Acórdão nº 02749/11.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução15 de Junho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

ASA (R. N…, 4415-497 Vila Nova de Gaia) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que julgou improcedente acção administrativa comum ordinária intentada contra o Município de Vila Nova de Gaia (R. Álvares Cabral, 4400-017 Vila Nova de Gaia), pedindo a sua “condenação no pagamento da quantia de € 3.413.855,75, a título de indemnização pelos danos sofridos em virtude do despacho proferido em 10.01.98”, e juros.

O recorrente conclui: 1.ª - O Recorrente, em todo e qualquer momento, não praticou qualquer ilegalidade, tendo sempre pautado a sua actuação pelo estrito cumprimento das decisões e actos praticados pelo Réu Município; 2.ª - O Réu Município, em toda a sua actuação - concessão do licenciamento de construção e posterior declaração de nulidade - teve sempre, como é seu apanágio legal e funcional, a total autonomia decisória, sendo por isso, único responsável pelos efeitos e consequências dos seus actos e decisões; 3.ª - Como tal, sendo actos de gestão pública, as consequências danosas daí decorrentes enquadram-se na responsabilidade civil do Estado e das pessoas colectivas públicas, porque praticados no exercício das funções legalmente previstas e por causa do exercício dessas mesmas funções; 4.ª - O acto ilícito gerador de responsabilidade consubstancia-se, como um conjunto inseparável, na prática, pelo Réu Município, do deferimento do licenciamento da construção e na posterior declaração de nulidade de tal licenciamento, sem qualquer violação de normas ou autorizações por parte do Recorrente ou de terceiros; 5.ª - O Réu Município actuou de forma totalmente autónoma, no exercício do poder-dever de fiscalização e cumprimento das normas administrativas, que conhecia e tinha a obrigação de conhecer melhor que qualquer outra entidade; 6.ª - Actuou pois com culpa exclusiva e indesculpável, já que a ilegalidade verificada no licenciamento da obra foi por si praticada; 7.ª - Embora ilegais e/ou nulos, os actos praticados pelo Réu Município produziram, inevitavelmente, efeitos e consequências que não se extinguem pela simples declaração de nulidade - como aquele muito bem sabia; 8.ª - O Recorrente, no exercício legítimo dos direitos resultantes dos actos praticados pelo Réu Município, adquiriu expectativas reais e objectivas, tendo celebrado acordos e compromissos, nomeadamente com uma sociedade terceira, a ISZ; 9.ª - Esta, também e sempre no exercício legítimo e escrupuloso desses direitos decorrentes dos actos praticados pelo Réu Município, iniciou a construção, a qual já se encontrava em avançado estado de andamento na data da declaração de nulidade; 10.ª - Em momento algum o Recorrente ou essa sociedade desrespeitaram os actos e prerrogativas concedidos pelo Réu Município; 11.ª - O Recorrente, como pessoa de boa-fé, teve naturalmente de assumir as consequências perante a referida sociedade, decorrentes da interrupção e demolição da obra; 12.ª - Responsabilidade à qual não se podia eximir, nomeadamente em processo judicial, sem incorrer em notória litigância de má-fé; 13.ª - E sofreu assim, pelo menos (mas na verdade muito mais do que isso) as consequências patrimoniais da condenação no pagamento de uma indemnização à já identificada sociedade; 14.ª - Desta forma, o prejuízo sofrido pelo Recorrente - enformado em sentença condenatória transitada em julgado - foi no mínimo igual a tal condenação; 15.ª - Mas, sem prescindir, se dúvidas houvesse sobre o quantum indemnizatório, podia e devia o Tribunal a quo proferir decisão de condenação em montante indeterminado, a liquidar em execução de sentença; 16.ª - Além do mais, o nexo de causalidade existe claramente entre o facto ilícito e a consequência danosa, porque todos os actos e factos dimanam do Réu Município e são exclusivamente inerentes à sua actuação, com exclusão de qualquer outro elemento ou evento causal; 17.ª - A causa, directa, necessária e exclusiva, das consequências danosas sofridas pelo Recorrente radicam integralmente no licenciamento concedido pelo Réu Município e pelo reconhecimento, por este, de que praticou actos ilegais e nulos; 18.ª - Esta a causa adequada e exclusivo de todo o conjunto de eventos posteriores e das consequências patrimoniais sofridas pelo Recorrente, sujeito à referida indemnização à sociedade ISZ; 19.ª - Ao contrário do decidido, ficaram demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade do Réu Município, que consequentemente deveriam ter ditado uma decisão de procedência e condenação; 20.ª - Ao assim não se entender, ficaram violadas as normas dos artigos 483.º e 487.º do Código Civil, do artigo 661.º do Código de Processo Civil (actualmente artigo 609.º do NCPC), o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, mormente os seus artigos 2.º e 4.º e o artigo 2º do C.R.P.

*O réu Municípo contra-alegou, concluindo: A - Para que exista dever de indemnizar ao abrigo da responsabilidade civil por acto ilícito é necessário que se verifiquem os pressupostos legais; B - O recorrente indica como acto lesivo o acto que declarou a nulidade do licenciamento, acto este que é lícito, como foi declarado pelo Tribunal, não podendo por isso dar azo a indemnização pela prática de acto ilícito, pro faltar o requisito da ilicitude; C - O recorrente não logrou fazer prova da culpa do recorrido, que se limitou a declarar, após análise da comissão conjunta, que o licenciamento fora ilegal; D - A declaração de uma nulidade não é uma retirada de direitos mas sim a reposição da legalidade; E - O recorrente não provou ter sofrido qualquer dano por força do acto que elege como lesivo nem por qualquer outro acto do recorrido; F - Os danos que alega resultam da sua própria conduta, por ter subscrito o acordo com a Imosexezelo e por não ter contestado a acção que esta empresa intentou contra ele; G - E nos presentes autos o recorrente não logrou sequer provar os danos invocados pela ISZ naquela acção; H - Em todo o caso, a haver danos estes nunca seriam da dimensão do montante pedido, sendo certo que só seriam indemnizáveis os gastos efectivamente feitos e não os lucros cessantes ou o valor do terreno; I - Não há nexo de causalidade entre o acto lesivo e os danos invocados, que resultam da actuação do recorrente e não da declaração de nulidade; J - Não há fundamento para condenar o recorrido por responsabilidade por acto lícito, já que não se reúnem os requisitos legais; L - E também aí estaria excluída a indemnização por danos futuros ou lucros cessantes; M - Deve manter-se a douta decisão em crise, sendo negado provimento ao recurso;*O réu Municípo apresentou recurso subordinado, onde conclui: A - O ora recorrente defendeu-se por excepção, arguindo a prescrição do direito que o recorrido quer fazer valer; B - No despacho saneador foi a apreciação desta questão relegada para a decisão final mas nesta nada se diz sobre a prescrição do direito; C - O Tribunal estava obrigado a apreciar esta questão pelo que a douta decisão recorrida incorre em nulidade por omissão de pronúncia; D - O direito que o recorrido quer fazer valer encontra-se prescrito, por terem decorrido mais de 3 anos sobre a data em que teve conhecimento do direito que lhe compete; E - Ao não declarar a prescrição a douta sentença em crise viola os arts. 608° e 615º, n.° 1, al. d) do CP Civil e do art. 498º do C. Civil e padece de nulidade, que deve ser declarada com os efeitos legais.

*Reconhecida nulidade por omissão de pronúncia, sanada com conhecimento da questão omitida - prescrição -, veio o réu Municípo alargar o âmbito do recurso, rematando: A - O ora recorrente defendeu-se por excepção, arguindo a prescrição do direito que o recorrido quer fazer valer; B - O direito que o recorrido quer fazer valer encontra-se prescrito, por terem decorrido mais de 3 anos sobre a data em que teve conhecimento do direito que lhe compete; C - Ao não declarar a prescrição a douta sentença em crise viola o art. 498º do C. Civil e deve ser, nesta parte, revogada;*Com resposta do autor, que termina assim: A.

Ao contrário do que é referido pelo recorrente nas suas doutas alegações, a prescrição não pode operar no caso em crise.

B.

Andou bem o tribunal a quo aquando entendeu que não havia prescrição do direito do recorrido.

C.

O facto de o tribunal onde foi intentada acção ter sido moroso na sua decisão - cerca de uma década - não pode afectar o direito do recorrido no que concerne à sua prescrição.

D.

A prescrição foi interrompida em 1999, quando intentou a acção, sendo que o prazo voltou a contar em 2009, data em que a sentença transitou em julgado.

E.

Sendo o prazo legal de 3 anos, ao intentar nova acção em 2011, o recorrido não está a ter uma conduta extemporânea, antes pelo contrário, está em tempo de exercer o seu direito.

*O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado para efeitos do art.º 146º do CPTA, não emitiu parecer.

*Dispensando vistos, cumpre decidir.

*Os factos, que a decisão recorrida consignou como provados: 1.

O autor foi dono e "legitimo proprietário" do terreno destinado a construção urbana, situado no lugar de C…, freguesia de Seixezelo, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o número 260; 2.

Em 11 de Agosto de 1998, o A. celebrou, por escritura pública, com a sociedade comercial ISZ, LDA., um contrato de “permuta”.

  1. Mediante o qual, o A. transferiu a propriedade do terreno identificado em A) a favor da sociedade ISZ, LDA. “... no valor de quinze milhões de escudos em troca e em igual valor, a referida sociedade […] dá duas fracções autónomas […] a) no valor de sete milhões e quinhentos mil escudos, uma habitação do tipo T-dois, no segundo andar esquerdo, bloco sul; b) no valor de sete milhões e quinhentos mil escudos, uma habitação do tipo T-dois, no terceiro andar esquerdo, bloco sul ... ", tendo ficado consignado nesse contrato que a sociedade comercial " ... ir[ia] construir nes[se] terreno um urbano, futuramente em regime de propriedade horizontal, conforme projecto já aprovado pela Câmara Municipal do...

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