Acórdão nº 00394/11.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução12 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO AERSPFM, viúva, contribuinte fiscal n° 1…23, residente na Av. Dr. M…, Lisboa, ACPPMCG, casada, contribuinte fiscal n° 1…39, residente na Rua Q…, Oeiras, LMPPM, solteiro, maior, contribuinte fiscal n° 1…47, residente na Alameda F…, Algés, PJPPM, solteiro, maior, contribuinte fiscal n° 1…20, residente na Av. Dr. M…, Lisboa, propuseram acção de indemnização por responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito ou funcionamento anormal do serviço, sob a forma de acção administrativa comum ordinária contra: Município de M...

, Câmara Municipal de M..., Praça do Município, 3070-304 M..., JMRR, Presidente da Câmara de M..., com domicílio profissional na Câmara Municipal de M..., Praça do Município, 3070-304 M..., LMNR, Vereador, com domicílio profissional na Câmara Municipal de M..., Praça do Município, 3070-304 M..., JCSR, Vereador, com domicílio profissional na Câmara Municipal de M..., Praça do Município, 3070-304 M..., e CCMR, Vereadora, com domicílio profissional na Câmara Municipal de M..., Praça do Município, 3070-304 M..., alegando, em síntese: depois de lhe ter sido solicitada uma mudança de local e ampliação das instalações em 10 de Novembro de 2006, a Câmara Municipal de M... deliberou indeferir o pedido em 12 de junho de 2008, revogar esta decisão em 14/5/2009, após queixa à Provedoria de Justiça com fundamento na ilegalidade do acto a que faltaria fundamentação, e voltou a deliberar indeferir o pedido em 10/9/2009. Por causa da demora deste procedimento, em 22/7/2009 ocorreu perda de interesse no negócio, cujo contrato-promessa havia sido celebrado em 27 de outubro de 2006 entre os AA e a sociedade DP, SA, sujeito a diversas condições e termo. Da actuação do Município e seus representantes resultou dano patrimonial por facto ilícito do órgão ou agentes administrativos ou por funcionamento anormal do serviço público.

Pediram indemnização com fundamento em culpa grave de todos os agentes ou, subsidiariamente, do Município, por culpa leve ou funcionamento anormal do serviço, no valor de € 1.200.000,00 acrescido das actualizações anuais e do valor das construções previstas no contrato-promessa ou, subsidiariamente, no valor do dano a fixar por equidade.

Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção e absolvidos dos pedidos os Réus.

Desta vem interposto recurso.

*Alegando, os Autores formularam as seguintes conclusões: 1.ª – O presente recurso tem por objecto a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que considerou improcedente a acção de responsabilidade civil identificada em epígrafe com base em diversos erros de julgamento que se demonstraram claramente nas presentes alegações.

2-.ª – O despacho/saneador sentença sob recurso não carreou para a matéria de facto dada como provada toda aquela que interessa para a decisão dos autos e que se encontra provada documentalmente, pelo que a mesma deve ser ampliada nos termos constantes do ponto II das presentes alegações.

  1. - Os autores, ora recorrentes, são titulares de um direito a indemnização por ilicitudes cometidas no processo de aprovação de localização em causa nos autos, já que enquanto proprietários dos terrenos (os quais habilitaram a D… a requerer o licenciamento) a decisão a adoptar nesse processo reflecte-se directamente na sua esfera jurídica, sendo titulares de direitos e interesses legalmente protegidos no mesmo, e não quaisquer terceiros.

  1. - Erra também a sentença recorrida quando entende que não existe ilicitude, como exposto detidamente no ponto IV destas alegações, tendo ficado provado que o acto de indeferimento de 12 de Junho de 2008 é ilegal padecendo de desvio de poder, de vício de forma por falta de fundamentação e de erro de apreciação, sendo igualmente ilegal o acto que o revoga sem decidir o procedimento. A ilicitude destes dois actos leva a que se produza irremediavelmente o dano, com a perda de interesse no contrato promessa, sendo que certo, em qualquer caso, que o acto de indeferimento de Maio de 2009 é também ilegal.

    5.

    ª – A ilicitude em causa nos presentes autos reside também no funcionamento anormal do serviço que a própria sentença recorrida reconheceu ter existido.

  2. – Julga mal a sentença recorrida ao considerar que não pode haver direito a indemnização porque não se demonstra haver um direito a que o processo fosse deferido, tendo aliás o mesmo sido sucessivamente indeferido. Pelo contrário, aquilo que fica provado é que o indeferimento ilegal, e o atraso anormal na decisão do procedimento, levou irremediavelmente a que os ora Recorrentes perdessem o negócio que celebraram com a D… (pois levou à perda de interesse desta no negócio). Desta forma, a verdade é que a ilicitude aqui em questão provoca o dano certo da perda de possibilidade de que os recorrentes retirem a utilidade económica esperada do contrato com a D…, e vejam a superfície comercial instalada no seu terreno.

  3. - Seria inconstitucional, por violação do artigo 22.º da Constituição, a norma constante do artigo 7.º, n.º 1 e 3, e do artigo 8.º n.º 1 e 2, do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, interpretadas no sentido de que nunca haverá dever de indemnizar quando não se consiga demonstrar que o lesado obteria o deferimento da sua pretensão caso a Administração tivesse agido legalmente. Será inconstitucional, assim, essa norma interpretada no sentido de que não haverá dever de indemnizar sempre que a actuação ilícita se tenha produzido num procedimento em que o deferimento da pretensão do particular depende do exercício de um poder discricionário 8ª – O juízo de prognose póstuma que é possível fazer no caso em apreço leva a concluir pela existência não apenas de uma possibilidade séria de a decisão ser de aprovação caso tivesse sido adoptada legal e atempadamente, mas por uma probabilidade muito forte nesse sentido.

  4. – Por um lado, o deferimento (expresso ou tácito) era o único resultado legalmente possível de um procedimento em que todos os pareceres conduzem ao deferimento, e em que nenhum dos membros da câmara municipal traz para a decisão qualquer facto que possa fundamentar o indeferimento. Num procedimento em que a lei estabelece que a falta de decisão atempada equivale a aprovação, das duas, uma: ou os membros da câmara municipal se baseavam nos dados constantes do processo e aprovavam, ou a incerteza gerava a consequência que a lei associa nestes processos aos casos em que o órgão competente não está em condições de decidir atempadamente: o deferimento tácito.

    10.

    ª - Aquilo que não é legalmente admissível é que a câmara municipal indefira com base na incerteza, auto-atribuindo-se um novo prazo para decidir, não previsto na lei, e fazendo associar à incerteza – à inexistência de condições para decidir (por insuficiente instrução do processo) - uma consequência contrária àquela que a lei prevê. Nestes casos, e para tutela dos particulares, a lei estabelece que se a Administração não estiver em condições legais de decidir num determinado prazo, a consequência é o deferimento. Ora, no caso em apreço, a câmara municipal pretendeu ilegalmente que essa consequência fosse o indeferimento, violando assim a lei e pondo em causa a tutela legalmente concedida pelo instituto da aprovação tácita.

  5. - A forte probabilidade de deferimento, se a decisão tivesse sido válida, resulta, numa outra perspectiva, do facto de a única dúvida que levou à não aprovação em 12 de Junho de 2008 ter sido removida no sentido favorável a essa aprovação. O indeferimento de 2009 por ser ilegal, e posterior à consumação irremediável dos danos, é irrelevante para este juízo.

  6. - Os danos indemnizáveis são danos directamente resultantes da não celebração do contrato, devendo assim as entidades recorridas ser condenadas numa indemnização equivalente àquela que os recorrentes deixaram de receber em resultado da não celebração do contrato, ou seja, a quantia de 1.200.000€ (um milhão e duzentos mil euros), acrescida das actualizações anuais que seriam devidas, e do valor das construções previstas no contrato a fixar pelo julgador mediante juízo de equidade. Admite-se, no entanto, que das considerações acima expostas, o Tribunal venha a entender que o dano não corresponde à integralidade desse montante, devendo então a indemnização ser fixada com base na equidade.

  7. - A lei presume a culpa leve na prática de actos administrativos ilícitos (artigo 10.º, n.º 2), pelo que deve o Município ser condenado pelos danos causados pelos mesmos, e pelo funcionamento anormal do serviço no procedimento de aprovação de localização aqui em causa. Os membros da Câmara Municipal de M... que votaram o indeferimento da aprovação da localização, e a revogação desse indeferimento sem decisão final do procedimento, agiram com “diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que estavam obrigados”, pelo que devem os mesmos ser condenados a indemnizar solidariamente com o Município.

    Termos em que se requer que se dignem revogar a sentença recorrida e substitui-la por outra que condene os Réus, ora recorridos, a pagar aos Autores, ora recorrentes, a quantia a quantia de 1.200.000€ (um milhão e duzentos mil euros), acrescida das actualizações anuais que seriam devidas, e do valor das construções previstas no contrato a fixar pelo julgador mediante juízo de equidade, ou caso assim se não entenda, uma indemnização fixada com base na equidade.

    *O Município de M... e JMRR juntaram contra-alegações, concluindo: 1.ª -A sentença recorrida retrata com fidelidade e precisão a matéria factual, a qual é inimpugnável e insusceptível de alteração, subsumindo-a à consequente matéria de direito que lhe é aplicável, a qual não merece qualquer censura.

  8. - Tal como consta do Processo Administrativo nº25/2006/2, bem como das deliberações camarárias postas em crise e que fundamentam o peticionado pelos...

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