Acórdão nº 1621/17.8T8STB-L.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 1621/17.8T8STB-L.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I.

Relatório 1. Nos autos de liquidação do ativo que corre por apenso ao processo de insolvência de (…) – Importação, Exportação, Representações e Consultoria de Gestão, S.A., veio (…), STC, S.A., na qualidade de adjudicatária do imóvel sito na Herdade do (…), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Quinta do Conde sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, sob o n.º (…) da freguesia de Sesimbra, requerer que (i) “seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre a insolvente (…) e a arrendatária Sra. (…)”, (ii) “seja autorizada a tomada de posse do imóvel, com recurso ao auxílio de força pública”.

(…) opôs-se e argumentou que não foi notificada para exercer o direito de preferência na venda do prédio adjudicado à requerente (foi notificada pelo AI, em 17/5/2019, de um outro projeto de venda que não se concretizou) e que pretende instaurar ação com vista a preferir na venda do prédio, requerendo a final a consignação em depósito de rendas até que se mostre decidida a ação de preferência.

Requereu, em momento posterior, que os autos aguardassem a apensação do processo n.º 5523/20.2T8STB, o qual constitui “causa prejudicial aos presentes autos”.

  1. Seguiram-se despachos assim concluídos: “(…) indefiro à requerida suspensão do pedido de entrega do imóvel por inexistência ao presente de qualquer causa prejudicial, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC e ainda que assim não fosse, sempre seria de indeferir tal pedido, por ser manifesto que a propositura da ação comum que constitui o apenso K, mais não visa do que protelar, justamente, a apreciação e decisão do aludido pedido, nos termos do artigo 272.º, n.º 2, do CPC”.

    * “(…) declaro a caducidade do contrato de arrendamento, outorgado entre a insolvente (…) – Importação, Exportação, Representações e Consultoria de Gestão, Lda., e (…), em 1 de janeiro de 2014”.

  2. (…) recorre e conclui assim a motivação do recurso: “a) Nos termos do artigo 17.º do CIRE, ao processo de insolvência aplicam-se, supletivamente, as normas do Código de Processo Civil.

    1. Ao abrigo do disposto na alínea b) do número 3 do artigo 647.º do CPC, o presente recurso tem efeito suspensivo.

    2. Genericamente, o n.º 5 do artigo 14.º do CIRE, atribui aos recursos apresentados em sede de insolvência, um efeito meramente devolutivo.

    3. Porém, a ratio legis desta norma é evitar a suspensão do processo de insolvência, que reveste a natureza de urgente, consagrando o CIRE outros mecanismos de prevenção, nomeadamente no seu artigo 180.º, para os casos de recursos sem efeito suspensivo.

    4. O recurso versa sobre a decisão de declaração da caducidade do arrendamento celebrado entre Insolvente e a aqui Recorrente, não ficando, pelo efeito suspensivo do mesmo, o processo de insolvência, ou seus apensos, designadamente, o da liquidação, sustados.

    5. Não dispondo o CIRE de nenhum mecanismo de prevenção especial quanto a este recurso, se ao mesmo fosse atribuído um efeito meramente devolutivo, estar-se-ia a praticar ou autorizar atos, como a entrega efetiva do imóvel arrendado, que poderão, e deverão, ser anulados com a prolação de um Acórdão que julgue, atentas as normas aplicáveis e a jurisprudência uniformizada quanto a esta matéria, nomeadamente o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 2/21, procedente o presente recurso.

    6. A atribuição suspensiva ao presente recurso em nada contende com a subsequente tramitação dos autos de insolvência e seus apensos.

    7. Permanecendo sustada, tão-só, a declaração da caducidade do contrato de arrendamento e a consequente autorização do auxílio de força pública na sua entrega efetiva.

    8. A norma prevista na alínea b) do número 3 do artigo 647.º do CIRE reveste a natureza de norma especial relativamente à norma geral do número 5 do artigo 14.º do CIRE, prevalecendo sobre esta.

