Acórdão nº 00636/05.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Fevereiro de 2010

Data25 Fevereiro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, SA” (por força do disposto no art. 02.º DL n.º 374/07, de 07.11) e L…, R. e A., respectivamente, na presente acção administrativa comum, sob forma ordinária, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, inconformados, vieram, cada um de per si, interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 23.04.2009 e rectificada em 22.09.2009, que julgando parcialmente procedente a acção condenou aquela R. no pagamento ao A. de indemnização no valor de 29.066,80€, quantia essa a que acrescem juros moratórios à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Formula a R./recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 317 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. Os elementos factuais dados como provados, nomeadamente a existência de uma caixa, que faz parte do sistema de drenagem da estrada, existente para além da berma térrea, parcialmente coberta de ervas e fenos, não são causa adequada à produção do acidente, nem permitem estabelecer a relação de causa/efeito, de ligação entre a lesão e o dano.

  2. Como vem sendo decidido pelo STA, não há o dever de indemnizar por ausência de nexo causal entre o facto ilícito e o dano, quando se não possa concluir - como acontece no caso presente - em face da prova coligida, que o acidente não teria ocorrido se não fosse a existência daquela caixa existente e para além da berma térrea, por onde caminhou o Autor.

  3. A presunção de culpa não se repercute sobre o ónus da prova do nexo de causalidade, entendido este como uma relação de causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (cfr. art. 563.º do C. Civil).

  4. A conduta do Autor, não provando que caminhava, acautelando na escuridão da noite, naquele local, fora da estrada e berma, com ervas e fenos, a necessidade de fazer face aos eventuais obstáculos que na sua frente poderiam surgir, como era aquela caixa de drenagem já fora da berma térrea, quebra irremediavelmente o nexo causal supra referido entre a omissão referida da caixa aberta e não resguardada e coberta de ervas e fenos e o dano provado.

  5. E esse nexo não pode ser presumido, pois isso não tem suporte legal como o existente relativamente à culpa da recorrente.

  6. Não se podendo presumir o nexo causal, porque isso não tem suporte legal, a douta sentença deveria ter julgado improcedente a acção.

  7. A presunção de culpa estabelecida no artigo 493.º, n.º 1 do C.C. é aplicável à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos culposos praticados no exercício de gestão pública. Neste caso, contudo, ao Autor lesado cabe, primeiramente, o ónus de alegação e prova da base de presunção, ou seja, da ocorrência de facto causal dos danos.

  8. No caso dos autos, dada a presunção de culpa da recorrente EP, ao Autor incumbia-lhe apenas e antes do mais, o ónus da prova da base da presunção, ou seja, o facto de o acidente, traduzido na sua queda na caixa sita no limite da berma térrea, ter sido causado pela sua situação - aberta, parcialmente coberta de ervas e feno sem resguardo - cuja manutenção incumbia à Ré, no âmbito dos seus deveres de vigilância.

  9. É que é desconhecida a razão porque o Autor caiu na dita caixa.

  10. Pode-se seguramente afirmar que o acidente que aqui se discute e os danos dele decorrentes, só se produziram porque o Autor, àquela hora da noite - 5 horas - naquele local escuro, com ervas e fenos, caminhava sem acautelar a necessidade de fazer face aos eventuais obstáculos que na sua frente por onde caminhava poderiam surgir.

  11. Tal conduta é determinante para a produção do evento e directamente causadora dos danos que o Autor peticiona.

  12. O Autor não logrou provar os factos que logicamente devem anteceder o funcionamento da presunção de culpa, ou seja, da ocorrência do facto (positivo ou omissivo) causador dos danos para se poder imputar a responsabilidade à EP.

  13. Discorda-se ainda assim, e por mera cautela, da percentagem na atribuição concorrencial da culpa.

  14. O Autor foi pela reentrância do talude “ … eram 5 da manhã (estava, portanto, escuro) quando o Autor estacionou, decidiu sair do carro, transpôs o limite da berma, entrou no local do talude onde estava a caixa (a cerca de 6,60 metros da guia), local onde existia vegetação (fenos e ervas) que, atentas as regras de experiência comum, muitas vezes não permite a visualização de “perigos escondidos“.

