Acórdão nº 02575/10.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução21 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO AMS, residente na Rua N…, 451 0-094 Jovim, instaurou acção administrativa especial contra o Município P..., pedindo que seja declarada a invalidade do acto administrativo que o puniu com a sanção disciplinar de 60 dias de suspensão, designadamente, por há muito se encontrar prescrito o procedimento disciplinar ou, em alternativa, que se decrete a sua anulação em função do vício de violação de lei de que padece, condenando-se a Entidade Demandada a pagar-lhe os vencimentos referentes ao período de suspensão executado, acrescidos dos juros legais, desde a data da execução da pena até integral pagamento, bem como a reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado.

Por acórdão proferido pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção, anulado o acto impugnado e condenada a Entidade Demandada a pagar ao Autor os vencimentos referentes ao período de suspensão executado, acrescidos dos juros legais, desde a data da execução da pena até integral pagamento, bem como a reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado.

Deste vem interposto recurso.

Alegando, o Município concluiu: A.

No acórdão ora posto em crise, o Tribunal a quo procedeu, salvo o devido respeito por melhor opinião, a uma análise superficial e insuficiente da matéria factual que envolve os presentes autos, o que conduziu a uma errónea aplicação do direito ao caso em concreto; B.

À data da prática dos factos, o Recorrido era funcionário do Recorrente - mantendo esse estatuto actualmente. Por seu turno, à data da instauração do processo disciplinar, os factos de que o Recorrido vinha acusado eram susceptíveis de aplicação da pena de demissão. Cabia assim ao Recorrente o poder disciplinar sobre o Recorrido; C.

Nos termos do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de Fevereiro as comparticipações da ADSE eram suportadas pelo orçamento do SMAS, integrado na pessoa colectiva Município P..., nomeadamente no que diz respeito ao regime livre de comparticipações da ADSE, pelo que era o Recorrente a única entidade lesada com as infracções disciplinares praticadas pelo Recorrido, e não a ADSE; D.

No ano de 2005 tudo quanto se detectou foi uma elevada despesa com cuidados de saúde, sendo parte dessa despesa sustentada em recibos emitidos pela Clinica Dentaria de SI - o que estava longe de poder ser configurado como uma falta disciplinar, tal como preceituava o artigo 4.º, n.º 2 do anterior ED; E.

Em 2005, os SMAS (pertencentes ao Recorrente) desconheciam: (i) se os recibos entregues nos serviços e emitidos por aquela Clínica eram verdadeiros ou falsos, (ii) quais eram verdadeiros e quais eram falsos, (iii) quais os funcionários que eram pacientes naquela clínica e, nestes caos, que tratamentos haviam realizado, (iv) quais os preços praticados pela clínica pelos tratamentos que realizasse, (v) quem emitia os recibos, quem os entregava nos serviços, (iv) quando era pago à Clínica ou se algo era pago de todo, (vii) se os recibos emitidos tinham subjacente algum tratamento médico efectivamente realizado, do colaborador ou de terceiro, etc. - ou seja, tudo circunstâncias fundamentais para se apurar se existia ou não alguma falta, quem a tinha praticado, como, quando e de que forma, e quais as consequências da mesma; F.

Na denúncia apresentada ao Ministério Publico os SMAS dão efectivamente conta das dúvidas existentes quanto aos recibos, sendo que da lista àquela junta constavam todos os colaboradores que apresentaram recibos da Clínica de SI nesse ano, sendo que, só parte deles vieram a ser constituídos arguidos (criminal e disciplinarmente), porque somente parte deles tinham apresentados recibos falsos; G.

O prazo de prescrição previsto no artigo 4.º, n.º 2 do anterior ED só começou a correr a partir do momento em que o Senhor Presidente da Câmara Municipal P...tomou conhecimento da acusação crime deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos - data em que os factos foram conhecidos com todos os elementos bastantes para se saber o que efectivamente havia ocorrido, de que forma e com que extensão e quem eram os seus agentes, assim se podendo finalmente configurar os factos como uma falta disciplinar; H.

O "conhecimento da falta" a que se referia o artigo 4.º, n 2 do anterior ED não se confunde com "conhecimento de indícios" ou sequer com o "conhecimento de fortes indícios", pois que uma coisa é a falta e outra coisa são os indícios; I.

Constitui entendimento jurisprudencial uniforme o de que o conhecimento pelo dirigente máximo do serviço referido no n.º 2 do artigo 4.° do ED/84 se tem de reportar a todos os elementos caracterizadores da situação, de modo a poder efectuar-se uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não o poder sancionador - cfr, Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 23 de Setembro de 2010 (processo n.º 01599/07,6BEPRT); J.

Como é jurisprudência pacífica dos Tribunais superiores (designadamente do TCAN e do STA), não basta, para esse efeito, o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se torna necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível ao dirigente máximo do serviço, o seu enquadramento como ilícito disciplinar. Aliás, a própria lei fala em conhecimento da falta e não do factos, o que supõe a possibilidade de fazer um juízo fundado sobre a relevância disciplinar de todos aqueles factos e não só de parte deles – cfr. acórdão do STA de 9 de Setembro de 2009 (processo n.º 0180/09), e ainda, no mesmo sentido, e a título exemplificativo os acórdãos deste último Tribunal de 22 de Junho de 2006 (processo n.º 02054/02), de 23 de Janeiro de 2007 (processo n.º 021/03), de 19 de Junho de 2007 (processo n.º 01058/06), de 9 de Setembro do 2009 (processo n.º 0180/09), de 14/1012003 (processo 0586/03); de 20/03/2003 (processo nº 02017/02), de 10/11/2004 (processo n.º 0957/02), de 16/03/2006 (processo 0141/06), de 29/0312006 (processo nº 144/05), de 23/05/2006 (processo nº 0957/02) de 13/02/2007 (processo n.º 0135/06), de 1./03/2007 (processo 0205/06) e de 14/05/2009 (processo n.º 01012/08); K.

O acórdão ora colocado em crise afirma, por um lado, que os SMAS tomaram conhecimento da falta em finais de 2005 e, por outro lado, que deveriam ter instaurado um processo de inquérito ou de averiguações para apuramento dos factos que desconheciam - o que se traduz num entendimento contraditório em si mesmo, pois que ou se conhece ou não se conhece a falta; L.

A instauração de um processo de inquérito ou de averiguações é uma faculdade e não um ónus da Administração, sendo que a sua não instauração tem como única consequência a não suspensão do prazo de prescrição mais longo (previsto no artigo 4.º, n.º 1 do anterior ED), não afectando o prazo de prescrição mais curto (previsto no artigo 4.º, n.º 2 do anterior ED), uma vez que este último só inicia a sua contagem a partir do momento em que a falta é conhecida; M.

Não são sequer comparáveis os poderes e capacidades investigatórias legalmente conferidas a um inquiridor nomeado no âmbito de um processo de averiguações ou de inquérito, por um lado, e a entidades como o Ministério Público e a Polícia Judiciária, por outro; Os SMAS tinham consciência que não tinham forma de apurar, através da instauração de um processo de inquérito ou de averiguações, a existência de qualquer falta, uma vez que seria necessário: (a) Fazer buscas à Clínica para recolha das fichas médicas (protegidas pela Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro): (h) Fazer o levantamento do sigilo bancário em relação às contas dos colaboradores, Clinica e seus sócios gerentes (todas protegidas pelo artigo 78º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro); (e) Chamar a depor pessoas externas ao SMAS, deontologicamente obrigadas a sigilo profissional (como é o caso dos médicos da Clínica, obrigados a sigilo nos termos dos artigos 85.º e ss. do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Regulamento n.º 14/2009, de 13 de Janeiro).

Sendo tudo diligências de prova só ao alcance do Ministério Público e Polícia Judiciária, e nos estritos termos previstos nos artigos 135.°, 174.º, n.º 2, e n.º 3, e n.º 4 e 177.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, curso de facto veio a acontecer: N.

A instauração de um processo de inquérito ou de averiguações, não estando estes cobertos por segredo de justiça, comportava ainda o risco de prejudicar ou inviabilizar a investigação em curso, uma vez que as pessoas directamente envolvidas nos esquemas que vieram a ser descobertos rapidamente tratariam de eliminar ou viciar provas, preparar depoimentos, fazer desaparecer qualquer elemento que os pudesse vir a incriminar ou combinar reacções consertadas face à investigação; O.

A Administração não deve lançar mão de processes de inquérito ou de averiguações que se revelem, desde logo, insusceptíveis de investigar ou descobrir o que quer que seja, como aconteceu no caso em apreço; P.

Com o acórdão ora posto em crise o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 4,° e 85.° e seguintes do ED, bem como da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, do Regulamento n.º 14/2009, de 13 de Janeiro e dos artigos 135.º, 174.º, n.º 2, n.º 3, e n.º 4 e 177.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.

Nestes termos, e nos que suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se integralmente a decisão recorrida, com o que farão JUSTIÇA!*O Autor juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim: Nestes termos e nos melhores de Direito deve ser confirmado o Acórdão, porque não padece de qualquer vício, sobretudo com o suprimento, sendo o Recorrente condenado a reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado.

*O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos contidos no artº 146º/1...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT