Acórdão nº 01019/16.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução14 de Setembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I — RELATÓRIO Recorrente: RSM Recorrido: Estado Português Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou totalmente improcedente a acção, na qual se pedia: - Declarar-se que o Estado Português violou, nomeadamente, o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, e o princípio da protecção da confiança ínsito no artigo 2.º da Lei Fundamental; e - Condenar-se o Estado Português a pagar-lhe: a) €18 000,00, a título de danos morais; b) €14 258,10, a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros moratórios vincendos desde a data da citação até integral pagamento.

Conclusões do Recorrente, que delimitam o objecto do recurso: “i.

Em apreço da violação da decisão em prazo razoável na ação 731/05.9TBARC, o tribunal a quo absolve o Estado Português de todos os pedidos formulados, ancorando-se em três principais ordens de razão: o processo foi sempre tramitado com normalidade (i); o comportamento processual do autor na ação de processo comum sub judice constituiu um elemento objetivo determinante da complexidade e, necessariamente, maior morosidade do processo, especialmente ao ter requerido a suspensão da instância (ii); atenta a importância do objeto do litígio para o Autor, a decisão teria sido proferida num prazo razoável, independentemente da complexidade da causa, do comportamento das partes e da administração da justiça (iii); ii. Com efeito, resulta da matéria provada (designadamente em A) CXIV, CXVIII, CXIX, CLI, CLII e CLV) que o Estado Português violou o prazo para expedientes de secretaria previsto no artigo 166.º do Código de Processo Civil, na redação então em vigor conferida pelo DL n.º 226/2008, pois a ação 731/05.9TBARC esteve parada, entre outras alturas, de abril de 2011 (altura em que transitou em julgado o acórdão do TCA Norte que pôs fim à demanda administrativa) até 17/07/2011 (data em que o TCA Norte remete ao Tribunal Judicial de Arouca os autos de processo ordinário), violando ainda o disposto no artigo 651°, n.º 4, do mesmo diploma legal, que consagra o prazo máximo de dez dias para marcação da audiência adiada; iii. Isso não obstante: a) o tempo de onze meses e quinze dias que decorreu desde a realização da primeira audiência de discussão e julgamento até à sétima sessão ofende claramente a noção legal de prazo razoável; b) o tempo de três anos, onze meses e oito dias decorridos entre a entrada da Petição Inicial em juízo e a realização da audiência preliminar ultrapassa inequivocamente o prazo razoável; c) o tempo de oito anos e vinte dias decorrido entre a entrada em juízo da Petição Inicial e a prolação da Sentença em 1.ª instância ultrapassa manifestamente o prazo razoável da decisão; d) a duração de oito anos, onze meses e vinte e dois dias da ação 731/05.9TBARC não se coaduna com a noção de prazo razoável contida nos artigos 20.º, n.º 4, da CRP, e 6.º, n.º 1, da CEDH; iv. O Estado Português não logrou provar nos autos que as referidas demoras se ficaram a dever à complexidade do processo ou ao comportamento inapropriado das partes; v. Pois, não obstante a decisão sob impugnação justificar a excessiva duração do processo 731/05.9TBARC com o comportamento do autor, não lhe imputa, todavia, qualquer falta de cooperação com o tribunal ou o uso de qualquer manobra processual com vista a retardar o andamento do processo.

  1. não é por o autor fazer uso do seu direito fundamental de esgotar todas as vias de recurso que o faz concorrer com culpa no retardamento do processo; b) também não é o facto de pedir aclaração de um acórdão que daí se possa retirar que o tenha feito em falta na cooperação com o tribunal ou no uso de um expediente meramente dilatório – o que, ademais, a sentença recorrida assim o não conclui; e nem sequer tal pedido teve influência relevante na duração do processo; c) ao requerer a remessa dos autos para o tribunal administrativo competente,o autor fê-lo com o sentido de alcançar o efeito útil da regular e célere tramitação processual de cada uma das ações, não inibindo de qualquer forma o poder-dever de direção processual do juiz na emissão das certidões para o efeito, o que, aliás, veio a suceder; d) da mesma forma, é a lei adjetiva a prever a possibilidade de serem requeridas diligências probatórias durante a fase de julgamento, não tendo qualquer alcance prático para o presente o indeferimento de uma diligência probatória requerida pelo autor na última sessão de julgamento, pois, por um lado, tal indeferimento não foi sindicado em qualquer manobra dilatória eventualmente consubstanciada pelo requerimento e, por outro, tal não teve qualquer repercussão no andamento do processo.

vi. Quanto à suspensão da instância requerida pelas partes em audiência prévia no processo 731/05.9TBARC, ao contrário do que faz transparecer a decisão recorrida, resulta provado que a suspensão não foi determinada no uso de um ato de mera disponibilidade das partes, como o que alude o n.º 4 do artigo 279.º do Código de Processo Civil (na redação da lei então em vigor conferida pelo DL n.º 226/2008), tratando-se antes do poder-dever legal do julgador previsto no n.º 1 do mesmo dispositivo legal, que determina que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado; vii. Foi a própria organização do sistema judiciário a impor ao autor a dedução em ações autónomas, em razão da diversa natureza jurídica das entidades demandadas, de pedidos com idêntico objeto e que assentam numa responsabilização solidária; viii. Pelo que nada mais restou ao Tribunal Judicial de Arouca senão suspender a instância onde foi deduzido o pedido subsidiário, sob pena, como bem ressalva o despacho que ordenou essa suspensão, de inutilidade da lide e esvaziamento do objeto do litígio; ix. Assim, a suspensão da instância provada em A) XCVII não pode ser entendida como motivada pela conduta processual do autor e querida e requerida por este ao abrigo do princípio do dispositivo, muito menos como uma falta de cooperação das partes com o tribunal (bem pelo contrário!) ou como um expediente ou manobra dilatória, mas antes uma consequência necessária e inevitável da configuração sistémica e processual da organização judiciária, designadamente no tocante à regras da competência dos tribunais em razão da matéria; x. Até porque, no que se refere à atuação das autoridades competentes no processo, atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo mas também ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo exigindo-se aos órgãos do poder legislativo e executivo que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e reformas estruturais ao nível dos meios técnicos, materiais e humanos ao serviço da justiça [sic.

Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 05-07-2012, proferido no processo 02767/06.3BEPRT]; xi. Acresce que o facto de as partes utilizarem os vários meios processuais que a lei lhes permite para defesa dos seus interesses, não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo. É que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna. [sic. sumário parcial do Acórdão proferido na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo em 27.02.2013, no processo 0114/13]; xii. Pelo que a morosidade do processo não se deve à complexidade do processo ou à sua própria natureza – em que é discutida a mera responsabilidade civil pela eclosão de um acidente de viação – nem tão pouco a um censurável comportamento das partes; xiii. O tribunal a quo apreciou erradamente os factos e violou o disposto no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e no n.º 1 do artigo 6.º da CEDH ao decidir que, atenta a importância do objeto do litígio para o Autor, a decisão teria sido proferida num prazo razoável; xiv. isto porque o autor alegou e provou factos que relevam a importância do objeto do litígio, como seja a perda do veículo acidentado e a angústia e preocupações que, por a ação se manter pendente durante vários anos, sofreu por manter-se na incerteza sobre se lhe seria ou não reconhecido o direito à indemnização dos danos advindos do acidente; xv. De resto, as consequências normais, para qualquer pessoa, do decurso normal de um processo judicial desta natureza – em que há atraso na decisão sobre a responsabilidade por um acidente de viação com sequelas funcionais irreversíveis do veículo envolvido – são por si só presumíveis e o respetivo dano indemnizável.

xvi. O Estado Português violou a sua obrigação de proferir uma decisão jurisdicional em prazo razoável tal como prescrevem os artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, havendo, pois, ilicitude na conduta do recorrido pela falta de justiça em prazo razoável, por deficiente funcionamento e coordenação do serviço de justiça do Estado; xvii. O autor alegou e provou factos que relevam o objeto do litígio da ação 731/05.9TBARC como digno de tutela jurídica, ficando demonstrado que a demora se não ficou a dever à especial complexidade do litígio e ainda menos a um comportamento censurável das partes com vista a retardar o andamento do processo; xviii. O autor logrou provar (em H) e J)) os danos patrimoniais causalmente advindos da demora da justiça, a que deve acrescer, tal como peticionado na petição...

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