    Com esta atitude desprevenida, incauta e até temerária, o próprio autor criou condições propícias à ocorrência da queda, não se acautelando de eventuais perigos.

  15. A repartição de culpa então sempre e em tal caso sempre deveria ser repartida em partes iguais, ou seja de 50% para Autor e Ré e não de 10% e 90%, como se decidiu …”.

    Apresentou, por sua vez, o A./recorrente alegações de recurso jurisdicional (cfr. fls. 330 e segs.) das quais ressaltam conclusões nos termos seguintes: “...

    1) A decisão em apreço, ao conhecer favoravelmente do direito aos juros de mora peticionados pelo autor, mas não condenando no seu pagamento, enferma, por omissão, da apontada nulidade, devendo, em tal conformidade ser reparada; 2) Nas apuradas circunstâncias em que ocorreu a queda que vitimou o autor, considerando a diminuta visibilidade da hora e, sobretudo, o local onde estava situada a caixa, no limite de berma térrea onde frequentemente são estacionados veículos e se movimentam pessoas, para mais estando totalmente desprovida de qualquer resguardo ou sinalização e parcialmente coberta por vegetação, e onde, em tal lugar, nada fazia prever que estivesse um tal precipício, qualquer pessoa normal, por cauta que fosse, poderia ser por igual surpreendida pela perigosidade deste buraco e cair no seu interior, de onde se conclui que o sucedido não é minimamente censurável à vitima, mas sim, exclusivamente, à apontada omissão ilícita e culposa da ré; 3) Em consequência, inexistindo qualquer culpa por parte do autor, não colhe a aplicação feita do disposto no art. 570.º, n.º 1 do C. Civil, devendo o montante indemnizatório ser-lhe atribuído por inteiro; 4) Os valores indemnizatórios atribuídos, em vista da factualidade apurada, não reparam adequadamente quer o dano patrimonial futuro quer o dano moral, revelando-se tais montantes exíguos a este fim, tendo em consideração a idade da vítima (47 anos) e o elevado grau de afectação física e psicológica de que irreversivelmente ficou acometida, afectando, em tal medida, a sua qualidade de vida e, outrossim, a sua capacidade de ganho e de trabalho durante um período de tempo supostamente ainda longo da sua vida activa; 5) Os montantes definitivamente peticionados pelo autor, ante a relevância dos danos apurados, não se mostram excessivos e, neste limite, deverão ser fixados; 6) Porém, ao não entender assim, a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 483.º, n.º 1 e 562.º e segs. do C. Civil.…”.

    Apenas a R./recorrida apresentou contra-alegações (cfr. fls. 360 e segs.), nas quais reiterou as conclusões por si deduzidas em sede de alegações de recurso, pugnando pela improcedência do recurso jurisdicional deduzido pelo A. sem todavia formular novas conclusões.

    O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia nesta sede (cfr. fls. 393 e segs).

    Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

  16. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redacção anterior à introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

    As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar: A) Quanto ao recurso jurisdicional deduzido pela R.

    se a decisão judicial recorrida enferma de ilegalidade por erro de julgamento dada a infracção ao disposto nos arts. 493.º, 563.º do CC (operar da presunção de culpa e da causalidade adequada e, bem assim, da concorrência de culpa fixada) [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas]; B) Quanto ao recurso jurisdicional deduzido pelo A.

    se a decisão judicial recorrida enferma, por um lado, quanto ao juros moratórios peticionados de nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. c) do CPC] e, por outro, de erro no julgamento facto e de direito dada a infracção ao disposto nos arts. 483.º e 570.º, n.º 1 do CC (concorrência de culpas) e 562.º e segs. do mesmo Código (valores indemnizatórios fixados a título de danos não patrimoniais e patrimoniais - perda capacidade de ganho) [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

  17. FUNDAMENTOS 3.1.

    DE FACTO Resultou apurada da decisão judicial recorrida a seguinte factualidade: I) Nas proximidades do lugar de Fundo de Vila, em Tábua, junto à Estrada Nacional que liga as localidades de Tábua a Santa Comba Dão, no sentido de marcha Tábua/Santa Comba Dão, existe uma caixa que foi construída para recepcionar e escoar as águas pluviais desta estrada nacional, das respectivas valetas e dos terrenos sobranceiros.

    II) No dia 28.11.2001, cerca das 05 horas...

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