Acórdão nº 53/19.8GACUB-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de Processo Sumário com o nº 53/19.8GACUB, do Juízo de Competência Genérica de Cuba, foi proferido, em 09-12-2021, despacho judicial que indeferiu uma nulidade invocada pelo arguido

O arguido, inconformado, interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: “I) Antes de mais, o presente recurso vem interposto do douto despacho proferido pelo Juízo de Competência Genérica de Cuba, pertencente ao Tribunal Judicial da Comarca de Beja, datado de 09/12/2021, que decidiu inferir a nulidade prevista no artigo 119.º alínea c) do C.P.P., invocada pelo Arguido, no seu requerimento de 04/12/2021

II) Tendo entendido o Tribunal a quo que não se verifica a nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea c) do C.P.P., fundamentada pelo Arguido quer na sua ausência à audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, quer na falta do exercício do seu contraditório mínimo, por alegada falta de fundamento legal, o que não pode o merecer o acompanhamento e o aplauso do Recorrente em qualquer medida

III) Por conseguinte, ainda que no douto despacho sob impugnação o Tribunal a quo tenha sufragado o entendimento que o Arguido prestou o T.I.R. de forma válida, compulsados os autos, facilmente se verifica que o Arguido é de nacionalidade moldava, não tendo conhecimento nem mínimo domínio da Língua Portuguesa

IV) Razão pela qual devia-lhe ter sido nomeado intérprete idóneo logo nos atos iniciais do processo de constituição de arguido e da prestação do T.I.R., como dispõe o artigo 92.º, n.º 2 do C.P.P., tendo, no entanto, ocorrido falta de nomeação de intérprete e falta de tradução ao Arguido destes atos processuais, o que consubstancia a verificação de invalidades que foram anteriormente invocadas em recurso interposto de despacho judicial anteriormente proferido nos presentes autos

V) Como se pode constatar nos autos, o Arguido prestou o T.I.R. em português, quando o mesmo é moldavo e não compreende nem domina minimamente o português, muito menos de linguagem de recorte jurídico e processual

VI) Razões pelas quais não pode proceder de qualquer modo o entendimento propugnado pelo Tribunal recorrido de que a prestação de T.I.R. pelo Arguido foi efetuada de forma válida

VII) Por sua vez, é de sublinhar que a omissão e inexistência de intérprete e de tradução ao Arguido de tais atos de constituição de arguido e de prestação de T.I.R. fez toda a diferença nos presentes autos, em claro e notório prejuízo para o Arguido, quando este, sem qualquer consciência e noção de que estava adstrito ao cumprimento dos deveres decorrentes do artigo 196.º, n.º 3 do C.P.P., acabou por alterar a sua residência sem informar o Tribunal acerca da sua nova morada

VIII) Consequentemente, todas as notificações que foram efetuadas por via simples com depósito para a morada constante do T.I.R. não foram recebidas pelo Arguido, nem lhes foram de qualquer modo entregues, acabando, assim, o Recorrente por não vir a ter qualquer conhecimento do que lhe foi transmitido em tais notificações

IX) Ora, assim sendo, entre tais notificações por via simples que não chegaram ao conhecimento do Arguido incluem-se a notificação do despacho que designou a realização da audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. e para a sua comparência nessa audição, bem como o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão

X) Tendo ainda, como o próprio Tribunal a quo reconhece no seu despacho, o órgão de polícia criminal, no dia 28/01/2020, responsável pela notificação do Arguido do despacho que designou a realização da audição a que alude o artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P., informado os presentes autos que não foi possível efetivar a notificação do Arguido por contacto pessoal, por o mesmo não se encontrar na morada constante do T.I.R

XI) Por outro lado, a suspensão da execução da pena, como pena de substituição, quando revogada nos termos do disposto no artigo 56.º, do C.P., não pode deixar de determinar uma alteração in pejus do conteúdo decisório da sentença condenatória, até porque a perda da liberdade por parte do condenado constitui o seu efeito direto e mais radical

XII) Daí que o Legislador tivesse rodeado das maiores cautelas a prolação da decisão que implique, quer a revogação da suspensão da execução da pena, quer a modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostas ao arguido na sentença condenatória, exigindo para tal, e entre o mais, a prévia audição do Arguido, como decorre do disposto nos artigos 492.º e 495.º, ambos do C.P.P

XIII) Cautelas essas que, tidas pelo Legislador, não podem deixar de ser extensíveis à notificação das mesmas decisões judiciais, como pressuposto indispensável para assegurar, de uma forma efetiva e real, o respeito pelo direito ao recurso, constitucionalmente garantido no n.º 1, do artigo 32.º da Lei Fundamental e por via do qual é proporcionada ao Arguido, afetado pelas mesmas decisões, a possibilidade de as impugnar

XIV) Destarte, as razões em que encontra fundamento a exigência de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor são transponíveis e aplicáveis tanto à notificação para comparência na audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P como à notificação do despacho de revogação da suspensão da pena, tendo em conta as consequências nele implicadas para o condenado

XV) Além disso, na fase em que se coloca a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, a ligação entre o condenado e o seu defensor, seja constituído, seja nomeado (mais principalmente nesta segunda hipótese e é esta que corresponde ao caso concreto), é em regra mais frouxa que na altura da sentença

XVI) Pois aqui está-se no culminar do processo, no seu momento mais importante, ao passo que, estando transitada a sentença que suspendeu a execução da pena, o condenado já deu no seu íntimo o processo por encerrado, quebrando frequentemente as vias de comunicação com o defensor, designadamente por mudança de residência ou ausência prolongada, estando extinta a obrigação decorrente do artigo 196.º, n.º 3, alínea b), por força do disposto no artigo 214.º, n.º 1, alínea e), ambos do C.P.P

XVII) Ainda para mais no caso concreto quando o Recorrente apenas falou com a Defensora que lhe foi nomeada durante poucos minutos antes da realização da audiência de julgamento, não se tendo estabelecido qualquer contacto posteriormente entre o Arguido e a Defensora

XVIII) Acabando tal Defensora, com o devido respeito, por não exercer uma defesa eficaz e condigna do Arguido e deixa transitar todas as decisões suscetíveis de recurso, incluindo o despacho revogatório da suspensão da pena e que determinou o cumprimento por este de pena de prisão de três anos

XIX) De facto, à luz do disposto no artigo 495.º, n.º 2, do C.P.P., essa solução de impor que o condenado se pronuncie pessoalmente na presença do juiz, e não por meio de alegação escrita do defensor, releva da necessidade de garantir um efetivo direito de defesa, não podendo deixar de ser também querido no momento da comunicação da decisão

XX) Até por maioria de razão, uma vez que, tendo-se passado da mera possibilidade de ser determinado o cumprimento da pena de prisão à sua certeza, coloca-se então com mais acuidade a necessidade de se assegurar a defesa do condenado, designadamente o seu direito ao recurso, objetivo que só é cabalmente conseguido se for possibilitado ao Arguido o conhecimento do conteúdo da decisão judicial, o que não se pode ter como alcançado apenas com a notificação do defensor, pelas razões já apontadas

XXI) Perante o supra exposto, só pode concluir-se que o texto da lei, no artigo 113.º, n.º 10, do C.P.P., ao falar apenas em sentença e não em decisões com alcance similar, como o despacho de revogação da suspensão da pena, ficou aquém do pensamento legislativo, devendo, em consequência, numa interpretação extensiva, estender-se o sentido da palavra “sentença” de modo a abranger o despacho de revogação da suspensão da execução da pena

XXII) Sendo ainda esta conclusão a que mais se coaduna com o elemento teleológico da interpretação, pois as razões que conduziram à solução legislativa de impor que a sentença seja notificada ao defensor como pessoalmente ao arguido justificam na mesma medida que esse regime de notificação seja estendido à notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena

XXIII) Estando ainda tal interpretação abrangida no espírito da lei, com essa leitura do atual artigo 113.º, n.º 10, a ter um mínimo de correspondência verbal na letra da lei e apresentando-se esta solução como a mais razoável, por ser a que assegura efetivamente os direitos do condenado ao contraditório e à audiência, além de que na interpretação da lei deve presumir-se “… que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.”, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 9.º, do C.C

XXIV) Por outro lado, não poderia deixar de se escolher a interpretação segundo a qual o despacho que designa a realização da audição prevista no artigo 495.º, n.º 2 do C.P.P. e o despacho de revogação da suspensão da pena têm também de serem notificados ao próprio condenado, não bastando a notificação do seu defensor, por decorrência do princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição

XXV) De facto, efetuando-se a devida adaptação ao n.º 10 do artigo 113.º, do C.P.P., tais razões de direito conduziram à prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fixação de jurisprudência, de 15/04/2010, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Carmona da Mota, onde se pode ler no respetivo sumário: “I – Nos termos do n.º 9, do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. (…) III – A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir...

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