Acórdão nº 01410/08.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelDrº Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Data da Resolução06 de Maio de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “J…, LDA.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 22.04.2009, que, no âmbito da acção administrativa especial por si instaurada contra o R.

“MUNICÍPIO DE BARCELOS” [abreviada e doravante MB], determinou a absolvição da instância deste com base na caducidade do direito de acção [quanto à impugnação do acto que determinou/ordenou a demolição do imóvel edificado] e na inimpugnabilidade do acto [aquele que determinou a posse administrativa do imóvel].

Formula a aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 113 e segs.

- paginação do suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. Os vícios invocados na sua p.i. em relação ao acto que ordenou a posse administrativa do imóvel são autónomos dos que padece o acto que ordenou a demolição do mesmo, não sendo consequência da ilegalidade do acto exequendo (demolição). Por isso mesmo tem de ser susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 151.º/4 do CPA; B) Com efeito, nos termos do artigo 107.º/1 do DL 555/99 de 16 de Dezembro, a competência para determinar a posse administrativa de imóvel cabe exclusivamente ao Presidente da Câmara Municipal de Barcelos e não a um seu Vereador. Sendo certo que esse diploma legal nem sequer prevê a possibilidade de delegação de poderes nos Vereadores para praticar actos relativamente a essa matéria (determinar posse administrativa), como acontece noutros casos como por exemplo o art. 94.º/1 do DL 555/99 de 16 de Dezembro.

  2. Acresce que o art. 35.º/1 do CPA é muito claro quando refere que o acto de delegação de poderes só é possível quando exista uma lei que o permita. E, relativamente a esta matéria, a Autora não conhece sequer qualquer lei habilitante da delegação de poderes; D) Deste modo, tendo em conta que o vício apontado (violação do disposto no art. 107.º/1 do DL 55/99) se refere exclusivamente ao acto que determina a posse administrativa e não ao acto que ordena a sua demolição, poderemos facilmente constatar que um é diferente e totalmente autónomo/independente do outro.

  3. Por outro lado, não nos podemos esquecer que a posse administrativa afigura-se como um acto administrativo altamente desfavorável para os seus destinatários, na medida em que implica a possibilidade de entrada, permanência e a prática de actos de disposição em terrenos de titularidade privada, sem o consentimento destes (e mesmo contra a sua vontade) e sem o recurso prévio dos Tribunais; Este acto, caso não seja praticado dentro dos limites impostos pela lei (nomeadamente por quem tem poderes para o praticar - o Presidente da Câmara), poderá mesmo levar a responsabilidade criminal dos seus autores, constituindo um acto altamente gravoso para os particulares e susceptível de lesar os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. E se assim é, nos termos do art. 51.º/1 do CPTA, tal acto teria de ser impugnável; F) Por outro lado, importa ainda salientar que, quanto mais não fosse, sempre seria importante tal declaração de ilegalidade do acto que determinou a posse administrativa do imóvel até para efeitos de responsabilização civil e criminal de quem concretizar tal intento com base nessa ordem/acto administrativo.

  4. Deste modo, o acto que determinou a posse administrativa do imóvel praticado pelo Vereador da Câmara Municipal de Barcelos encontra-se ferido de nulidade ou, pelo menos, de anulabilidade que foram expressa e atempadamente invocadas pela Autora na sua p.i., pelo que o mesmo é impugnável quer nos termos do n.º 3, quer do n.º 4 do art. 151.º do CPA e art. 51.º/1 do CPTA. Consequentemente, o douto Tribunal “a quo” tinha a obrigação de se pronunciar materialmente sobre os vícios invocados pela Autora na sua p.i, e não limitar-se a absolver da instância o Réu, como fez na douta sentença recorrida; H) Por outro lado, na sua douta sentença, o douto Tribunal “a quo” não se pronunciou, na matéria considerada assente, sobre os factos que sustentavam o pedido subsidiário, mais concretamente os alegados nos arts. 16.º a 20.º e 25.º a 34.º da p.i.. Com efeito, o Tribunal “a quo” nem os considerou provados, nem não provados, entendendo a Autora que tal matéria é essencial para a boa decisão da causa pelo que o Tribunal deveria ter-se pronunciado sobre os mesmos. Não o tendo feito, incorreu desde logo no vício de omissão de pronúncia sobre essa matéria de facto I) No entendimento da Autora, com as alterações ao projecto e respectivo processo de licenciamento, a obra em causa seria susceptível de ser licenciada, pois é possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de simples correcção ou de alteração do projecto inicial, nomeadamente confinando-a exclusivamente em Espaço natural classificado como “Mata ou mato de protecção a reconverter ou estabelecer”, onde, nos termos da alínea b), do n.º 4 do art. 52.º do Regulamento do PDM, é viável a legalização das instalações adstritas à exploração e manutenção florestal, como é o caso nos presentes autos.

  5. Ora, a lei e a jurisprudência têm entendido que, caso a obra em causa seja susceptível de ser licenciada ou autorizada, a demolição pode ser evitada mesmo que não exista pedido de legalização apresentado pelo interessado, logo, por maioria de razão, o mesmo sucederá quando houver um pedido de legalização da mesma mediante a alterações ao respectivo projecto e processo de licenciamento.

  6. Significa isto que, ao contrário do que consta na douta sentença recorrida, mesmo que o acto que ordenou a demolição já se tenha consolidado na ordem jurídica pelo decurso do tempo (conforme defende a douta sentença recorrida), a demolição pode ser evitada nessas condições.

  7. Ora, foram precisamente essas condições que foram alegadas pela Autora na sua p.i. e que o douto Tribunal “a quo” não se pronunciou, recusando-se sem mais a pronunciar sobre o pedido subsidiário, por entender que a demolição já não poderá ser por qualquer modo evitada, mesmo que seja susceptível de ser licenciada ou autorizada; M) No entanto, somos da opinião que tal entendimento é ilegal, por violar expressamente o art. 106.º/2 do DL 55/99, de 16 de Dezembro, pelo que douta sentença deve ser revogada ...

    ”.

    Conclui no sentido do provimento do recurso, com consequente revogação da decisão judicial recorrida e procedência da sua pretensão ou, se assim não for entendido, com prosseguimento dos ulteriores termos.

    O R., ora recorrido, notificado veio apresentar contra-alegações (cfr. fls. 133 e segs.

    ), nas quais pugna pela manutenção do julgado sem, todavia, formular conclusões.

    O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA veio apresentar parecer/pronúncia no sentido da total improcedência do recurso jurisdicional (cfr. fls. 155 e 156), parecer esse que objecto de contraditório não mereceu qualquer resposta (cfr. fls. 157 e segs.

    ).

    Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

    1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2, 146.º, n.º 4 do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

      As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida no segmento em que se mostra sindicada [absolvição do R. da presente instância apenas quanto ao fundamento da inimpugnabilidade do acto que determinou a posse administrativa], incorreu ou não, por um lado, em nulidade [omissão pronúncia - art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC] e, por outro, em violação do disposto nos arts. 151.º, n.ºs 3 e 4 CPA, 106.º, n.º 2 e 107.º, n.º 1 ambos do RJUE...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT