Acórdão nº 02251/10.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução16 de Março de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Município do Porto veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 28.02.2013, pelo qual foi julgada procedente a presente acção administrativa especial que SINTAP – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública, em representação do seu associado AMC e, em consequência se anulou o acto proferido em 04.05.2010, pelo qual o Réu aplicou ao associado do Autor a pena de noventa dias de suspensão; se condenou o Réu a praticar todos os actos necessários à reposição do mesmo associado do Autor na situação jurídico-funcional em que se encontrava à data do acto emitido em 04.05.2010, mormente a pagar-lhe as remunerações que, eventualmente, deixou de receber, acrescidas de juros de mora, contados desde a data em que deveriam ter sido pagas e até efectivo pagamento.

Invocou para tanto, em síntese, que não se verificou a prescrição do procedimento disciplinar e que se verificou a violação do dever de zelo.

O Recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional e que definem o respectivo objecto: A. Ao contrário do que se entendeu na decisão em crise, os factos conhecidos em 2005 pelos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento não permitiam conhecer a infracção disciplinar praticada pelo Associado do Recorrido em toda a sua extensão, na medida em que se desconhecia: (1) se os recibos entregues nos serviços e emitidos por aquela Clínica de SI eram verdadeiros ou falsos, (2) quais eram verdadeiros e quais eram falsos, (3) quais os funcionários que eram pacientes naquela Clínica e, nestes casos, que tratamentos haviam realizado, (4) quais os preços praticados pela clínica pelos tratamentos que realizasse, (5) quem emitia os recibos, quem os entregava nos serviços, (6) quanto era pago à Clínica ou se algo era pago de todo, (7) se os recibos emitidos tinham subjacente algum tratamento médico efectivamente realizado, do colaborador ou de terceiro, etc. – ou seja, tudo circunstâncias fundamentais para se apurar se existia ou não alguma falta, quem a tinha praticado, como, quando e de que forma, e quais as consequências da mesma.

B. Na denúncia apresentada ao Ministério Público, os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento deram conta das dúvidas e suspeitas existentes e não de qualquer conhecimento da existência de faltas – muito menos de faltas praticadas por alguém em concreto, de que forma, quando e com que consequências – sendo que, da lista junta à participação, constavam todos os colaboradores que apresentaram recibos da Clínica de SI nesse ano, sendo que só parte deles vieram a ser constituídos arguidos (criminal e disciplinarmente), porque somente parte deles tinham apresentados recibos falsos.

  1. O “conhecimento da falta” (conceito que vem sendo consistentemente usado pela nossa Jurisprudência), aquela a que se reportava o artigo 4.º, n.º 2 do anterior Estatuto Disciplinar não se confunde com “conhecimento de indícios” ou sequer com o “conhecimento de fortes indícios”, pois que uma coisa é a falta e outra coisa são os indícios, sendo que o conhecimento da falta se tem de reportar a todos os elementos caracterizadores da situação, de modo a poder efectuar-se uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não o poder sancionador – o que, no caso em apreço, ocorreu somente quando o Presidente da Câmara Municipal do Porto tomou conhecimento da acusação crime deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos e, assim, foi dado acesso ao respectivo processo de inquérito crime e toda a prova aí recolhida, sendo assim que o referido preceito legal deveria ter sido interpretado e aplicado; D. O acórdão ora colocado em crise afirma, por um lado, que os Serviços Municipais de Água e Saneamento tomaram conhecimento da falta em finais de 2005 e, por outro lado, que deveriam ter instaurado um processo de inquérito ou de averiguações para apuramento dos factos que desconheciam – o que se traduz num entendimento contraditório em si mesmo, pois que ou se conhece ou não se conhece a falta; E. A instauração de um processo de inquérito ou de averiguações é uma faculdade e não um ónus da Administração, sendo que a sua não instauração tem como única consequência a não suspensão do prazo de prescrição mais longo (previsto no artigo 4.º, n.º 1 do anterior Estatuto Disciplinar), não afectando o prazo de prescrição mais curto (previsto no artigo 4.º, n.º 2 do mesmo diploma), uma vez que este último só inicia a sua contagem a partir do momento em que a falta é conhecida; F. O Tribunal a quo defende a instauração de um processo de inquérito ou de averiguações, quando o mesmo era, no caso em concreto, inútil, por ser insusceptível de descobrir o que quer que fosse, pois que toda a prova então necessária para se apurar os contornos em que haviam sido cometidas as faltas estavam somente ao alcance de uma investigação desencadeada pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária (nos estritos termos previstos nos artigos 135.º, 174.º, n.º 2, n.º 3, e n.º 4 e 177.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, como de facto veio a acontecer), por ser necessário: (

    1. Fazer buscas à Clínica para recolha das fichas médicas (protegidas pela Lei n.º 67/98, de 26.10).

      (b) Fazer o levantamento de sigilo bancário em relação às contas dos colaboradores, Clínica e seus sócios gerentes (todas protegidas pelo artigo 78.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31.12).

      (c) Chamar a depor pessoas externas aos Serviços Municipais de Água e Saneamento, deontologicamente obrigadas a sigilo profissional (como é o caso dos médicos da Clínica, obrigados a sigilo nos termos dos artigos 85.º e seguintes do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Regulamento n.º 14/2009, de 13.01).

      G. A instauração de um processo de inquérito ou de averiguações, não estando estes cobertos por segredo de justiça, comportava ainda o risco de prejudicar ou inviabilizar praticamente a investigação em curso, pelo que também por aqui o mesmo se revelava prejudicial à descoberta das faltas cometidas e um desbarato de recursos da Administração.

      H. Viola claramente o seu dever de zelo o funcionário que, sendo conhecedor das regras regulamentares no que diz respeito à comparticipação de despesas com saúde (ADSE), decide desconsiderá-las, para daí retirar vantagens patrimoniais evidentes a seu proveito, pelo que, o Associado do Recorrido, ao ter entregue nos serviços recibos que sabia serem falsos, para poder receber comparticipações que sabia não lhe serem devidas, não aplicou as regras vigentes nos serviços e na Lei a esse respeito, violando o seu dever de zelo.

      I.

      O dever de zelo implica também que o funcionário ou agente deve evitar o desbarato ou a irregularidade nas despesas, sendo que o não cumprimento das regras regulamentares a observar no caso da obtenção de comparticipações médicas implica responsabilidade disciplinar por violação do dever de zelo – o que ocorreu claramente no caso em apreço, pelo facto do Associado do Recorrido conseguir, conscientemente e fruto da sua conduta infractora, receber € 1.922,72, quando apenas lhe eram devidos € 376,01.

      J. Face aos factos descobertos e dados como provados, e tendo presente o enquadramento legal aplicável, a pena de suspensão por 90 dias afigura-se como a mais adequada e proporcional, dada a gravidade e censurabilidade da conduta, a culpa do agente e os danos causados ao Recorrente, sendo que, nas hipóteses em que a medida se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a administração se serviu.

      K.

      Caso assim não se entenda, e sem prescindir, independentemente dos deveres violados, a conduta infractora adoptada pelo Associado do Recorrido é a mesma e foi plenamente dada como provada, em sede disciplinar e judicial, tendo sido por essa conduta que aquele foi disciplinarmente punido. Assim, mesmo que se considerasse não ter havido violação do dever de zelo – tese à qual efectivamente não se pode aderir – ainda assim a conduta verificada, a sua gravidade, culpa e consequências, sustentavam a aplicação da pena disciplinar de suspensão por 90 dias.

      L. Acresce que, tendo ficado demonstrada a violação do dever de isenção, legalmente punível com a pena disciplinar de demissão, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e 18.º, n.º 1, alínea m) do Estatuto Disciplinar, a pena disciplinar de suspensão (menos gravosa) aplicada ao Associado do Recorrido situa-se dentro do círculo de medidas possíveis face aos deveres funcionais violados e, assim, proporcional e consistente.

      M. O acórdão proferido pelo Tribunal a quo procedeu, salvo o devido respeito por melhor opinião, a uma análise superficial e insuficiente da matéria factual que envolve os presentes autos, levando a uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 3.º, 4.º, 9.º, 10.º, 11.º, 17.º, 18.º e 85.º e seguintes do Estatuto Disciplinar, bem como da Lei n.º 67/98, de 26.10, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31.12, do Regulamento n.º 14/2009, de 13.01, e dos artigos 135.º, 174.º, n.º 2, n.º 3, e n.º 4 e 177.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.

      *II – Matéria de facto.

      Ficaram provados os seguintes factos na decisão recorrida, sem reparos nesta parte: 1) O associado do Autor, em 09.12.1993, tomou posse na categoria de oficial administrativo de 3ª classe da carreira de oficial administrativo, sendo beneficiário da ADSE, e, em 2005, exercia funções nos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do Porto (cfr. fls. 291 a 319 do volume 2 do Anexo A do processo administrativo em apenso).

      2) A partir de 26.10.2006, o associado do A. passou a exercer funções na CMPEA- Empresa de Águas do...

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