consta na sentença, omitindo pronúncia sobre questão que lhe competia pronunciar-se, não sendo questão prejudicada pela resposta dada a outras questões, pois a aferição da (in)utilidade da lide constitui questão prévia ao conhecimento do mérito da ação cautelar e relaciona-se com o princípio da proibição da prática de actos inúteis.

9) Verifica-se, pois, nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, podendo o Tribunal ad quem, no âmbito dos seus poderes de tribunal de apelação (artigo 149.º do CPTA), conhecer da aludida questão da inutilidade superveniente da lide, invocada pela Ré e efectivamente debatida pelas partes, o que tem relevância designadamente na aferição do requisito do fumus boni iuris, atinente à concessão da providência cautelar requerida.

I.C.

– Omissão de pronúncia (ainda que de forma perfunctória) sobre as causas de invalidade (fumus boni iuris) do ato administrativo notificado ao Requerente a 18 de Abril de 2017 10) O Requerente invocou os seguintes vícios (ou causas de invalidade e ineficácia), expostos no capítulo do requerimento inicial do presente procedimento cautelar intitulado “Do fumus boni iuris” (cfr. ainda a parte “Do Direito” da petição inicial da Acção Administrativa e resumidos no pedido da mesma petição): A – Ineficácia do ato administrativo (I) - notificação-formulário somente traduzida oralmente por intérprete e não traduzida por escrito – ausência de notificação – presunção do art.º 624.º, n.º 1, do Código de Processo Civil B – Ineficácia do ato administrativo (II) – inexistência de notificação da decisão e relatório final – arguição de falsidade parcial de documento (art.º 372.º, n.º 1, do Código Civil) – Nulidade/anulabilidade, por inexistência de fundamentação C – Ineficácia do ato administrativo (III) - Caducidade / preclusão do direito de executar a decisão de afastamento proferida em 2008 - interdição de entrar em Portugal por cinco anos vigoraria até 2013 ou quando muito caducou em Novembro de 2016 (fls. 238) D – Ineficácia do ato administrativo (IV) - (não) extinção do procedimento administrativo por inutilidade superveniente (art.º 95.º do CPA) - Nulidade/Violação de lei (art.º 161.º, n.º 2, al. c) e art.º 162, n.º 1 e 2, do CPA) E - Violação de lei, por erro nos pressupostos de facto – não atualidade dos pressupostos de facto que fundamentaram o ato administrativo de 15 de outubro de 2008 – violação dos princípios da Legalidade, Justiça, Proporcionalidade, Razoabilidade e Boa Fé F – Vício formal de falta de fundamentação quanto à medida de interdição de entrada por cinco anos – violação do princípio da proporcionalidade 11) Sobre esta matéria, a sentença do Tribunal a quo limita-se a dizer que ”a totalidade dos vícios dizem respeito a irregularidades na notificação do acto em crise o que poderá determinar, quando muito, isso mesmo: uma irregularidade, desde logo suprível com notificação do Requerido para tal (além do mais não é verosímel [sic] que alguém que, alegadamente, mais ou menos intermitentemente, vive em Portugal desde 2008, residindo com uma cidadã Portuguesa há dois anos, aqui trabalhando, não compreenda a língua portuguesa ao ponto de pretender exigir ter de ser notificado do acto na sua língua nativa)” - cf. fls 12 e 13 da sentença.

12) A sentença a quo omitiu a apreciação perfunctória das causas de invalidade e ineficácia imputadas ao acto administrativo, incorrendo em omissão de pronúncia de questão (ou questões) a que lhe cumpria conhecer, por integrar controvérsia que lhe foi submetida à pronúncia e que não resultaram prejudicadas por qualquer decisão adoptada sobre outra questão prévia.

Sem prescindir, II – Erros de Julgamento II.A. – Impugnação da matéria de facto / Violação do disposto no artigo 84.º, n.º 6, do CPTA 13) O Recorrente impugna a decisão tomada pelo Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto provada (fls. 3 a 7 da sentença recorrida), com vista a acrescentar à referida matéria concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados e, consequentemente, deveriam ter sido dados como provados.

14) Não obstante a Sentença aludir nos n.ºs 3, 4, 6, 9 e 10 dos factos provados ao Processo Administrativo (PA) “apenso”, o PA não foi junto a estes autos, o que deveria (rectius, deve) ter como consequência o disposto no artigo 84.º, n.º 6, do CPTA, norma que a sentença viola ao omitir em absoluto os factos que constavam no requerimento inicial com os números 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 16, 23, 24, 26, 28, 31, 32, 36 e 37.

15) Acresce que os factos alegados pelo Requerente, aqui Recorrente, não foram impugnados em sede de Oposição, dispondo o artigo 118.º, n.º 2, do CPTA, que “na falta de oposição...

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