Acórdão nº 01900/17.4BEPRT-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução07 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: IFTCA, S.A.

veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 09.01.2018, que declarou o Tribunal a quo incompetente em razão do território para conhecer do mérito da acção principal, e competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e, em simultâneo, deferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático resultante da interposição da acção principal urgente de contencioso pré-contratual movida pela ora Recorrente contra o Instituto da Segurança Social, I.P.

e em que foi indicada como Contrainteressada a SSGANIH, S.A.

Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal a quo errou quanto ao julgamento implícito de ser o tribunal competente para conhecer do incidente em apreço e que a decisão recorrida é, por essa via, nula por excesso de pronúncia, por ter conhecido de questão de que não devia ter conhecido; invoca ainda que a decisão recorrida é nula por omissão total da matéria de facto relevante e, em todo o caso, é desacertada.

*As Recorridas apresentaram ambas contra-alegações, em separado, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

*O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de proceder o recurso.

*Cumpre, pois, decidir.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. Impõe-se, deste modo, concluir que a sentença ora recorrida é nula por conhecer de questões de que, por força das regras de extensão de competência (territorial) do Tribunal, não podia tomar conhecimento, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  1. Porquanto, o Tribunal a quo declarou-se incompetente, em razão do território, para conhecer da ação de contencioso pré-contratual na qual o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático foi levantado.

  2. Sendo que, nos termos do artigo 91.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem.

  3. Donde, a observância das regras de competência do tribunal, em concreto, a regra de extensão de competência prevista no citado artigo 91.º, 1, do Código de Processo Civil, sempre ditará a atribuição de competência para conhecer do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático ao tribunal competente para conhecer da acção na qual o mesmo foi levantado.

  4. Razão pela qual, não restam dúvidas de que a sentença recorrida padece, desde logo, de erro de julgamento, por fazer uma incorreta interpretação e aplicação das regras de (extensão) de competência jurisdicional.

  5. E mais, ao ter decidido apreciar e julgar o presente incidente de levantamento do efeito suspensivo automático da adjudicação e da execução contratual, conheceu de questões de que, face à declaração de incompetência emitida, não podia tomar conhecimento, o que determina a sua nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  6. Ademais, a sentença recorrida é nula, por não especificar os fundamentos de facto que sustentam a decisão proferida, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

  7. Efetivamente, compulsada a sentença em crise, constata-se que a mesma não contém a seleção dos factos dados como provados e não provados, nem tão pouco faz referência aos meios de prova oferecidos por cada uma das partes para demonstração dos reais prejuízos resultantes da manutenção ou levantamento do efeito suspensivo automático que decorre da propositura da acção de contencioso pré-contratual.

  8. O que, no caso dos autos, se afigura particularmente gravoso, na medida em que a aplicação do critério de decisão sobre o levantamento do efeito suspensivo resulta, necessariamente, do confronto de danos e prejuízos reais, que devem ser concretamente alegados e demonstrados pelas partes para justificar a necessidade preponderante de manutenção ou levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  9. Assim, a omissão de discriminação dos concretos factos que permitem demonstrar a existência dos danos reais e concretos que a manutenção ou levantamento do efeito legal suspensivo comporta para a esfera de cada uma das partes e para o interesse público, não só impede a inteligibilidade do iter cognoscitivo seguido pelo Tribunal para decidir do modo como decidiu, como esvazia de substrato jurídico a própria sentença proferida.

  10. Pelo que, outra não poderá ser a conclusão a extrair senão a de que a sentença recorrida é nula, por ausência absoluta de fundamentação de facto que justifique a decisão proferida, nos termos e para os efeitos previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  11. Resulta, ainda, manifesta a conclusão de que o Tribunal a quo desprezou, em absoluto, a natureza do incidente sob análise e, em especial, o ónus de prova que o mesmo faz impender sobre os requerentes do levantamento do efeito suspensivo automático consagrado no artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  12. Pois que, é inequívoco que este configura um verdadeiro requerimento processual, sujeito ao ónus de alegação e prova aplicáveis nos termos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1. º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, donde resulta que, na falta de alegação de factos concretos (não se bastando a invocação de meros juízos conclusivos) e de prova da sua verificação (não bastando a mera alegação), não pode ser julgado procedente o incidente legalmente previsto.

  13. Por esta razão, dúvidas não se colocam quanto ao facto de mal ter andado o Tribunal a quo, ao deferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático apresentado pelos Recorridos, sem que tivessem resultado alegados e provados nos autos factos concretos que permitissem demonstrar a grave prejudicialidade que a manutenção do efeito suspensivo da execução do contrato iria provocar no interesse público ou a lesão manifestamente desproporcional de outros interesses envolvidos.

  14. A verdade é que, as alegações constantes dos articulados apresentados pelos Recorridos esgotam-se na alegação de generalidades e factos notórios, como o manifesto interesse público da acção prosseguida pelo Recorrido Réu, no fornecimento de bens alimentares a pessoas mais carenciadas.

  15. Ora, é por demais evidente que estando em causa a atuação da Administração, aqui representada pelo Réu, ora Recorrido, estaremos sempre a falar da prossecução do interesse público. No entanto, a natureza desse interesse não se revela, por si só, preponderante na ponderação exigida pelo artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob pena de esvaziar de conteúdo o efeito suspensivo automático resultante da propositura da acção de contencioso pré-contratual.

  16. Efetivamente, o que releva nesta sede, é o facto de não ter ficado demonstrado nos autos que existisse, efetivamente, uma privação, absoluta, dos bens ao seu destinatário, nem que existisse, efetivamente, um dano real para o interesse público, resultante da manutenção do efeito suspensivo legal consagrado no artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos até à prolação da decisão final do processo de contencioso pré-contratual (de natureza urgente) pendente.

  17. Donde, é imperioso concluir que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por ter realizado uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 103.º-A, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, deferindo o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático requerido pelos Recorridos, sem resultar alegado e provado nos autos que o diferimento da execução do ato e contrato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou claramente desproporcional para outros interesses envolvidos.

  18. Por outro lado, a fundamentação adoptada pelo Tribunal a quo, no que à aplicação do critério ínsito no artigo 103.ºA do Código de Processo nos Tribunais Administrativos respeita, apresenta-se-nos contraditória, ambígua, obscura e, portanto, ininteligível, em termos que afectam intrinsecamente a validade da sentença proferida, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

  19. Pois que, não obstante o Tribunal a quo partir do pressuposto correto no que concerne ao objeto da ponderação a realizar na aplicação do critério de decisão do levantamento do efeito suspensivo legal – ponderação de danos e prejuízos reais -, a verdade é que, a decisão final proferida assenta na assunção de um pressuposto totalmente distinto e, refira-se, absolutamente equívoco, correspondente à mera ponderação de interesses (interesse público versus interesse privado).

  20. Sendo que, uma decisão de deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, conforme ao normativo legal aplicável e ao pressuposto inicialmente assumido quanto ao verdadeiro objeto da ponderação a realizar, teria, forçosamente, de concluir pela superioridade dos danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo (sejam eles quais forem) face aos danos que resultam do seu levantamento. Mas nunca, em caso algum, se poderia esgotar na determinação da preponderância ou supremacia de meros interesses, como sucede no aresto sob censura.

  21. A par da natureza ambígua da fundamentação exposta na sentença...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT