Acórdão nº 00897/08.6BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelDr. Antero Pires Salvador
Data da Resolução22 de Abril de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I - RELATÓRIO A…, comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de A... e residente no lugar …, A..., inconformado, veio interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 7/7/2009, que, no âmbito da acção administrativa especial [onde peticionava a nulidade da deliberação da Direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de A... que deliberou fazer cessar o seu mandato enquanto Comandante do respectivo Corpo de Bombeiros], julgando procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, absolveu da instância a Ré “ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE A… ".

*** O recorrente formulou, no final das suas alegações, as seguintes conclusões: "1 .

O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença de fls. …, pela qual o Tribunal a quo julgou procedente a excepção de caducidade do direito de agir invocada na contestação, absolvendo, consequentemente, a Ré da instância.

2 .

Tal decisão assenta no pressuposto de que o acto impugnado é meramente anulável e não, como decorre dos autos e adiante se logrará demonstrar, nulo.

3 .

Entende o Tribunal apelado que o acto [em apreço nos autos de acção administrativa] “…limita-se a demitir o A. por “quebra de relação de confiança”, sem fazer preceder tal demissão do respectivo procedimento disciplinar e sem que haja nisso qualquer intervenção da Autoridade Nacional de Protecção Civil e da respectiva Comissão Arbitral”.

4 .

Partindo dessa premissa, conclui: “…porque não se poderia considerar que neste caso teve lugar usurpação de poder, o acto sindicado, quando muito, seria anulável, nos termos do disposto no art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que a presente Acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos deveria ter sido intentada no período de três meses contados desde a notificação do mesmo ao A.

(…) sob pena de caducidade do direito de agir (…) Não o foi, no entanto, pelo que procede a excepção de caducidade invocadas pela R. com a consequente absolvição da instância da mesma”.

5 .

Contudo, por entender que o Tribunal podia e devia ter conhecido dos demais vícios conducentes à nulidade do acto objecto de impugnação, quanto mais não fosse em virtude da sua expressa invocação, é que o Autor ora recorre.

6 .

Ora, ao não subsumir correctamente os factos apurados nas diversas hipóteses estatuídas no art. 133.º do CPA, a sentença em crise, porque deixa de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, padece de nulidade, nos termos da al.

d) do nº 1 do artigo 668º do CPC (ex vi, art. 140.º do CPTA).

Note-se que, 7 .

O Tribunal a quo julga a excepção de caducidade do direito de acção procedente com base no pressuposto de que o acto impugnado “…quando muito, seria anulável (…) pelo que a presente Acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos deveria ter sido intentada no período de três meses contados desde a notificação do mesmo ao A.

(…) Não o foi, no entanto, pelo que procede a excepção…”.

8 .

Contudo, as alegações do Autor nos autos e o teor dos mesmos, em confronto com as normas legais aplicáveis, impunham ao juiz que, não obstante o julgamento que fizesse da nulidade por usurpação de poderes, fosse mais longe na análise da nulidade que inquina o acto impugnado.

9 .

Contudo, o Tribunal decide apenas e só com base na apreciação de uma das possíveis dimensão da nulidade – a eventual existência de usurpação de poderes –, sem curar de saber se, eventualmente, estará verificado qualquer outra das situações cominadas com nulidade, as quais, sem prejuízo de serem do conhecimento oficioso do Tribunal, vêm expressamente invocadas pelo Autor, fazendo parte do pedido e da respectiva causa de pedir que se estabilizou na instância até ao momento processualmente oportuno (a saber, a réplica, nos termos consagrados no n.º 2 do art. 273.º do CPC, ex vi, art. 1.º do CPTA).

10 .

Sendo a aferição da nulidade, em qualquer dos casos, pressuposto essencial para a boa decisão da causa, impunha-se que o Tribunal a quo fizesse tal labor interpretativo e aplicativo de forma mais ciente e cuidada.

11 .

Sem prejuízo de o Autor rejeitar a interpretação que o Tribunal a quo faz do comando ínsito na al. a) do n.º 2 do art. 133.º do CPA, atentos os factos alegados – e mesmo, apenas, os factos dados como provados – e as normas legais vigentes, ficaram ainda por apreciar as demais causas de nulidade invocadas pelo Autor, designadamente, as causas de nulidade patentes na cláusula geral do n.º 1 e nas alíneas b), c), f), h) e i) do n.º 2 daquele mesmo artigo 133.º do CPA.

Vejamos: 12 .

Desde logo, o acto é nulo porque é estranhos às atribuições da pessoa colectiva em que a Ré se integra, desde que incluída no âmbito do art. 2.º do CPA, nos termos dispostos na al. b) do n.º 2 do art. 133.º daquele Diploma.

13 .

Ora, a Ré, autora do acto impugnado, nos termos conjugados do n.º 4 do art. 2.º do CPA e da al. d) do n.º 1 do art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), está incluída na previsão da norma.

14 .

Não obstante ser um mero ente privado, a Ré, chamada a intervir no âmbito administrativo, foi além das suas atribuições e, com a sua conduta emitiu um acto inerente às atribuições exclusivas da ANPC, que, como tal, é nulo.

Isto porque 15 .

Nos termos do art. 1.º do DL n.º 75/2007, de 29 de Março (Lei Orgânica), a ANPC “…é um serviço central de natureza operacional, da administração directa do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, na dependência do membro do Governo responsável pela área da Administração Interna”.

16 .

Dispõe ainda o art. 2.º daquela Lei Orgânica, sob a epígrafe missão e atribuições, que a ANPC “…tem por missão planear, coordenar e executar a política de protecção civil, designadamente na prevenção e reacção a acidentes graves e catástrofes, de protecção e socorro de populações e de superintendência da actividade dos bombeiros [destaque nosso]”.

17 .

Sobre a actividade específica dos bombeiros, dispõem a al. a) do n.º 5 daquele artigo que, a ANPC prossegue, sem prejuízo das demais, as atribuições de orientar, coordenar e fiscalizar a actividade dos corpos de bombeiros.

18 .

É assim insofismável que as atribuições da ANPC são de natureza pública proeminente, e que, lhe estão acometidas nos termos rigorosamente previstos na lei, pela necessidade de assegurar plenas garantias na efectivação dessas mesmas atribuições, em face das implicações sociais daí resultantes.

19 .

A ANPC, fundada nas suas atribuições, exerce neste domínio as suas competências através do controlo dos corpos de bombeiros, cujo regime jurídico se encontra vertido no Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros (Regulamento) – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2000, de 17 de Novembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 209/2001, de 28 de Julho.

20 .

Assim, da lei decorre a dependência directa dos corpos de bombeiros da ANPC, enquanto corpos operacionais que concretizam as suas atribuições.

Por seu turno, 21 .

A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de A... (AHBVA), Ré nos autos e aqui recorrida, é uma pessoa colectiva de utilidade pública de direito privado, detentora do Corpo de Bombeiros (CB) de A..., pelo que, nos termos do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 295/2000, de 17 de Novembro, é-lhe aplicável o Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros.

22 .

Em suma, a AHBVA é uma associação privada, com fins humanitários, exercidos principalmente pela actuação do corpo de bombeiros que em si comporta, sem contudo, se esgotarem nela.

Portanto, 23 .

Estamos aqui diante de duas entidades absolutamente autónomas, designadamente, ANPC e AHBVA, com centros de decisão diversos, submetidas a princípios de ordenação diversos, embora com forte ligação genética, cujos papéis são diversos, justamente porque o Estado deliberadamente assim o quis.

24 .

Os corpos de bombeiros, na dependência directa do Estado, prosseguem os fins públicos que estão na sua origem, impostos, determinados e dirigidos por aplicação de normas de direito público, designadamente, por aplicação das leis já indicadas (Lei de Bases da protecção civil, regime jurídico da ANPC e Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros).

25 .

As Associações privadas humanitárias, operando na sua gestão interna com base em normas de direito privado, cooperam naquela missão de protecção civil, acedendo a comportar os referidos corpos de bombeiros no seu seio – ao abrigo de normas de direito público e sujeitando-se às constrições das mesmas –, ao abrigo de um estreito princípio de colaboração e através da concessão de inúmeros benefícios, sem descurar a garantia de controlo directo pela ANPC.

Assim, 26 .

A ANPC é o centro detentor das atribuições públicas inerentes à missão de protecção civil desempenhada pelos bombeiros e operacionalizada pelos corpos de bombeiros, que esta controla, e que, dentro da relação de cooperação sui generis atrás descrita, desenvolvem a sua actividade integrados em associações humanitárias, detentoras dos mesmos.

27 .

Os corpos de bombeiros pertencem à ANPC e são da exclusiva competência desta, sem prejuízo, contudo, de estarem funcionalmente integrados em associações privadas, de fins altruísticos que, sob a égide estadual, e financiadas para o efeito, possibilitam o desempenho das suas funções.

28 .

Tal decorre directamente da lei e é, alias, o entendimento da Doutrina nacional mais autorizada, pela voz de Pedro Gonçalves, segundo o qual “…hoje, o papel das associações de bombeiros voluntários se reconduz, fundamentalmente, à criação e, em certa medida, ao suporte financeiro e logístico de um “corpo de bombeiros”. A peça essencial no sistema de protecção civil e socorro é exactamente o corpo de bombeiros, não a associação que o criou e à qual ele pertence (…) os corpos de bombeiros voluntários constituem estruturas...

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