    9. Deverá ao presente recurso da decisão proferida no presente apenso ser atribuído um efeito suspensivo, cfr. no artigo 647.º, n.º 3, alínea b), aplicáveis ex vi artigo 17.º do CIRE.

    10. Mal tem andado o tribunal a quo, ao considerar que a ação que, atualmente, constituiu o apenso K destes autos, não é prejudicial quanto à decisão de entrega do imóvel.

    11. Na ação, proposta em 27/10/2020, a Recorrente peticionou entre outros pedidos, a declaração da ineficácia da comunicação para o exercício do direito de preferência e, em consequência, a declaração da nulidade da venda do imóvel.

    12. A decisão proferida em 12/11/2021 no âmbito daquele apenso não transitou em julgado.

    13. O número 1 do artigo 272.º do CPC que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente de outra já proposta.

    14. Ao indeferir o pedido de suspensão da decisão de entrega do imóvel até trânsito em julgado da decisão proferida no apenso K, mal andou o tribunal a quo na interpretação da norma acima citada.

    15. Quando a lei dispõe que o tribunal pode ordenar a suspensão não está a conferir ao julgador qualquer poder discricionário.

    16. Sempre que a decisão de uma causa estiver dependente de outra, deverá a mesma ser suspensa até à decisão definitiva da causa prejudicial.

    17. A decisão (final) a ser proferida num apenso em que se peticiona a nulidade da venda do imóvel tem clara e real influência sobre a decisão de entrega do imóvel.

    18. Caso a venda seja, naquele apenso, julgada nula por força da inobservância dos critérios que a lei impõe, a caducidade do contrato de arrendamento, alegada no presente apenso, em causa não estaria sequer em causa.

    19. A suspensão determinada, in casu, pela existência de uma ação prejudicial só cessará “quando estiver definitivamente julgada a causa prejudicial”, ao abrigo do disposto na alínea c) do número 1 do artigo 276.º do Código de Processo Civil.

    20. Errou, desta forma, uma vez mais, o tribunal a quo ao considerar que pelo facto de ter sido proferida uma decisão (não transitada em julgado) naquele apenso, que a requerida suspensão teria de ser indeferida.

    21. Não há lugar a qualquer discricionaridade no que tange à suspensão do pedido de entrega do imóvel, encontrando-se pendente uma ação no âmbito da qual se discute a questão essencial da validade da venda do referido bem.

    22. Mal que também andou o tribunal a quo, ao considerar a inexistência de qualquer contrato anterior à constituição da hipoteca pois, como a Recorrente alegou e demonstrou nos autos, nomeadamente através dos recibos de renda emitidos pela Insolvente, desde o ano de 2008 que o imóvel se encontra arrendado.

    23. O contrato de arrendamento, atenta a sua natureza, subsiste com a venda judicial do bem, independentemente de ter sido celebrado antes ou depois da constituição de hipoteca sobre o bem arrendado.

    24. A sentença proferida ao declarar a caducidade do contrato de arrendamento outorgado entre a Insolvente e a Interessada em 01 de Janeiro de 2014, atento o disposto no artigo 824.º, n.º 2, do Código Civil ignora o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/21, proferido em 05/08/2021.

    25. E, ao aplicar a norma constante no número 2 do artigo 824.º do Código Civil erra na determinação da norma aplicável.

      a

    26. O arrendamento tem a natureza de um verdadeiro direito pessoal de gozo, sendo um verdadeiro direito obrigacional (e não real), aplicando-se, em consequência norma constante no artigo 1057.º do Código Civil.

      bb) Sendo o direito do locatário um verdadeiro direito pessoal de gozo é subtraído à regra de extinção provocada pela venda executiva, aplicando-se à locação a regra emptio non tollit locatum estabelecida no artigo 1057.º do Código Civil.

      cc) Não podendo o disposto no número 2 do artigo 824.º do Código Civil, previsto para os direitos de garantia e reais, ser aplicado analogicamente a direitos de natureza obrigacional, razão pela qual é dado ao arrendatário o direito de preferência estipulado no artigo 1091.º do Código Civil.

      ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT