Acórdão nº 01716/11.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução23 de Novembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I — RELATÓRIO Recorrente: MGDPCT Recorrido: Estado Português Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, na qual se pediu a condenação do Réu a indemnizar a Autora por actos decorrentes da função política legislativa (Decreto-Lei nº 116/2008, de 04 de Julho).

*Conclusões do Recorrente, que delimitam o objecto do recurso: “I. Não obstante todo o alegado no douto despacho saneador / sentença a respeito da “desnecessidade" da produção da prova testemunhal requerida/ certo é que o douto despacho recorrido apenas dá como provada matéria alegada/ quase integralmente, pelo Recorrido e respeitante tão somente aos vários diplomas aprovados em matéria notarial: não foram pelo Mmo. Juiz a quo dados como assentes factos alegados pela Recorrente; II. A alegada diminuição de atas notariais, que se verificou de forma acentuada e gradual/ é, antes de mais, demonstrativa do esvaziamento do conteúdo da profissão de notário (" questão central" destes autos), pelo que importava que tal matéria fosse/ pelo menos, objeto de prova; III. Razão pela qual o douto despacho saneador / sentença é nulo/ nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC; IV. Acresce, por outro lado/ que é por inúmeras vezes referido no douto despacho que as alterações legislativas verificadas não foram assim tão acentuadas que pudessem surpreender os Senhores Notários, que foi dado conhecimento aos Senhores Notários de que estão previstas alterações legislativas, sendo que tais conclusões se extraíram sem sequer se relevar (não constando da matéria provada) o documento referido no artigo 189º da petição inicial (não impugnado pelo Recorrido); V. A Recorrente requereu, ao abrigo do disposto na norma do artigo 528º do CPC (em vigor à data da entrada em juízo da p. i.) - para prova do número de atas realizados através dos vários procedimentos instituídos pelo Recorrido e por advogados, solicitadores e câmaras de comércio, no que respeita, designadamente, aos atas societários da competência destes, à compra e venda de imóveis, doações, constituição de propriedade horizontal e mútuo com hipoteca voluntária - que o Recorrido fosse notificado para apresentar a relação de atas já realizados desde 1 de janeiro de 2009 nos concelhos onde a Recorrente exerce a sua atividade, requerimento sobre o qual o Tribunal a quo nunca se pronunciou; VI. Face ao ora exposto, o douto despacho saneador / sentença é também nulo por violação do disposto na norma da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC; VII. O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento da matéria de direito, porquanto considerou não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito decorrente da função legislativa, bem como os pressupostos da indemnização pelo sacrifício; VIII. O Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de julho, veto introduzir uma profunda alteração na redação do artigo 80º do CN: todos os atos que tradicionalmente eram competência exclusiva dos Senhores Notários, a celebrar através de escritura pública e, por isso, dotados de fé pública e valor probatório extrajudicial, estão hoje excluídos deste preceito. Em consequência, a outorga de testamentos é, deste a entrada em vigor daquele diploma, o único ato da competência exclusiva dos Senhores Notários, atas estes que, em virtude do nosso regime sucessório, pouca relevância têm no comércio jurídico; IX. Neste enquadramento, a essência da atividade notarial - dar forma legal e conferir fé pública aos atos jurídicos extrajudiciais - encontra-se hoje esvaziada de conteúdo; X. No entender da Recorrente, o Recorrido violou os parâmetros objetivos de validade que se lhe impunham; XI. Na verdade, com a publicação do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de julho, o Recorrido afetou os direitos da Recorrente a exercer a profissão de notário, violando, frontalmente, o estabelecido no artigo 53º, conjugado com o estabelecido nos artigos 58º e 61 º, nº I, todos da CRP; XII. Existindo urna imposição constitucional que obriga o Estado a prestações positivas para proteção do direito ao exercício de urna profissão, por maioria de razão, ao mesmo está constitucionalmente vedada uma atuação no sentido de impedir o referido exercício; XIII. Pode afirmar-se, além do mais, que a Recorrente foi incentivada pelo Recorrido a investir no exercício de uma profissão que, perante as alterações promovidas pelo referido Decreto-Lei nº 116/2008, não oferece a sustentabilidade e estabilidade que a Recorrente anteviu aquando da reforma efetuada: XIV. O que demonstra, salvo melhor opinião, de forma cabal, a violação do princípio da confiança jurídica e, em consequência; das legítimas expetativas da Recorrente; XV. Acresce referir que, se foi o próprio Recorrido que sempre definiu os exatos contornos da profissão de notário, é forçoso afirmar-se que o mesmo conhecia (ou não podia desconhecer) os impactos possíveis das medidas por si adotadas, com a publicação do referido Decreto-Lei nº 116/2008: neste contexto; pensa-se que o Recorrido conhecia - ou não podia desconhecer - o carácter ilegal do diploma e, por isso, podia e devia ter evitado a sua publicação; XVI. Por força da restrição anormal da atividade inerente à profissão de notário operada pela desformalização de atos consagrada no Decreto-Lei nº 116/2008, a Recorrente sofreu uma redução drástica no número mensal de atas praticados e, consequentemente/ uma diminuição acentuada do volume de honorários cobrados; XVII. Por seu turno, a desformalização dos atas e perda de competência exclusiva implicaram a restrição anormal do potencial de atividade e trabalho integrantes da profissão de notário, sendo que/ até à presente data, já se verificaram consequências danosas na esfera jurídica da Recorrente, no plano quantitativo, isto é, redução do volume de trabalho e rendimentos esperados obter; XVIII. No que respeita ao pressuposto do nexo de causalidade, e face à matéria de facto alegada, podemos afirmar que a desformalização dos atas e perda de competência exclusiva operadas pela entrada em vigor do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de julho, consubstanciam o facto ilícito que, em concreto/ causou a (i) restrição anormal do potencial de atividade e trabalho integrantes da profissão de notário, no plano qualitativo/ e a (ii) redução, que já se verificava, à data de entrada da presente ação, do volume de trabalho e rendimentos esperados obter pela Recorrente; XIX.

Ao serem retiradas competências exclusivas aos Senhores Notários que passam a ser exercidas por serviços do Recorrido e em conjunto com a prática dos atos de registo predial (permitindo-se, assim, a cobrança de um preço global pelos dois serviços - o que se mostra impossível de almejar pelos Senhores Notários) - num contexto, como se refere no douto despacho/ de crise económica - outra consequência não poderá daí advir senão a de imediata e abrupta perda de clientela dos Senhores Notários; XX. Aquando da privatização do notariado português, nenhuma das competências que/ tradicionalmente, integravam a função notarial foi retirada aos Senhores Notários; com efeito, o artigo 80º do CN, preceito que prevê quais os atos / negócios jurídicos que têm que ser celebrados por escritura pública, manteve-se, na sua essência, inalterado, mantendo a mesma redação desde a privatização do notariado (2004/2005) até à aprovação do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de julho (com algumas exceções de diminuto relevo); XXI. São pressupostos da obrigação de indemnização pelo sacrifício (i) a prática de ato lícito para a satisfação do interesse público; (ii) o dano especial e anormal e (iii) o nexo de causalidade, previstos na norma do artigo 16º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro} a qual determina que «[o] Estado e as demais pessoas colectivas de direito público indemnizam os particulares a quem/ por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado», os quais, in casu, se mostram preenchidos: XXII. Importa sublinhar, quanto ao dano especial, que apenas os Senhores Notários viram o conteúdo essencial d a sua profissão ser restringido, de forma grave, pelas disposições do Decreto-Lei nº 116/1.008} de 4 de julho, pelo que os encargos gerados por este diploma foram (e ainda são) suportados, apenas, pela Recorrente e pelos seus colegas notários, Termos em que ao presente recurso deve ser dado provimento e, assim, concluir-se pela procedência dos pedidos formulados pela Recorrente, com as consequências legais, com o que V. Ex.cias., Senhores Desembargadores, farão Justiça!”.

*O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem: “1 Ao contrário do sustentado pelo Recorrente, o despacho saneador-sentença não padece da invocada nulidade, nos termos do disposto no art. 615°, n" 1, alínea c), do CPC, por alegada "contradição entre os fundamentos alegados e a decisão proferida quanto à dispensa da prova testemunhal requerida"; 2. A própria argumentação aduzida pelo Recorrente a esse propósito (a que se reportam as conclusões I. a IV.) não é sequer suscetível de a configurar; 3. Poderia, isso sim, e quando muito, configurar um eventual erro de julgamento no tocante à decisão da matéria de facto, que, todavia, a Recorrente não invocou (e cuja impugnação estaria, de resto, sob pena de rejeição, sujeita ao ónus de especificação previsto no art. 640°, n? I, do CPC) e que, de todo o modo, não se verifica; 4 Também não ocorre a arguida nulidade do despacho saneador-sentença nos termos do art. 615°, n° 1, alínea d), do CPC, por alegada omissão de pronúncia quanto ao requerimento de...

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