Acórdão nº 00217/14.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução07 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: AAB, Ldª (R. C…, Lousã) interpõe recurso jurisdicional na presente acção administrativa comum intentada contra Estradas de Portugal, S.A.

(Praça da portagem, 2809-013 Almada), que o TAF de Coimbra julgou improcedente.

*O recorrente conclui: 1. O despacho saneador-sentença de fls., debalde douto, deve ser revogado; 2.

A decisão recorrida empreende uma errada subsunção normativo-legal do enquadramento factual apurado no probatório; 3. O Tribunal recorrido firma que a A. era proprietária dos artigos urbanos 9029 e 4936, correspondentes a dois armazéns, que se encontravam incluídos na parcela expropriativa nº 24, em procedimento de expropriação por utilidade pública empreendido pela R.; 4. O Tribunal recorrido reconhece que tais bens imóveis foram objeto de expropriação empreendida pela R., não tendo a A. sido ressarcida pelos danos emergentes da expropriação; 5. O Tribunal recorrido estabelece que os danos acionados nos presentes autos são os emergentes da expropriação; 6. Tudo conforme, entre outros, os pontos 2, 3 e 4 do probatório da douta sentença de fls.; 7. Assim, o conspecto factual desenhado pela decisão recorrida afasta taxativamente qualquer cenário de responsabilidade delitual do Estado ou demais entes públicos ou equiparados; 8. Consequentemente, não se tem por aplicável o disposto no artigo 7º e ss. do regime anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, nem mesmo o disposto no artigo 11º (quanto à responsabilidade pelo risco); 9. Acresce que, a responsabilidade civil por factos lícitos prevista no artigo 16º do mesmo regime só compreende os “danos pessoais”, excluindo os casos de expropriação por utilidade pública, cujo fundamento tutelar irradia diretamente do artigo 62º da CRP, visando a proteção da propriedade privada e a obtenção de um justo equilíbrio entre os interesses privados e o interesse público; 10. Esse “justo equilíbrio” é manifestamente afrontado pela tentativa de aplicação à expropriação por utilidade pública da prescrição de 3 anos; 11. Por outras palavras, a tutela indemnizatória da ablação de direitos patrimoniais privados decorrente de expropriação não está sujeita ao prazo curto de prescrição do artigo 498º do Código Civil, por, em rigor, não lhe ser aplicável o regime anexo à Lei nº 67/2007, mas sim o regime privativo (designadamente, substantivo) da expropriação por utilidade pública; 12. Consequentemente, não se aplica o artigo 5º desse regime anexo; 13. A interpretação pela qual se aplique o artigo 498º do Código Civil, designadamente, o nº 1, por remissão, ou não, do artigo 5º do regime anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, e, consequentemente, o prazo curto de prescrição de 3 anos ao direito à indemnização por danos patrimoniais privados decorrente de expropriação por utilidade pública, é inconstitucional, por ofensa ao direito à propriedade privada, conforme preceituado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade (material) que expressamente se invoca, para os devidos efeitos legais; 14. Assim, a pretensão indemnizatória emergente de expropriação por utilidade pública não está sujeita ao prazo de prescrição do artigo 498º, nº 1, do Código Civil (3 anos); 15. Donde, não se verifica, no caso dos autos, qualquer prescrição, pelo que a mesma deveria ter sido julgada totalmente improcedente, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos; 16. Consequentemente, deve ser revogada/anulada a sentença recorrida de fls., julgando-se totalmente improcedente tal exceção, ordenando-se o prosseguimento dos autos, com as legais consequências.

  1. Por estrita cautela legal dir-se-á ainda que, como vimos, o Tribunal recorrido optou pela qualificação da responsabilidade da R. como sendo não delitual (ou por facto ilícito), optando, ainda assim, pela aplicação do prazo previsto no artigo 498º do Código Civil a um caso que enquadrou – ao menos implicitamente – em sede de responsabilidade civil por facto lícito.

  2. Ora, caso se considerasse, então, estarmos perante um cenário delitual, é manifesto que, também aí, a decisão recorrida não pode subsistir.

  3. Com efeito, num cenário de ilicitude, i.e., de ilegalidade do processo expropriativo, com uma atuação material desfasada da realidade jurídica do mesmo, o momento relevante para a concretização dessa modalidade de responsabilidade seria, necessariamente, a ocupação efetiva dos prédios, com a sua demolição, dado que esse é o evento ilícito, consubstanciado na violação ilegítima do direito de propriedade privada.

  4. Quando não há DUP juridicamente válida, que titule a expropriação de um imóvel, o momento “a quo” nunca poderá ser a “posse administrativa”, porque, em existindo esse ato, o mesmo, por definição, não inclui o imóvel em causa.

  5. Não poderá, de igual modo, ser a “vistoria ad perpetuam rei memoriam”, porque, não havendo título, i.e., a vistoria não tem em conta esses danos.

  6. O raciocínio empreendido pelo Tribunal quanto ao “dies a quo” do prazo de prescrição, fazendo-o coincidir com a “posse administrativa” ou com a “vistoria”, por exemplo, só tem sentido num cenário de licitude.

  7. Quando a atuação da expropriante não é titulada, então o fato voluntário ilícito, que é condição do instituto da responsabilidade civil, só ocorre com a entrada efetiva no terreno e com a demolição da construção.

  8. Ou seja, quando há um título (facto lícito), a emissão desse título é o momento que estriba o direito à indemnização, porque corresponde ao momento em que o facto voluntário é praticado (a ablação); aí, o prazo de prescrição é de 20 anos; quando não há um título (facto ilícito), não é possível localizar no tempo esse facto voluntário, o qual só se manifesta quando a ocupação (“a via de facto”, por exemplo) se concretiza e, só nesse momento, é cometido o ilícito e o prazo de prescrição é de 3 anos, contados da ocupação efetiva, de facto, do prédio, com a demolição e a privação, de facto, do seu uso económico.

  9. Com efeito, não há responsabilidade civil sem facto voluntário (i)lícito e danoso e só a partir dele pode iniciar-se a contagem do prazo de prescrição.

  10. E, a ocupação e os termos em que ocorreu encontra-se mais bem descrita nos artigos 23 a 31 da PI de fls. e da resposta à contestação de fls. (cfr. 43 a 79).

  11. Nesse caso, então, teríamos de concluir que, em face da data em que ocorreu a ocupação – i.e., Março de 2010 –, tendo a R. sido citada em 7.02.2013, para os termos do processo nº 92/13.2TBLSA, identificado no ponto 17º do probatório da sentença de fls., sempre se veria verificado a interrupção da prescrição, nos termos do artigo 323º, nº 1, do Código Civil.

  12. Sendo que, em 24.03.2014, quando a R. foi citada para os presentes autos (cf. ponto 22º do probatório da sentença de fls.), e por força do disposto no artigo 327º, nº 2, do Código Civil, pelo que sempre se verificaria o pleno aproveitamento da interrupção da prescrição, decorrente da citação para o processo nº 92/13.2TBLSA.

  13. Donde, nunca se verificaria a prescrição, também por aqui.

  14. A decisão recorrida, todavia, não contém factos assentes que permitam qualificar a responsabilidade da R. como delitual, tendo optado, diversamente, pela sua qualificação no quadro da responsabilidade por facto lícito.

  15. Ora, num cenário de responsabilidade por facto culposo, teria de se tomar em consideração a factualidade invocada na PI de fls., nos artigos 23 a 31, e na resposta à contestação, artigos 43 a 79, o que o Tribunal recorrido não fez.

  16. Donde, deve o despacho saneador sentença de fls. ser anulado, julgando-se improcedente a referida exceção de prescrição, e ordenando-se o prosseguimento dos autos, com as legais consequências.

*A recorrida contra-alegou, concluindo: 1- A decisão recorrida fez uma correta aplicação do direito em face da matéria alegada pelas partes.

2- Tal qual foi configurada a ação pela autora, esta pretende ser ressarcida pelos prejuízos resultantes da apropriação ilícita dos prédios de que é proprietária, reclamando a indemnização pela demolição abusiva de dois armazéns existentes (de que era proprietária), e pela montagem de estaleiro e alisamento de terras, colocação de camadas de betuminoso e execução de outros trabalhos de construção civil, com vista à execução da obra EN 2xx – Ligação à Lousã, e pele privação temporária do estabelecimento.

3- A Ré desencadeou um verdadeiro processo de expropriação que abrangeu as áreas ocupadas, e pagou a indemnização devida por todos os prejuízos que o tribunal judicial de comarca fixou pela ablação do direito de propriedade afetado com a expropriação. Não há expropriação de facto, há uma expropriação legal, legítima, desencadeada por meio de uma declaração de utilidade pública válida e eficaz, e...

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