Acórdão nº 00146/13.5BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Junho de 2018
Magistrado Responsável | João Beato Oliveira Sousa |
Data da Resolução | 15 de Junho de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO M... SGPS SA, veio interpor recurso da sentença do TAF de COIMBRA que, na presente acção administrativa comum, no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, contra o Estado, Ministério das Finanças, JMD e CA, julgou a acção improcedente e absolveu os Réu do pedido.
*Conclusões da Recorrente:
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A valer como boa a interpretação/aplicação sustentada pela sentença recorrida relativa aos art.ºs 9.º e 10.º do RRCE, bem podem os pobres cidadãos deste País ser “esmifrados” ilegalmente pela tirania do Estado, através dos seus órgãos, sem quaisquer outras consequências para o “tirano” que não sejam, apenas, as do insucesso prático da sua pretensão anulada do ataque aos direitos dos cidadãos.
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Encontra-se definido, com trânsito em julgado do acórdão do STA proferido no Proc. n.º 135/11.4BECBR, que o acto de liquidação em causa no processo é um acto ilícito, por violar o disposto nos artigos 46.º, n.ºs 2 e 3 do Código do IRC e 32.º, n.ºs 2 e 3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais e art.º 11.º da Lei Geral Tributária.
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A ilicitude relevante para efeitos da constituição da responsabilidade extracontratual do Estado encontra-se construída, no art.º 9.º, n.º 1, do RRCE, em torno de dois vectores: por um lado, exige-se que a acção ou omissão concretamente praticadas pelos titulares de órgãos, funcionários e agentes do Estado violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou que infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado; por outro lado, é necessário, concorrentemente, que dessa concreta violação ou infracção de normas ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou de regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado advenha adequadamente a ofensa de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos.
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Esses dois vectores de ilicitude verificam-se no caso concreto: a violação de normas legais do acto praticado pelo R. Estado, através dos seus órgãos, resulta, com trânsito em julgado, do referido acórdão do STA.
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Por outro lado, o facto praticado pelo mesmo R. ofende o direito fundamental subjectivo de propriedade da A., consagrado no art.º 62.º da CRP, ao privá-la dos meios financeiros que seriam necessários para o pagamento do montante de imposto da liquidação.
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Segundo o disposto no art.º 10.º do RRCE, a culpa, em concreto, deve ser apreciada não segundo a diligência habitual do autor do dano mas em abstracto, tendo, porém, por referente não um “cidadão médio, razoavelmente cuidadoso, atento, empenhado e hábil” que constitui o arquétipo de um bom pai de família, pressuposto no regime geral de responsabilidade civil do art.º 487.º do Código Civil, mas a diligência e aptidão exigível, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor”.
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Estando em causa um facto praticado não como simples pessoa ou simples cidadão mas no exercício de funções de titular de órgão, funcionário ou agente por conta do Estado e por causa desse exercício, o referente axiológico só poderá ser o de um agente medianamente competente, zeloso ou diligente no exercício das suas funções legais já que é esse arquétipo aquele que é tido pelo legislador quando atribui competências.
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O funcionário não age no exercício de um direito pessoal de autonomia ou liberdade de expressão e de pensamento enquanto pessoa mas no exercício de um estatuto legal que o obriga a agir com total subordinação da lei e dos princípios da justiça, imparcialidade e boa-fé, nos termos do art.º 266.º, n.º 2, da CRP.
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No exercício desse estatuto, o funcionário não podia desconhecer a posição da DGI firmada no Despacho, P 2799/2009, de 19/11/2009 do Director-Geral dos Impostos, para fazer prevalecer a sua posição interpretativa.
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Nos termos do o n.º 2 do art.º 10.º do RRCE – completamente ignorado pela decisão recorrida – presume-se a existência de culpa leve na prática, pelo funcionário, de actos ilícitos quando se não demonstre a existência de dolo ou de culpa grave.
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Deste modo, mesmo a considerar-se que a A. não tivesse provado o dolo ou culpa grave dos RR,. a sentença recorrida teria de concluir, no menos, pela culpa leve do Estado na prática do acto ilícito, tanto mais que o Estado não demonstrou ter agido sem culpa e a ele incumbia esse ónus de demonstração de inexistência de culpa leve (art.º 344.º do CC).
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Afrontando o facto ilícito praticado pelos RR disposições legais expressas e a posição interpretativa anterior tomada pelo órgão administrativo de cúpula da administração tributária (a DGI), nunca se poderá concluir que o funcionário não agiu, pelo menos, com culpa leve.
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Tendo a R. C... sido alertada, a quando do exercício do direito de audição da Recorrente sobre o projecto de relatório de inspecção elaborado pela mesma, da ilegalidade da prática do facto e não tendo procedido, sequer, conforme consta do projecto de relatório cuja existência se dá como assente no probatório da sentença, a qualquer concreta ponderação e confrontação entre os argumentos apresentados pela Recorrente e os argumentos aduzidos no seu relatório, a conclusão a tirar só pode ser, segundo as regras de experiência comum, a da total indiferença sua sobre a conformidade com a lei do resultado da sua acção.
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Com essa atitude a R. C... agiu, pelo menos, com dolo eventual: o agente representou o facto e a possibilidade de o mesmo violar os direitos de terceiro, mas não obstante isso não se demitiu de o praticar e conformar-se com a sua realização (art.º 14.º, n.º 3, do Código Penal).
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A exigência de causalidade adequada entre o facto e o dano encontra-se consagrada no art.º 563.º do Código Civil, ao dispor-se que “a obrigação de indemnizar só existe em relação a danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
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Se não fosse a lesão dos direitos da Recorrente por força da prática do facto ilícito, a Recorrente não teria de ter recorrido aos serviços de advogado para anular os efeitos desse facto ilícito na sua esfera patrimonial e, decorrente e necessariamente, de suportar o custo dos respectivos honorários.
Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue procedente por provada a acção, ou, no mínimo, que ordene o prosseguimento dos autos, assim se fazendo Justiça.
*Conclusões do Réu Estado Português: 1ª - A Autora M... SGPS vem insurgir-se contra a sentença proferida na acção administrativa comum, no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, que intentou contra o Estado Português e, JMD e CA, pois que negou o seu pedido de condenação dos RR ao pagamento de indemnização pelos honorários que teve que suportar com o patrocínio decorrente da acção de impugnação n°135/11.4BECBR que correu termos neste tribunal.
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- Para tanto, a Autora alega que os RR actuaram ilicitamente no âmbito de uma acção inspectiva levada a cabo pelo Administração Tributária que correu quanto ao cumprimento dos deveres tributários da Autora, referente ao período de tributação de 2006.
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- A Autora não se conformou com o resultado da acção inspectiva e recorreu ao tribunal para fazer valer os seus direitos, tendo obtido ganho de causa, em primeira instância. Interposto recurso pela AT, veio o mesmo a ser julgado improcedente.
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- No caso em análise releva o disposto nos artigos 7.°, 9.° e 10.° da Lei n°67/2007, de 31 de Dezembro, que apresentam como pressupostos, em geral, os estatuídos na lei civil, ou seja, no art. 483.° e ss. do Código Civil, onde se dispõe que só há responsabilidade civil se se verificarem os seguintes requisitos, a saber, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade adequada, entre a conduta e o dano.
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- Disposições essas que não foram violadas, como quer fazer crer a Autora, uma vez que o facto danoso imputados aos RR têm a ver com uma suposta errada interpretação que fizeram das normas aplicadas á situação dos autos, designadamente na aplicação do n°3 do art. 32° do EBF...
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