Acórdão nº 01224/16.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelJoão Beato Oliveira Sousa
Data da Resolução12 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO Vêm os presentes recursos interpostos pela Autora «SM, SA» (recurso independente), Réu Município M...

e Contra-Interessada «AERA, SA» (recursos subordinados) do despacho pelo qual o TAF do Porto decidiu: «Face ao exposto, e conjugada a complexidade da causa apreciada, admite-se a dispensa de 90% do remanescente da taxa de justiça, a pagar por cada uma das partes.»*Conclusões da Autora: I. O resultado final da redução de 90% do remanescente da taxa de justiça revela-se ainda manifestamente excessivo e desproporcionado, porquanto 10% representa um valor de 187 425,00€, ao qual tem de somar-se o montante de 8 925,00€ que as partes já pagaram de taxas de justiça, daí resultando que este Processo comporta para as partes um encargo em “taxas de justiça” na ordem dos DUZENTOS MIL EUROS (196 340 , 00 €).

  1. Este valor de aproximadamente 200 000,00€ de taxas de justiça a ter de suportar, é manifestamente excessivo e desproporcional atendendo quer (i) à conduta processual das partes e complexidade da causa, (ii) quer também, e sobretudo, ao valor do serviço de administração da justiça efectivamente prestado.

  2. O comportamento da Autora, aqui Recorrente, e demais Partes foi sempre de total correcção e lisura, e com uma conduta processual sempre diligente e prudente, sem qualquer intuito ou expediente dilatório; tendo exposto as suas pretensões e fundamentos na medida do estritamente necessário à fundamentação e defesa da sua posição, com argumentos, embora discutíveis e discutidos, juridicamente sustentáveis.

  3. E mesmo a admitir-se que os recursos suscitados na acção (digamos na acção principal, para a distinguir, ou autonomizar, do Incidente de Levantamento do Efeito suspensivo Automático) não se cingiam a questões simples ou de menor complexidade, não se afigura, todavia, que a sua dificuldade não se enquadre na dificuldade jurídica usual das questões jurídicas que são especificamente levadas ao Tribunal Central e Supremo nestes casos de contencioso pré-contratual de contratos de aquisição de serviços.

  4. Por outro lado, é de relevar que dos cerca de 200 000,00€ de taxas de justiça que as partes têm de suportar, aproximadamente 75 000,00€ respeitam ao Incidente de Levantamento do Efeito Suspensivo Automático, o qual, afigura-se, não ser de considerar de especial complexidade.

  5. Afigurasse-nos relevante, neste exercício de avaliação da “complexidade” do referido “Incidente”, atentarmos na enorme diferença do valor da taxa de justiça a pagar em 1ª instância entre a “acção de contencioso pré-contratual”, que paga 2 UCs, e o referido “incidente de levantamento do efeito suspensivo automático”, que paga 0,5 UC, ou seja, menos 75%.

  6. Sendo ainda de considerar, para efeitos de análise da “complexidade” do referido Incidente, por um lado, que o Douto Acórdão proferido em sede de recurso não pôs (e nunca põe neste incidente) termo ao processo principal, e por outro, não se mostra preenchido qualquer um dos parâmetros identificadores das acções de especial complexidade estabelecidos no nº 7 do art. 530º do actual CPC.

  7. Pelo que, analisando-se a conduta processual das partes manifestada ao longo de todo o processo, assim como devidamente ponderada a ausência de especial complexidade, com objectiva evidência no Incidente de Levantamento do Efeito Suspensivo Automático verifica-se estarem preenchidos os pressupostos vertidos no nº 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, e 26 de Dezembro) para que V/Exas. decidam no sentido de dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

  8. Constitui também fundamento para a requerida dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente a verificação de que este valor -- com inclusão do remanescente -- de quase 200 000,00€ de taxas de justiça a pagar pelas partes é manifestamente excessivo e desproporcionado em face do concreto serviço de administração da justiça prestado, circunstância que manifestamente compromete a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática que constitucionalmente justifica o pagamento da “taxa de justiça”.

  9. Como expressamente se refere na declaração de intenções constante do diploma preambular do Regulamento das Custas Processuais, “a taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço”. (destaque nosso) XI. Assim ponderou e decidiu este Venerando Tribunal (TCA-N) em Douto Acórdão de 08 de Janeiro de 2016 proferido no processo n.º 01155/10.1BEBRG (consultável em www.dgsi.pt): “A taxa de justiça cobrada deve ser correspectiva aos serviços prestados, ainda que não em termos absolutos, bem como não ser excessivamente onerosa, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP, em especial na vertente de proibição do excesso, e com o direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º da CRP.” [destaque nosso] XII. Jurisprudência que o Venerando Supremo Tribunal Administrativo sedimentou no Douto Acórdão de 17/01/2018, proferido no processo nº 0933/15 (consultável em www.dgsi.pt), ao julgar que, embora “não se exija uma equivalência rigorosa entre o valor da taxa e o custo do serviço” é, porém, necessário que “a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe”. [destaque nosso] XIII. E, louvando-se em Jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional, acrescenta que “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”. [destaque nosso] XIV. Atendendo a que 10% do remanescente de taxa de justiça que cada parte ainda tem de pagar totaliza um valor de 187 425,00€ (superior em mais de 30 000% àquele que as partes pagaram em 1ª instância), verifica-se no caso sub judicio uma flagrante violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º, nº 1 da CRP, conjugado com o Princípio da Proporcionalidade decorrente do art. 18º, nº 2, da mesma Lei Fundamental.

  10. Daquele montante de 187 425,00€, é da directa responsabilidade da Autora, ora Recorrente, o pagamento de 74 970,00€, um valor superior em mais de 36 000% à taxa de justiça devida (e que a Autora pagou) em 1ª instância, sublinha-se, mais de TRINTA E SEIS MIL POR CENTO SUPERIOR.

  11. De modo geral, em 1ª instância o Processo comporta mais fases, inclusive eventuais audiências de julgamento, com audição/depoimentos de testemunhas, eventual produção de prova pericial com declarações ou esclarecimentos dos peritos, etc., e implica também muito mais actividade por parte do Tribunal, incluindo a sua Secretaria e disponibilidade de instalações, etc., do que, posteriormente, em fase de recurso.

  12. Assim, o pagamento do remanescente da taxa de justiça cujo valor, no caso concreto da aqui Recorrente, é superior à taxa de justiça devida e paga em 1ª instância em mais de 36 000% --...

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