Acórdão nº 00924/13.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução12 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I — RELATÓRIO Recorrente: RAMF Recorridas: Ascendi, SA (adiante, Ascendi); AIG EL, sucursal em Portugal (adiante, AIG).

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a acção, absolvendo a Ré e a Interveniente do pedido de condenação ao pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais não inferior a 7.572,42€, acrescido de juros à taxa legal em vigor desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

*Conclusões do Recorrente, que delimitam o objecto do recurso: “1. O recorrente discorda da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que considerou que os pressupostos de atribuição da responsabilidade extracontratual não se aplicariam, apesar de se ter verificado a presunção de culpa que legalmente impende sobre a recorrida, pelo facto de o recorrente circular em excesso de velocidade; 2. A sentença olvidou as concretas circunstâncias em que se deu o acidente, sendo certo que desvirtua o sentido a dar à regra do nº 1 do artº 24º do Código da Estrada de que o condutor deve adoptar velocidade que lhe permita fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente; 3. Na verdade, aquele dispositivo apenas funciona para situações previsíveis para o condutor e não já para todas aquelas situações imprevisíveis, nomeadamente quando o obstáculo lhe surge de forma súbita ou repentina, como foi o caso; 4. Além disso, nos acidentes de viação o que importa determinar, mais do que a violação formal de uma regra de trânsito, é o processo causal da verificação do acidente, ou seja a conduta concreta de cada um dos intervenientes e a influência dela na sua produção; 5. Mesmo a circular dentro dos limites máximos admissíveis para o local, o recorrente nunca poderia parar no espaço livre e visível à sua frente, atento o facto de o animal lhe ter surgido de forma súbita, encoberto pelos dois veículos pesados que se encontravam à sua direita, não tendo contribuído de que forma fosse para a eclosão do acidente; 6. Assim sendo, os factos dados como provados são suficientes, no entender do recorrente para fundamentar a culpa da recorrida baseada na responsabilidade extracontratual; 7. É à recorrida que se tem de imputar a omissão das normais regras de vigilância e diligência medianas, e, consequentemente, é a ela que se deverá atribuir a culpa na eclosão do acidente, pelo facto de não ter conseguido ilidir a presunção legal de culpa que sobre si impendia; 8. Foram violadas, entre outras, as seguintes disposições legais: do Código Civil: arts. 483º e 570º do Código da Estrada: artº 24º e nº 1 do artº 25º Termos em que, deverá revogar-se o douto acórdão proferido, substituindo-o por outro que condene a recorrida nos termos propugnados, Assim se fazendo JUSTIÇA.”.

*O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos, designadamente: “1. Fundamentação.

  1. Ponto prévio: da correcção de parte da matéria de facto considerada provada.

    Certamente por mero lapso (de escrita, presume-se), o Tribunal a quo deu como provado na alínea C) dos factos provados o seguinte: - "No dia referido em A), na via mais à direita circulava um veículo pesado, na faixa do meio um autocarro e na via da esquerda o veículo do Autor ( ... )" ¬sublinhado nosso.

    Ora, sucede que não é verdade que o veículo fosse, naquela data, da propriedade do. A., como facilmente se pode concluir de vários documentos juntos aos autos (particularmente juntos pela R. elou por sua iniciativa, já que o A. - bem sabendo que não o era - não se coibiu de alegar p. ex. em 5° da p. i. que era o proprietário do veículo), mas também das alíneas T). U). V) e W) dos factos provados e ainda da circunstância de resultar dos factos não provados, de forma clara e indiscutível, que "não se provou que o Autor fosse o proprietário do veículo LB à data do acidente ( ... )".

    Por isso, e muito mais que uma reapreciação da matéria de facto neste caso, parece-nos que está antes em causa uma correcção de um lapso de escrita que se impõe face ao que os autos demonstram sem qualquer dificuldade.

    Importa, pois, alterar a redacção dessa alínea C) dos factos provados em conformidade com a prova dos autos, substituindo aquele segmento sublinhado "Q veículo do Autor"por aqueloutro "o veículo conduzido pelo Autor".

  2. Das contra-alegações.

    Salvo o devido respeito e fundamentalmente por melhor opinião, parece-nos perfeitamente visível a falta de convicção que perpassa toda a douta peça processual do A., própria, aliás, de quem bem sabe que a argumentação utilizada não é minimamente consistente.

    E, de resto, não admira nada que assim seja, porquanto é seguramente expectável que o A. tenha a exacta noção do que alegou e, mais que isso, que tenha ainda uma melhor noção da prova que fez e sobretudo daquela que não logrou fazer nestes autos.

    Veja-se, aliás, a argumentação avançada pelo A. para tentar contrariar (sem qualquer sucesso, como facilmente se antecipa) um facto inquestionavelmente provado (que o veículo circulava em excesso de velocidade, cerca de 120/130 km/h, num local onde a velocidade máxima instantânea permitida - assim também mostram os autos ¬era de 100 km/h) que, curiosamente, teve por "fonte" as declarações de parte, o que, convenhamos, terá numa situação como esta ainda mais força do que se outro tipo de prova de tratasse como p. ex. o tal "aparelho" que, sem que se perceba muito bem por que razão, o A. também chama à colação (recorde-se: foi o A., manifestamente interessado no êxito da acção, a admitir esse excesso de velocidade e esse incumprimento consciente da legislação estradal que conhece ou, pelo menos, de que não pode invocar desconhecimento).

    Mais: se for ou vida a gravação das declarações de parte prestadas pelo A. (o que, adiante-se. nem sequer se afigura necessário) conseguimos perceber muito facilmente a dado passo que essa violação da lei (do Cód. da Estrada que - curiosamente também - o A. até chega ao ponto de "acusar" o Tribunal a quo de ter violado?!!!) não representou um qualquer problema elou implicou sequer um "rebate de consciência" para o A, na medida em que este declarou ipsis verbis (isto se as notas então tiradas pelo signatário estão correctas, mas certamente, e no mínimo, que o sentido é seguramente este) que "não acha que iria em excesso de velocidade".

    Ora, isso é, no mínimo, muito preocupante e diz bem da falta de razão do A neste seu recurso, mas acaba também por confirmar o acerto da decisão quanto à relevância que deu - e bem - à violação da lei por parte do A. e, naturalmente, à culpa que lhe é manifestamente imputável na produção do sinistro sub judice.

    Depois, e, de resto, nessa linha, é também de salientar - não sem alguma curiosidade, diga-se - o outro (?!1!) argumento do A. visando a alteração da decisão da 1- instância.

    Com efeito, pergunta o A se então transitasse a outra velocidade (necessariamente menor àquela provada) o acidente teria acontecido. E conclui que o acidente teria deflagrado na mesma porque - diz - era inevitável.

    Pois ... Pode até ser (em tese, diga-se assim), mas, e desde logo, não se vislumbra onde foi/vai buscar o A. o "conforto" para essa conclusão que avança de seu mote próprio, i. e., que alegadamente o acidente seria inevitável.

    É que dos factos provados não resulta de forma alguma (e, aliás, nem sequer das alíneas D) e E) destes factos provados) essa conclusão que apenas o A. ensaia.

    Efectivamente, o facto de ter sido dado como provado na alínea D) dos factos provados que "(...) o Autor não se conseguiu desviar (. .. )" do animal ou que este A. "(...) só conseguiu visualizar o animal quando este já estava na frente do veículo" (e, ainda assim, apenas com base nas declarações de parte do A., o que não é de forma alguma inócuo) não autoriza que se conclua - longe disso, aliás - que o acidente era, como defende o A., inevitável.

    E menos ainda quando se sabe e os autos demonstram-no, sem sombra de qualquer dúvida, que há "dedo" muito visível do pr6prio A. na história/explicação deste sinistro.

    Isto para além - obviamente - de ser manifesto que ocorre in casu a violação do dever de diligência, de atenção e de cuidado por parte do A, assim contrariando a exigível observância, também por parte deste A., do chamado critério do bonus pater familia e previsto no artigo 4870 n° 2 do C6d. Civil.

    Aliás, como diz Antunes Varela (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição. Almedina, Coimbra. 1990, pág. 92): - "Agir com culpa significa actuar, por forma a que, a conduta do agente, seja pessoalmente censurável ou responsável e o juízo de censura ou de reprovação dessa conduta só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo."- itálico e sublinhado nossos.

    Ora, considerando este facto provado (materializado naquele excesso de velocidade. mas também revelador da falta de diligência, de atenção e de cuidado do próprio A.), é imperativo concluir que se verifica culpa do lesado, no que tange ao agravamento dos danos (mas não só).

    Com efeito. é evidente (e até quase intuitiva) a relação directa e necessária da extensão dos danos registados no veículo (quaisquer que eles sejam - e essa é outra questão) com a velocidade imprimida ao veículo, pois quanto maior for a velocidade a que roda um veículo, mais extensos serão os danos resultantes de uma colisão a essa velocidade superior. De modo que, mesmo que nos quedássemos apenas por aqui, sempre teríamos inevitavelmente de concluir que, pelo menos, uma parte da responsabilidade pela eclosão do sinistro teria de ser assacada ao próprio A e, naturalmente, uma parte da culpa (e. como é evidente, a maior parte) pela extensão dos danos registada dever-lhe-ia ser endossada.

    De resto, como decorre do disposto no artigo 4.º do RRCEEP, "quando o comportamento culposo do lesado tenha...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT