Acórdão nº 00404/17.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução23 de Novembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: AJPL veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 21.02.2018, pela qual foi julgada totalmente improcedente a presente acção administrativa intentada pelo Recorrente contra o Estado Português, para condenação do Réu no pagamento da quantia de 10.000 € e juros vincendos por violação do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 2º e 12º da Lei nº 67/2007, de 31.12, o artigo 2º do Código de Processo Civil e o artigo 483º do Código Civil, absolvendo em consequência o Réu do pedido.

Invocou para tanto, em síntese, que o processo judicial criminal nº 7586/10.0JFLSB da Comarca do Porto, Matosinhos – J2 - demorou seis anos, prazo não razoável, que representa violação do direito a ser julgado em prazo razoável; que o Tribunal Europeu atende à dimensão global do processo e não a parcelas; cita três acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no processo nº 09034/12, datado de 20.03.2014.

*O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1- O Recorrente instaurou a acção à luz do artigo 6°-1 da Convenção Europeia. O caso demorou seis anos, prazo não razoável. O Tribunal Europeu atende à dimensão global do processo e não a parcelas. Veja-se o Affaire APRICELLA contra Itália: “… no que diz respeito à avaliação equitativa do dano moral sofrido em virtude da duração do processo, o Tribunal Europeu considera que uma quantia que varia entre 1.000 a 1.500 Euros por ano de duração do processo ( e não por ano de atraso) é o ponto de partida para o cálculo a efectuar. O resultado do processo nacional (quer a parte requerente perca, ganhe ou acabe por fazer um acordo) não tem importância como tal sobre o dano moral sofrido pelo facto da duração do processo. O montante global será aumentado de 2.000 ouros, se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito do trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas." ....Acórdão Apricelia c. Itália de 10-11-2004, Acórdão Ernestina Zulio c.Itália de 10-11-2004 e Acórdão Riccardi Pizatti c. Itália de 10-11-2004.

2- A Convenção Europeia dos Direitos do Homem é acatada por Portugal há décadas e está integrada no nosso ordenamento jurídico pelo artigo 8° da Lei Fundamental. O prazo decorrido entre a abertura do Inquérito e a notificação da Acusação foi de três anos, o que é irrazoável; entre o início do inquérito e o trânsito em julgado decorreram seis anos.

3- O Autor deveria ter sido formalmente acusado em 2 ou 3 dias e julgado em 5 ou 6 meses, sendo irrazoável esperar três anos pela acusação ou seus anos pelo términus do processo; acresce que o pedido de aceleração processual pouco efeito teve no processo....

4- O Estado Português incorreu em responsabilidade civil extracontratual pela falta de Justiça em prazo razoável, pela violação do direito a ser julgado em prazo razoável: o artigo 6°- 1 da Convenção, artigo 20°. da Constituição da República Portuguesa, artigos 2° e artigo 12° da Lei 67/2007 de 31.12, artigo 2° do Código de Processo Civil e artigo 483° do Código Civil. E ainda: Acórdãos TCAS Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul Processo: 09034/12 Data do Acórdão: 20-03-2014 Relator: ACC Descritores: RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR VIOLAÇÃO DO DIREITO A UMA DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL Sumário: I. O direito a uma decisão em prazo razoável tem consagração constitucional no artº 20º, nº 4 da Constituição e no artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10.

… acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em: 1. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado português, em condenar o Estado português ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência da delonga processual, no valor de € 3.250,00… www.dgsi.pt 5- A sentença violou o artigo 6°-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 20° da Constituição da República Portuguesa e a jurisprudência do Tribunal Europeu.

Conclui que, face aos 6 anos de dimensão global do processo, deve o réu ser condenado a pagar no mínimo, 1.500€ por cada ano, no total de nove mil euros.

*II – Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos sem reparos nesta parte: 1- No dia 27.07.2010, o Autor foi detido e constituído arguido no âmbito do processo n.° 7586/10.0JFLSB da Comarca do Porto, Matosinhos - J2.

2- Em 18.02.2013, a Procuradoria-Geral da República deferiu o pedido de Aceleração Processual formulado pelo Autor.

3- Em 26.04.2013, o Ministério Público deduziu acusação contra o Autor pela prática de um crime de contrabando qualificado.

4- Em 24.05.2016 realizou-se o julgamento no Tribunal Judicial de Matosinhos.

5- Em 24.06.2016 foi proferida sentença, tendo o Autor sido absolvido.

6- A sentença descrita no ponto anterior transitou em julgado em 24.07.2016.

*III - Enquadramento jurídico.

  1. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na justiça.

    A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, no domínio dos actos de gestão pública, rege-se pelo disposto na Lei nº 67/2007, de 31.12, em vigor a partir de 30.01.2008.

    O artigo 12º desse mesmo diploma determina que, salvo o disposto nos artigos seguintes, que respeitam ao erro judiciário, que não é objecto destes autos, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.

    Esta última responsabilidade está prevista nos artigos 7º a 10º do diploma a que se vem aludindo.

    O artigo 7º, nº 3, dessa lei dispõe que o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.

    Acrescentando o artigo 7º, nº 4, que existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos.

    Determina o artigo 2º, nº1, Lei nº 67/2007, de 31.12, que: “O Estado e demais pessoas colectivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas aos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

    O artigo 9º, nº 2, considera que existe também ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no nº 3 do artigo 7º.

    Por sua vez o artigo 10º, nº 2, preceitua que sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.

    Tudo quanto foi alegado nos presentes autos e considerado provado foi que o Autor, no dia 27.07.2010, foi detido e constituído arguido no âmbito do processo n.° 7586/10.0JFLSB da Comarca do Porto, Matosinhos - J2, que em 26.04.2013, o Ministério Público deduziu acusação contra o Autor pela prática de um crime de contrabando qualificado; que em 24.05.2016 se realizou o julgamento no Tribunal Judicial de Matosinhos; que em 24.06.2016 foi proferida sentença, tendo o Autor sido absolvido e que essa sentença transitou em julgado em 24.07.2016, ou seja, o processo crime em questão durou quase seis anos, mais concretamente 362 dias.

    Nada mais foi alegado nos presentes autos.

    Nada se tendo provado sobre a verificação de um comportamento (acção ou omissão) concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, nem tendo sido possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão podemos concluir estar-se perante um funcionamento anormal do serviço? Ou seja, o funcionamento dos serviços do Ministério Público e do Tribunal da Comarca do Porto Matosinhos – J2, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado deveriam ter evitado que a acusação demorasse quase três anos a ser proferida e a sentença três anos e três meses a ser proferida? Estes factos por si só permitem concluir pelo anormal funcionamento dos serviços? No recurso o Autor defende que o simples decurso do prazo de seis anos é suficiente para se concluir nesse sentido.

    Mais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT