Acórdão nº 01252/09.6BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*I – RELATÓRIO JCAM interpôs o presente recurso do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a acção administrativa especial proposta contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA e a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, na qual pediu: (i) a anulação da acusação disciplinar e de actos sequentes do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, com base em falta de assiduidade, (ii) a declaração de nulidade ou a anulação do acto que lhe aplicou a pena de demissão praticado em 03.09.2009 pelo Secretário de Estado da Administração Interna, e, (iii) o pagamento de remunerações imputadas a situação de pré-aposentação e desde Junho de 2008, e a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal para o ano de 2008.

*Em alegações, o Recorrente apresentou as seguintes conclusões: “I - A análise e decisão de um caso ou de um pleito tem de integrar necessariamente a ponderação das suas consequências, na aplicação à concreta situação de facto sub judice, só assim se alcançando a justiça material reclamada por toda e qualquer decisão verdadeiramente jurídica.

1.1 Não cumpre tais objectivos um despacho administrativo, seguido de uma decisão judicial que o mantém nos seus exactos termos, quando ambos aplicam de forma cega a lei, sem antes analisar as implicações e consequências de tal decisão, violando, assim, os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé, contemplados nos art.s 13.º, art. 202.º, mormente na 1.ª parte do seu n.º 2 e 266.º, n.º 2, da CRP e nos art.s 5.º, 6.º e 6.º-A do CPA.

1.2 A solução injusta no seu resultado não pode ser tida por vontade de lei, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 9.º do C. Civil, pelo que os julgadores a quo não podiam admitir que ao recorrente fossem aplicadas, na prática, duas penas pelo mesmo facto: a pena de demissão e a de privação de pensão, esta última outra verdadeira pena, aliás obrigatoriamente substituindo a primeira, em se tratando de aposentados como é o caso dos autos, privação esta que, agora coadjuvada pela decisão recorrida, persiste por mais de seis anos.

II - Estabelece o art. 26.º, n.º 1, al. c), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RD/PSP) que, no caso de um agente aposentado, a pena de demissão será – sem alternativa ou nuance - substituída pela perda de pensão durante um período limitado a 4 anos, nunca podendo ficar com as duas penas e ad aeternum, como, na prática, acontece in casu: além de demitido da Polícia de Segurança Pública, está privado de pensão desde 2008, isto é há mais de 6 anos! 2.1 Mostra-se, além do mais, violado o aludido art. 26.º, cuja correcta interpretação impunha – depois de devidamente escrutinados os requisitos constitucionais – a substituição ali ordenada, pois o recorrente requereu a aposentação antecipada ou pré-aposentação em 16/02/2006 (cfr. factos provados sob AI) e AQ), 1ª parte, e fls. 29 dos autos), que lhe foi concedida por despacho do Exmo. Senhor Secretário de Estado da Administração Interna, com data de 28/07/2008, tendo sido informado, em 18/11/2008, que o pedido tinha sido “deferido, encontrando-se a sua execução suspensa por se encontrar ausente.” (facto alegado no art. 47º da petição inicial e factos provados sob AM), AN) e AQ), 2ª parte; contudo, não constam dos autos o despacho que autorizou a passagem à pré-aposentação, tal como a ordem administrativa de suspensão).

2.2 A Lei n.º 1/2004, de 15/01, e, consequentemente, no que refere ao antigo Estatuto do Pessoal da Polícia de Segurança Pública (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 511/99, de 24/11), o Decreto-Lei n.º 157/2005, de 20/09, introduziram um novo tipo ou subtipo de aposentação, a aposentação antecipada ou pré-aposentação, à qual se aplica, sem restrições, o referido (no corpo da conclusão) art. 26.º.

III – Qualquer decisão que conduza, na prática, à privação de uma pensão, qualquer pensão, mormente a de aposentação, impõe a consideração da situação pessoal, familiar, patrimonial, económica e laboral do recorrente, única forma de se determinar se tal privação é compatível com uma vida digna.

3.1 A decisão disciplinar aliada à eventual decisão de suspensão da pré-aposentação e, com elas, o acórdão recorrido violaram o princípio da dignidade da pessoa humana do recorrente e da sua família, ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no art. 1.º da Constituição da República Portuguesa – vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 858/2014, de 10/12/2014, relatado pelo Exmo. Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, no Processo n.º 360/2014 – tendo ostensivamente violado o art. 26.º, n.º 1, alínea c), do RD/PSP, ao desconsiderar o facto de ter sido deferida a pré-aposentação do recorrente em data anterior e realizado uma interpretação grosseiramente inconstitucional dos artigos 25.º, n.º 1, al. g) e 47.º, n.º/s 1 e 2, al. j), do mesmo RD/PSP, ao atirar, pela interpretação destas normas feita, um homem para a total impossibilidade de prover à sua sobrevivência económica, bem como à da sua família.

3.2 A Constituição da República Portuguesa não admite que a Administração, a coberto de uma qualquer interpretação exclusivamente formal da lei, prejudique um cidadão ou lhe retire algum direito ou benefício. Antes os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, contemplados nos art./s 3.º, 13.º e 266.º, n.º 2, da CRP e nos art.s 5.º e 6.º do CPA, obrigavam a Administração a fazer uma leitura com eles condicente, do RD/PSP.

III – O processo disciplinar padece de várias nulidades e de ilegalidades, devendo, em conformidade, serem anulados todos os despachos nele proferidos – art.s 133.º a 136.º do CPA.

3.1 Mostra-se violado o disposto no n.º 3 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa e nos art.s 57.º, n.º 1, e 81.º, n.º 1, do RD/PSP, pois tanto o despacho de acusação, como a decisão condenatória, não foram notificadas pessoalmente ao recorrente, pondo assim em causa a garantia da sua defesa.

3.2 Mostra-se violado o direito à audiência e à defesa, contemplado no n.º 3 do art. 269.º da Constituição da República Portuguesa, quando, em sede de interrogatório, é imputado ao então arguido, aqui recorrente, ter usado as palavras “palhaços” e “palhaçada”, referindo-se às juntas médicas, quando da gravação posteriormente junta aos autos, se verifica ter ele apenas usado a palavra “brincadeira”.

3.3 Há, tanto no processo disciplinar como no acórdão recorrido, omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, diligências estas a integrarem o núcleo fundamental do direito de defesa do recorrente, consagrado no supra citado art. 269.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, pois os órgãos administrativos, tal como os Meritíssimos julgadores a quo deveriam ter revisto, em todos os seus aspectos, factuais e legais, a decisão administrativa, não se quedando pelas meras questões formais, assim impedindo a realização da verdadeira Justiça, a material.

3.4 Recaía sobre a acusação o ónus não só de fundamentar as faltas, como provar a sua não justificação, o que, no caso em apreço, não aconteceu, em clara violação do disposto nos art.s 4.º, 14.º, n.º 1, 47.º, n.ºs 1 e 2, al. j), e 114º, n.º 2, todos do RD/PSP, na sua correcta interpretação e aliás única, consentânea com a Constituição da República Portuguesa (art.s 32.º, n.º 2, e 269.º, n.º 3).

3.5 Ao manter a decisão disciplinar sem antes levar em consideração o “grau de culpa”, a “personalidade” do recorrente, “o seu nível cultura”, o seu “tempo de serviço” e “todas as circunstâncias que militem contra ou a favor” dele, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 43.º do RD/PSP - sendo certo que caso os Meritíssimos julgadores a quo, assim como os órgãos administrativos que aplicaram a pena de demissão, entendessem serem necessários mais elementos, deveriam tê-los solicitado ao recorrente ou providenciado pela sua realização; não o tendo feito, deve presumir-se a bondade e suficiência dos documentos entregues, assim se fazendo uma justa aplicação do princípio da boa-fé, garantido no art. 266.º, n.º 2, da CRP e contemplado no art. 6.º-A do CPA.

Termos em que, verificadas as nulidades do processo disciplinar, deverá este ser anulado, com as demais consequências, ordenando-se, em conformidade, a execução imediata do despacho de 28/07/2008 que autorizou a passagem do recorrente à pré-aposentação.

Sem prescindir, deve ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que, verificada a ilegalidade da aplicação da pena de demissão com a suspensão da pré-aposentação, já concedida ao recorrente, condene a Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública e, eventualmente, a Caixa Geral de Aposentações, a proceder ao pagamento das pensões devidas ao recorrente, com os respectivos juros (…).”.

*A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES: A) O Douto Acórdão impugnado, não padece de qualquer vício que a inquine; B) Sendo ao invés, inteiramente válido, porquanto conforme à Lei e ao Direito; Com efeito, C) Conforme o próprio Recorrente refere “…o aresto aqui impugnado, apesar de se pronunciar sobre todas as nulidades suscitadas…”, ou, ainda, “…“…vimos atrás, no presente recurso, de uma decisão verdadeiramente jurídica, com tudo o que isso implica de conteúdo material e não apenas formal, capítulo em que o acórdão recorrido é inatacável.”.

D) De igual modo, não se verifica qualquer falta de fundamentação ou erro de julgamento; E) O ora Recorrente apenas discorda da posição adotada pelo Douto Tribunal e, isso, salvo o devido respeito não é quanto baste para lançar mão de um recurso jurisdicional.

F) Mais, um recurso jurisdicional não pode consistir nas ilegalidades imputadas ao “ato administrativo” contenciosamente impugnado, mas sim nas deficiências imputadas ao Acórdão. Ainda, G) Não será despiciente o facto de o Recorrente ter assumido no artigo 27º...

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